Os Filhos de Umbra

Capítulo Dezesseis: 1990 – 1531 dias antes


Capítulo Dezesseis: 1990 – 1531 dias antes

A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.

Charles Chaplin

12 de Setembro de 1990

O auditório da Escola de Artes e Dança da Tia Gina era bem grande, pelo menos para os padrões de Sococó da Ema. Era uma sala retangular, paredes acrílicas, com um palco circular bastante iluminado, cadeiras de madeira presas ao chão em fileiras de quinze. A iluminação do lugar era incrível, com as luzes ficando cada vez mais claras em direção ao palco, e isso deixou o meu eu da época fascinado. O lugar também tinha uma plataforma, uma espécie de segundo andar ao fundo, como uma sacada dentro da sala, lá ficavam os professores e o júri, que eram basicamente tia Gina e Cristina, de onde tinham uma vista melhor das apresentações.

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Todas as apresentações da prova de balé para bolsas aconteceriam à noite. Eram seis candidatas, ao total, das mais diferentes idades, mas a maioria era mais velha que Belle. Ela teria que ser incrível para impressionar Tia Gina apesar da idade, e já que eu praticamente não vi Belle fazia semanas por conta dos ensaios, Lerina a preparou à perfeição.

Conforme as horas passaram, depois de voltar da escola, mamãe me deu alguns minutos antes de me mandar arrumar para não perdermos a apresentação da minha amiga. Papai, Leo e eu vestimos ternos; o meu era um terno azul escuro com a blusa cinza; o de papai era um terno branco com uma blusa xadrez e calça jeans; e o de Leo era uma calça preta formal com um suspensório e blusa azul clara. O ponto era que estávamos lindos. Mamãe estava ainda mais linda, um vestido pérola com decote em “v” amplo, que afinava sua forma, com alças leves, o cabelo solto e uma leve maquiagem. Minha mãe era maravilhosa.

Depois de estarmos propriamente arrumados, Seu Otávio nos esperava na caminhonete com um sorriso orgulhoso. Ele estava com um terno azul e blusa preta, o cabelo escuro todo arrumado.

—Boa noite! –ele cumprimentou com um sotaque forte.

—Boa noite! –meus pais responderam num sorriso, vendo a empolgação dele.

Os olhos dele brilhavam, eu juro.

—Muito obrigada pela carona de novo, Otávio. –mamãe agradeceu, segurando Leo no colo.

—Imagina. Belle iria odiar se não estivessem todos nós lá para apoiá-la. –foi a resposta.

Mamãe foi com Leo e pai sentou em seguida comigo. A porta foi fechada e eu me apoiei em papai pro resto da viagem.

—Cadê Maria e Lerina? –questionei.

—Lerina ficou com Belle na escola quase que o dia todo. Maria não aguentou esperar e já foi faz um bom tempo. –Otávio pausou, olhando a estrada com um sorriso, como se fosse uma piada interna que apenas ele entendeu.

Ele deu de ombros, voltando a se concentrar na estrada. Passamos o chalé de Pablo, que, dessa vez, não trazia a imagem do meu amigo na varanda.

—Seu Vinicius, Creuza, Dete e Pablo também já estão na escola. Vinicius é professor, então ele tinha que chegar mais cedo. –Otávio explicou, certamente pensando no mesmo que eu. –Emily e Mel devem estar com Belle agora mesmo.

Balançamos a cabeça em concordância, pois fazia sentido. Eu não fiquei exatamente feliz por ser o último a chegar, era como ser deixado de lado, mas eu entendia as circunstâncias. Eu iria, afinal de contas, e estava feliz por esse momento de Belle. A estrada passou por nós em flashes de poeira, e logo já estávamos contornando a cidade e chegando na escola de tia Gina, que estava iluminada para esse evento. Não tinham filas na porta, mas as luzes do lugar competiam e ganhavam com as luzes dos postes da cidade, avisando que sim, tinha gente.

A escola em si tinha dois andares com uma pintura cinza e branco, desenhos de bailarinas na fachada com o nome da escola: Academia de Artes da Tia Gina, em letras grandes. Tinham três arbustos na frente da escola para dar um ar verde à escola, e janelas de vidro que providenciavam bastante luz, mesmo do lado de fora. A recepção estava praticamente vazia, a única pessoa lá sendo a recepcionista, uma morena chamada Clotilde –e ela era bonita, o nome completamente estragava –, que nos apontou o caminho do auditório.

