Os Diários da Bruxa - Interativa

X — O resfolegar de fogo.


Era deveras estranho estar tendo aquela batalha ali e agora. Ao mesmo tempo em que eu gostaria de avançar e vencer, parte de mim ainda se perguntava se o impulso de dar tudo de mim ainda era certo, principalmente quando a causa sempre terminava como sendo o território de Johto. Era?

Afinal, eu fui-me só mais um dos soldados perdidos de seu batalhão. Minha função não deveria mais ser reagir tão intensamente e de súbito. E o estranho? O que deveria ser? Fazer? Ele parecia, depois de tudo, o indivíduo em que deram o próprio perdido. E isso ele sequer notara, ou, ao menos, se negava a. Suas mãos carregavam os orbes que findavam na posse de dois pokémon de lodo poluído.

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Já minha senhora, adversa a esse mundo de batalhas, seguia com as mãos duvidosas entre prender-se às minhas costas, ou reforçar as preces para Celebi nos guiar e guardar por entre a floresta e situação desgostosa. O bolo que antes carregava com tanto apreço, logo fora ao chão com a chegada dos viajantes.

Ao mesmo tempo, minhas mãos tremeram até acertar os cordões que seguravam minhas espadas contra a coluna. Embainhar ambas foi uma tarefa mais árdua ainda, quando eu completamente esquecia de como me mover propriamente, uma vez que não precisava lutar assim há tempos.

— Pa-pa-pa-passem tudo! — O garoto ordenou, depois de quase desistir de transmitir sua urgência com palavras. E eu pude muito bem ouvir a matriarca da família Black prender a respiração no segundo em que ele adquiriu uma postura mais ofensiva, ainda que o rapaz não parecesse com nada além de um Bellsprout fino.

Eu reajustei minha postura, sem desviar os olhos de minhas possibilidades; senti o vento, a terra em meus pés, e o nosso norte. Me render, como pode ser visto, não era uma das palavras do meu vocabulário.

— Minha senhora, para as minhas costas. — Eu pedi, para que o seu foco realmente fosse se abrigar um pouco depois de mim, no mais baixo dos sussurros. E dei uns passos minguados à frente para que ela o fizesse bem, pois alongar o espaço entre um pé e outro, assim como abaixar um pouco seriam essenciais se eu realmente quisesse ser eficaz contra o assaltante.

— O-o que vocês disseram? — Ele aperreou-se, inflando o peito ao gritar: — Caladas! Muk, parem-nas. — E suas palavras deram a abertura para que sua dupla estranha se misturasse, as matérias por pouco não se fundiram, mas compartilharam frutas mal comidas por todo o corpo - eles teimavam em tentar tornar-se um só. Já o loiro malamanhado, alto e pintado por várias sardas, tampouco parecia incomodado com tal tipo de abordagem, eu diria até acostumado, mantendo sua urgência transparente pelo sotaque, sem realmente se importar se o ataque iria atingir mulheres inocentes ou não.

As árvores pingadas na zona de transição entre a normalidade das cidades e a tundra não se moveram quando trouxe as minhas lâminas para que essas se fechassem junto ao meu peito, tampouco quando eu virei, soltando-as em um momento de loucura, para que o ataque inevitável não nos-- A prejudicasse demais.

A exclamação de Evelyn foi mais preocupante do que os excrementos vomitados pelos pokémon, que nos derrubaram uma por cima da outra, eu tinha que dizer. Mas não engane-se ao imaginar que as lâminas rentes à sua face eram o de mais horrendo ali para a mulher. Era mais claro que a água como esse sempre seria o lugar das minhas mãos pretas, sujas e de serviçal contra o seu lindo vestido. Do meu cabelo ruim quase tocando seu pescoço. Meu e somente meu. E sim, eu podia facilmente ler isso em seus olhos.

Apanhar as espadas nunca parecera tarefa mais difícil. Eu fedia tanto quanto ou mais do que os monstros. Pior do que carvão.

— O que você está esperando? Levante-se, imundice! — E engoli a seco, me focando apenas no tom da sua voz; na pressa, no nojo, no desgosto e na sua urgência de estar perto mas, mesmo assim, longe de mim, da minha cor.