—Corredor principal, última porta ao fundo. –ela direcionou. –Não terão dificuldades para achar.

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—Valeu. –agradeci com um sorriso, e caminhamos pelo piso de madeira –sempre polido, como era a cara de Tia Gina.

Assim que viramos no que parecia o corredor principal –o maior, é lógico –a imagem de Mel e Emily surgiu à nossa frente.

—Pedro! –elas exclamaram felizes ao me notarem primeiro. –E Leo, é claro.

Mel usava um suéter branco com mangas longas e uma saia xadrez de cintura alta, com sapatilhas. O cabelo preto liso estava preso em um coque, e apenas alguns fios emolduravam seu rosto. Mel estava simples, o que não importava, pois ela era linda.

Emily usava um vestido preto de botões na frente, com a gola branca para baixo e botas pretas. O cabelo ruivo estava solto e cacheado, parecendo leve, com uma tiara para decorar.

—Vocês estão muito fofos. –Mel elogiou, apertando nossas bochechas.

—Boa noite. –Emily cumprimentou os adultos.

—Bem, vamos logo. Não íamos querer nos atrasar! Estávamos justamente esperando vocês! –Mel puxou eu e Leo pela mão pelo corredor, e íamos passando porta em porta.

Pela janela, vi duas salas para dança, obviamente, os espelhos e o piso, e outra com instrumentos musicais que indicava seu uso. O diferente era que todas as salas tinham quadros negros em algum canto, e eu senti pena dos pobres estudantes que precisavam aprender a teoria além da prática.

E na última porta, que era uma porta dupla, Pablo, Henrique e os pais, Dete e Maria nos esperavam. Pablo usava apenas a calça branca, uma blusa preta e a gravata listrada em diagonal branca e preta –ótima combinação, adorei -. Henrique estava com um terno marrom com uma camiseta vinho e gravata de bolinhas amarelas. Seu Matheus usava um terno preto escuro listrado e Dona Rosa estava com um vestido coral rodado que ia até o joelho, parecendo saída dos anos 40 com o cabelo preso. Dete usava uma blusa preta de mangas por baixo e um vestido cinza de alças por cima, botinhas pretas com lacinhos e os cabelos alisados e soltos. Maria estava com um vestido simples de fundo preto todo florido, decote aberto redondo, coturnos pretos, um chapéu preto e com uma bolsa preta de franjas no ombro, o cabelo loiro alisado e solto também. Ela e Otávio trocaram um selinho antes dela enroscar o braço no dele.

Eca.

—Todos prontos? –Lerina apareceu na porta.

O cabelo de Lerina era maior, bem maior. Ela estava sempre bem arrumada, então era fácil diferenciar. Nesse dia ela estava com uma calça florida folgada, blusa preta de alças, um colar dourado e saltos, o cabelo simplesmente escovado e com uma maquiagem bonita, destacando os olhos levemente com um rímel e sem batom.

—É só procurarem um lugar pra sentar. Eu vou ver a Belle nos bastidores agora pra checar se está tudo bem. –ela avisou, voltando pra sala e entrando pro outra porta.

Que confusão de portas.

Vi várias famílias nas filas da frente, muitos homens e mulheres bem vestidos que cumprimentavam uns aos outros com beijos e abraços. Eu acho que me recordava de alguns rostos que estavam lá naquela noite, mas não de seus nomes. Era estranho, mas nem eu podia conhecer todo mundo. A questão era que pessoas de diferentes idades se cumprimentavam como uma grande família nas primeiras fileiras, então Maria nos levou para uma fileira mais distante daquela.

Na sacada da sala, vi as figuras de Tia Gina, Cristina, Creuza e Seu Vinicius à distância, sendo Tia Gina e Seu Vinicius os únicos que responderam a meu aceno, enquanto as outras duas conversavam entre si parecendo bastante ocupadas.

Acabou que por conta da minha distração em acenar todos os outros já tinham se sentado. Procurei me sentar perto de Maria rapidamente, vendo que meus amigos acabaram longe de mim.

—Você quer mudar de lugar, Pedro? –Maria ofereceu.

—Ah, não. Tudo bem. Estou bem aqui. –respondi por educação. Na realidade queria, mas não achei que minha mãe fosse aprovar que eu dissesse assim, na cara dura.

—Certeza?

—Certeza. –confirmei com a cabeça.

—Tudo bem. –ela sorriu, fazendo um carinho na minha bochecha.

—Vai demorar? –eu perguntei à ela.

—Acho que assim que as apresentações começarem não deve demorar muito. Tentar conseguir uma bolsa é um assunto sério, as pessoas não vão querer demorar muito. –ela explicou.

—E... É tipo uma prova de escola? –continuei. –Mas como elas vão fazer sem ter estudado balé?

—Nem todas são novas no assunto. Meninas talentosas que não vão ter mais condição de pagar as aulas podem tentar uma prova de bolsa, assim como as que estão começando. Ou podem ser meninas talentosas tentando provar sua capacidade para Regina e Cristina. O que será avaliado é diferente pra cada pessoa.

—E o que será avaliado para Belle?

—Talento, versatilidade, arte. Paixão, principalmente. Você não consegue nenhuma carreira nas artes se não for perdidamente apaixonado por aquilo que está fazendo. –ela pausou. –Às vezes precisa amar mais a sua arte que as pessoas à sua volta.

Engoli em seco.

—A Belle vai amar mais o balé que a gente? –olhei estranho pra ela.

Maria despertou de um transe e sorriu, despreocupada.

—Teremos que ver pra saber. –ela piscou pra mim.

—De fato, o talento de qualquer bailarina é medido pelo amor que ela demonstra às sapatilhas. –uma vez ao nosso lado falou, um sotaque chique e diferente, paulista. –Qualquer dificuldade técnica pode ser vencida se ela tiver essa paixão.

Não só eu como todos nós nos viramos para a voz que falou de uma maneira tão complicada, e confirmei que eu não a conhecia. A mulher usava um vestido verde água claro longo de alças com uma fenda, os tamancos eram cinzas e ela usava um colar prateado com uma echarpe no tom do vestido perto dos cotovelos. Os cabelos loiros eram lisos e ela usava pouca maquiagem.

—Mãe?! –Maria olhou a mulher boquiaberta. –O que a senhora está fazendo aqui?

—Vim prestigiar a minha neta, Maria. –a mulher respondeu como se fosse bem simples.

Essa era a mãe da Maria? Jesus. Não, pera, a mãe de Jesus era Maria, mas... Enfim.

Maria piscou, sem entender.

—Boa noite? –ela tentou.

A mãe de Maria riu. –Boa noite, querida. Se importa de me apresentar todas essas pessoas?

As expressões dela eram incríveis, como que repreendendo Maria mas na base do humor. Ela me pareceu o tipo de mãe que te envergonha na reunião de parentes, contando a história de como você fazia xixi na cama quando tinha dois anos, mesmo que você tenha vinte e três.

—Certo. –Maria continuou, um rubor cobrindo as bochechas. –Mãe, esse é Pedro, um amigo de Belle, Mel e Emily, amigas também e parentes da dona da escola, Henrique e os pais, Seu Matheus e Dona Rosa, Pablo e Dete, amigos, Leo, irmão do Pedro, Jasmine e Olavo, pais do Pedro e do Leo e nossos amigos.

—Muito prazer. –a mulher respondeu, se sentando ao meu lado. –É bom vê-lo novamente, Otávio. Precisa me visitar mais.

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—As coisas andam uma bagunça, dona. –Otávio respondeu, o mesmo rubor cobrindo as bochechas dele.

—Meu nome é Vanessa. –ela se apresentou, mais direcionado à mim, mas sua voz chegaria aos meus pais.

—Pedro. –respondi, me perdendo também, sem entender o que ela esperava de mim.

Ela sorriu. –Eu já sabia, mas é bom saber que Maria não mentiu.

Eu ri um pouco com a piada, ela parecia divertida, e eu nunca a julgaria como mãe de Maria, ela não parecia velha. Um pouco de rugas nos cantos do olho, mas definitivamente não parecia velha.

—E onda está Milena? –Vanessa varreu o salão com os olhos, procurando.

À essa altura do campeonato, eu já tinha sacado que Milena e Lerina eram a mesma pessoa. Talvez “Lerina” fosse apenas um apelido.