Minha coluna estalou antes que eu fizesse o me havia sido pedido. As casacas extras por conta do frio do inverno enrugavam, para logo então se derreterem por entre sedimentos, ácido e couro usado. Livrar-me delas foi inevitável, mesmo que nós estivéssemos para ser sobrepostas por tiros de lama vindos de todos os lados.

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— Uma poké... — Eu solicitaria para minha dona, se não fosse o pisão nas minhas costas; minha vista tonteou e o ar escapou dos meus pulmões, eu já não ouvia mais nada, nenhum dos seus apelos ou "Fique longe de mim" muito provavelmente direcionados à nós dois. O peso do homem contra meu corpo fez com que as lâminas sapateassem entre eu e ela, começando a nos machucar para valer enquanto eu afundava.

Seus lacaios logo se juntaram à festa, se sobrepondo sobre eu e minha senhora ao forçar ainda mais o nosso enclausuramento. Minha maior dificuldade em respirar, eu não sabia, se dividia entre o fedor, a pressão e a crescente culpa e agonia. E encontrar com a mão da mulher, que me confiava um de seus parceiros no sufoco, por baixo da saia levantada do vestido, nunca me pareceu um gesto mais sincero de fé no futuro.

Na medida em que eu empurrei a pokébola para a frente, até que pudesse girar a alavanca com os dentes, eu comecei a sentir o braço começar a ser esmagado pelo metal afiado, como também pequenos filetes de sangue escorrendo dali até o chão. No tempo em que a energia foi convertida para fora da esfera, eu me vi fazendo força para baixo para que a mulher escorresse para longe dali; pouco, na verdade, mas o bastante para não estar mais por baixo de mim.

Cair na bagatela gravitacional não me parecera nada até que os guarda-mão atingiram meus seios, e eu mordi a língua para não gritar. Em contrapartida, o rugido imedível da fera mais distante distraiu os presentes, fazendo o garoto escorregar entre mim e os Muks, caindo de costas no montinho de areia deixado pelos mesmos, cheio de medo.

E eu emergi naquela brecha, mesmo que parecesse impossível mexer um dedo, mesmo que os seus pokémons prendessem os meus movimentos e começassem a desferir gases tóxicos pela atmosfera. Quando Bartholomew enviou uma lufada de vento até mim, foi como se Lugia tivesse aberto os portões do céu e dito: Vai!

E eu sabia: Não precisava do pânico. Tudo iria ocorrer bem. Vaso ruim não quebra fácil. Persuadir-me era o que me dava forças para empunhar as armas outra vez, o que me conformava na doação de meu corpo para o movimento final e para o desprendimento dos grãos e dos mucos.

Quando a salamandra montou a dona em sua ossada e voou, eu sabia que não era a hora de ser misericordiosa. As espadas dançaram antes de mergulhar o ar em caos, e eu senti toda a minha força empregada fluir até a ponta das armas para enfim jogar a cabeça do homem longe. Tanto ela quanto a sobreposição dos Muks deixando claro para mim, novamente, de que eu de forma alguma nasci para isso.

Meu coração acelerou o passo e doeu assim que os pokémons me envolveram em sua ira, ambos mostrando-me como eu era frágil e débil quando não podia mais respirar. O resfolegar de fogo do dragão alado, porém, calou o meu naufrágio.

Quando as brasas esquentaram as criaturas de areia, dando-as uma fina camada de vidro, eu pensei que era agora que minha língua pagava tudo o que eu falara sobre viver. No outro segundo, bem próxima das nuvens e por entre os braços do pokémon, sentindo todo o meu sistema doer e pulsar acelerado, eu pensei, sem alguma cobrança: Nós fizemos mesmo tudo certo? Sou só eu ou eles não sentiam as coisas da girar dessa mesma maneira?

E, com o tempo, não podendo fazer nada além de que ficar calada e ouvir minha madame agradecer a Arceus, eu até que começava a sentir falta do bolo. Não haveria com que comemorar a vitória agora.

Desviando a linha do pensamento para as espadas tilintando nas garras do dragão repetidamente, eu via como essa dose extra de perigo me fazia sentir mais humana, e da melhor maneira possível. Eu respirava fundo, tendo assim a certeza de que havia conseguido sobreviver hoje, mesmo que com uma pequena semente medo e incerteza encravada no peito me fazendo imaginar se a guerra teria mesmo chegado nas proximidades de Blackthorn.