—Disse que ia checar Belle uma última vez, a pequena deve estar nervosa. –Maria respondeu. –Ela já deve estar voltando.

—É claro. –Vanessa massageou as palmas das mãos. –Estou bastante curiosa para essa apresentação.

Maria não respondeu, mas fez uma cara de preocupada. Eu me sentia acompanhando uma partida de ping pong, ou melhor, uma conversa de adultos. Lerina não demorou a voltar, revirando os olhos assim que viu a mãe.

—Boa noite pra você também. –Vanessa cumprimentou.

—Boa noite, mãe. Veio apenas matar a curiosidade ou não estava tendo quem criticar?

Meu Deus, era melhor que um filme. Estava grato por não ter trocado de lugar naquela hora, era como aquelas novelas antigas mexicanas, cheias de brigas familiares. Eu até senti falta das escadas.

Milena. –Vanessa sibilou.

—Olha, vai começar! –Maria exclamou de repente, para acalmar os nervos.

E era verdade, as pessoas se sentaram e as luzes da plateia diminuíram, enquanto as do palco aumentaram –é possível que uma luz aumente? Bem, eu vou usar essa expressão, mas você deve ter entendido que ficou mais claro -, uma música suave começou a tocar. As cortinas vermelhas subiram e uma garota de aparentes dezesseis anos estava no palco, cabelos escuros. O corpete da roupa tinha manguinhas, era vermelho com dourado e renda, lembrando uma roupa espanhola, e ela tinha uma flor vermelha no coque e um leque nas mãos.

—Hum, Don Quixote. –Vanessa suspirou. –Péssima escolha. Exige muita técnica.

—Você é bailarina? –sussurrei pra ela, que me deu uma piscadela em confirmação.

A dança continuou, e apesar de esteticamente linda pra mim, Vanessa e Lerina faziam “tsk” com a língua sempre que notavam algum erro, o que me permitia acompanhar o desenvolvimento das participantes, ver o nível de cada uma.

A segunda tinha pouco mais de onze anos, pela aparência, roupas pretas e brancas com brilhos, um pandeiro na mão dessa vez. Assim que a música começou, olhei para Vanessa.

Esmeralda. Apesar de que parece que ela vai fazer uma variação.

A dança foi espetacular pra mim, apesar de que de longe já me parecia exigente, a menina ficou em ponta a maior parte do tempo, e isso aparentemente foi o erro, pois Vanessa faziam “hums” de desaprovação pela aparente postura. A dança era linda, e eu não entendia o problema.

—O que foi? Ela é muito boa. –reclamei, sem entender.

—De fato é. Mas você não apresenta La Esmeralda sem ter muita técnica e controle motor primeiro. A postura é essencial, Pedro, essa garota pode desenvolver problemas de coluna se não tomar cuidado. Ela está claramente nervosa e apressou os passos, certamente será advertida. –Vanessa explicou, não parecendo ligar pra minha falta de conhecimento.

A próxima candidata era a mais velha, aparentando dezoito a vinte anos. Ela foi com um acompanhante, roupas brancas com dourado que grudavam na pele.

O Quebra-Nozes. Peça fenomenal. E eles são realmente muito bons.

A música, pelo menos, era linda, e eles dançaram em sincronia, lindo de assistir. Comecei a entender porque Vanessa adorava aquela peça.

—Preste atenção na sincronia, Pedro, na conexão. –Vanessa orientou. –Duas almas conectadas.

Ri de sua empolgação, mas fui obrigado a concordar. Era lindo e suave. Como o glacê de um bolo de casamento.

A quarta participante devia ter uns treze anos, se tudo isso. Usava uma roupa diferente, apenas um top azul com a saia rodada no mesmo tom, parecendo uma nuvem quando ela rodava, e uma tiara dourada no coque.

Odalisca. Gosto dela, é leve, suave, foca na sensação da música, não na técnica. Tem feitio de uma promissora bailarina, se bem treinada, apesar de desfocada. –Vanessa examinou.

Eu a achei perfeita, minha apresentação favorita até agora. Ela rodava como bailarina, e os movimentos passavam uma sensação boa sem necessariamente contar uma história –pelo menos uma que eu pudesse entender. Algo que conseguia ser passado até o mais leigo dos expectadores.

A quinta era Belle.

—O que você preparou para ela, Milena? –Vanessa nem desgrudou os olhos da tela.

Little Paquita. –Lerina respondeu. –Não era muito difícil. Eu revisei técnica com ela por meses, ela vai conseguir.

—Ela é boa?

Lerina sorriu. –Ela vai ser perfeita, algum dia.

Vanessa gostou da resposta, se aquietando na cadeira para apreciar o show.

Belle estava linda, e totalmente em seu ambiente. Usava uma saia com tule e babados brancos com ponta vermelha, e as mangas do corpete eram ciganinhas brancas, com uma estampa vermelho escura no meio do peito. Ela tinha uma flor vermelha brilhante no cabelo, preso em um coque. E foi então que vi o que Maria falou sobre paixão. Belle dançou de olhos fechados, nem parecendo pensar, só ouvir. Ela foi leve e natural, e a música parecia vir de dentro dela primeiro. Ela não foi lenta nem apressada, e talvez as técnicas e pontas e meias pontas não fossem perfeitas, mas vi Belle fazendo algo que ela amava com toda a alma. Chegava a ser difícil de descrever, só sei que eu adorei. Todas as semanas ocupadas de Belle valeram a pena, pelo visto.

—Ela tem um grande dom. –Vanessa falou emocionada ao meu lado.

—Tem mesmo. –Lerina concordou. –Quem me dera ter sido chamada nessa idade.

Quando Belle acabou a performance, um joelho no chão, fui eu quem mais aplaudiu.

A próxima e última era uma garota de uns dez anos, e apresentou o que Vanessa chamou de “Butterfly Variation”. A roupa era linda, em vários tons de azul que me lembrou dos olhos de Belle. No meio da apresentação, ela tentou um salto e acabou caindo, e eu senti o tombo com ela, que ficou instantaneamente vermelha. Não foi a melhor apresentação, mas foi bonito e prazeroso, apesar do tombo.

No final, eu me senti grato por ter vindo e tinha aproveitado as apresentações.

—E agora? –me virei para Maria, percebendo que estava praticamente tombado para Vanessa.

—Agora nós vamos ver a Belle. Se vocês quiserem não precisam esperar o resultado, está ficando tarde. –Maria tombou a cabeça, como que prevendo as horas.

Não mesmo.

Me levantei num instante, saindo da fileira assim que não fosse mais atrapalhar Vanessa e Lerina. As loiras perceberam minha animação e corresponderam num simples sorriso, mas tive que esperar meus pais e o resto dos meus amigos antes de ir atrás de Lerina.

—Foi lindo, não foi? –Mel nos olhou, parecendo feliz. –A Belle ama isso mesmo de paixão.

—Foi bem diferente. Me sinto clássico agora. –Henrique riu.

—Todas foram maravilhosas. –Emily concordou. –Mas a Belle foi mais.

Rimos. Leve como passos de bailarina.

—Tomara que ela passe. –falei positivo.

—Oras, não se preocupem com isso. –Vanessa fez um sinal com a mão, como se não ligasse. –Ela é talentosa. Eu ficaria mais do que feliz por ensiná-la em São Paulo, já passou da hora de minhas filhas me oferecerem companhia. Estou ficando velha.

Lerina tossiu, mas Maria a impediu de falar qualquer coisa com um:

—Imagina, mãe.

Tudo o que eu conseguia pensar era: ela precisa passar. Passar aqui. Eu não saberia o que fazer sem minha melhor amiga, e só a possibilidade dela ir embora já me fazia querer vomitar. Engoli um grande nó que ficou na minha garganta, e vi que não fui o único.

—Ela vai passar. –Pablo garantiu, olhando para mim e para as meninas. –Ouviu?

—É. –Leo concordou. –Qualquer coisa a gente pode pedir uns favores pra Tia Gina....

A ideia de aparecer na porta da Tia Gina implorando uma vaga para balé foi tão absurda que chegou a ser cômica, e eu ri, balançando a cabeça para espantar os pensamentos.

—Vamos ver a Belle de uma vez. –decidi.

—Pois vamos. –Leo balançou a cabeça, a voz carregando um grande sotaque do interior que ele não conseguiu controlar. Ri até perceber que eu provavelmente falava desse jeito também.

Atrás do palco, depois de passar por toneladas de fios soltos aqui e ali, havia uma porta para um banheiro compartilhado e outra para uma sala cheia de roupas e com cortinas para trocas, bancos de madeira no meio. As bailarinas lá dentro consolavam a última participante, que tinha caído e que agora chorava rios de lágrimas, enquanto as outras se amontoavam ao seu redor para dar palavras de incentivo.

—Ei, não fique assim. Eu adorei sua apresentação. –Mel a ajudou assim que entrou na sala, juntando as mãos no colo.

—Eu também. –todos concordamos.

—Obrigada. –a garota fungou, limpando os olhos.

—Não ligue ainda, garota. Tem toda a vida ainda. –a mais velha, que dançou o Quebra Nozes, aconselhou, apertando a menor como um ursinho.

—Ei, Belle. Tem como você vir aqui pra mim? –Lerina chamou, um dedo apontado para todos nós.

Minha amiga se separou no grupo de bailarinas, vindo até nós em pulinhos e com um sorriso enorme no rosto. Antes mesmo que ela chegasse até nós, Mel e Emily a atacaram num abraço, murmurando elogios.

—Ei, ei! Cuidado vocês duas com a roupa! –Lerina advertiu, fazendo um sinal para que elas largassem Belle.

—Tá tudo bem. –Belle garantiu, desgrudando as duas e partindo para dar um abraço em nós, que acabou num abraço em grupo de algum jeito.

—Bom saber que você está sendo apoiada, pequena bailarina. –Vanessa chegou até a porta, mas não entrou.

Belle saiu para cumprimentar a senhora, e fomos com ela. Vanessa se abaixou para abraçar a menina, num ato que eu não entendi se era Belle sendo educada, estava extremamente feliz ou só tinha o hábito de fazer isso com a mãe de Maria. Eu nem a conhecia. Depois de Vanessa ela abraçou meus pais, Dona Rosa e Seu Matheus, Maria e Otávio, agradecendo a todos por terem vindo e perguntando o que eles acharam.

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—Você foi maravilhosa. –mamãe elogiou.

—Estava muito lindo mesmo, Belle. –Seu Matheus adicionou.

—Você vai passar, com certeza. –Otávio bagunçou os cabelos dela, num ato que ganhou encaradas mortais de Lerina.

—Nós vamos conversar sobre isso. –Cristina brotou do nosso lado.

Vestido azul longo com manguinhas e decote aberto, cabelos ruivos presos num coque e um caderno em mãos. Uma caneta estava colocada na orelha dela, mal podendo ser vista.

—Ao que tudo indica, Belle, você é mesmo uma bailarina promissora. –Cristina continua.

—Como eu tinha previsto. –Regina completa, uma mão apertando as bochechas de Belle.

—Hum. Precisamos conversar com as outras. Já voltamos. –Cristina se despediu, entrando no quarto.

—Não se preocupe. Discutiremos os detalhes com vocês daqui a pouco. –Regina garantiu, indo atrás de Cristina.

-Eu voto por um jantar lá em casa depois disso. –Otávio anunciou.

—Seria adorável. –Rosa concordou.

—Eu sei fazer um pudim de morango maravilhoso. –Vanessa anunciou, a postura relaxada. –Vocês precisam experimentar.

Os deixamos conversar e combinar – “Mas nós não queremos te dar trabalho, Maria, você deve estar cansada-”, “Imagina, Jas. Eu adoro ter vocês em casa” -, e viramos para as meninas.

—Você foi muito boa mesmo, Belle. –Henrique a deu um abraço de lado, sorrindo e a fazendo rir.

—Finalmente virou bailarina, não é mesmo? –Leo brincou.

—A roupa é incrível também! Grande incentivo! –Dete bateu palmas, brincando com a saia de Belle.

—Você está brilhando, Belle. A sensação foi boa? –Pablo cruzou os braços, um sorriso de rosto, claramente só brincando com ela.

—Foi como voar. –ela suspirou.

—Olha só. Parece que vamos ter que trocar seu apelido, bonequinha. –Emily sorriu, se apoiando em Belle. –Acho que vamos ficar com Bailarina agora.

Bailarina.

Combinava com ela.