Os Desqualificados

Inteligência Social Baixa


A live no Youtube bombava. Chegaram à marca de um milhão de acessos, o que a equipe indicada por Zulu para ajudar Jaques não esperava; quer dizer, confiavam na qualidade do material e em uma boa divulgação, mas os resultados estavam bem acima das expectativas.

Jaques dava tudo de si na apresentação, que seria não só o vídeo ao vivo, como também o clipe oficial da canção. Ele poderia ver os números através de uma tela por trás das câmeras, mas preferia não se concentrar nisso. Naquele momento, o que importava era a sua performance, no sentido mais forte que a palavra pode assumir.

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O artista não fazia isso para se mostrar, o advogado em si nem se sentia à vontade com toda aquela atenção; mas fazia isso por sua arte, todo seu ser naquele momento era um instrumento das ideias que ele queria mostrar ao mundo. E pode parecer que esse processo era muito complicado, mas nem era, porque Jaques simplesmente achava o propósito de sua vida quando estava libertando sua criação.

Como ninguém é de ferro, porém, chegou a olhar os contadores rapidamente. Ao perceber a quantidade de gente que estava lhe assistindo, seu coração disparou, e o artista errou brevemente um passo pelo nervosismo que veio como um sopro. Ele rapidamente desviou os olhos dos contadores digitais. “Não interessa, o que importa é sua apresentação” disse para si mesmo, e retomou muito bem sua dança e canto, de forma que somente um profissional conseguiria prestar atenção em seu rápido e pequeno erro.

Após mais uma série de passos impecáveis sem perder o tom, e até acrobacias, a música foi chegando ao final, e um Jaques suado e ofegante encarava a câmera principal de forma instigante, demonstrando que, apesar do cansaço não desabaria após sua última nota. Permaneceu firme por mais alguns segundos até o diretor da equipe gritar:

Ok, corta! e emendou logo em seguida parabéns pessoal, fizemos história hoje, a live foi um sucesso!

Houve uma grande comemoração entre todos os envolvidos, entre urros, abraços, e muitos aplausos para Jaques. Zulu, que assistiu dos bastidores, foi o primeiro que entrou parabenizando, com um sorrisão no rosto:

Sabia que valia a pena investir em você!

Poxa, muito obrigado… ele dizia cansado, mas sorrindo também.

Magno, seu namorado, também viu tudo de trás e sorria. Até uma menina lhe cutucar pelas costas:

Até você?

O grisalho tomou um susto enorme. Não esperava ninguém chegando por trás. Mas estranhou ainda mais ao ver quem era.

Ana?! Que surpresa! Não que seja ruim te ver mas… o que está fazendo aqui?

De cara fechada, ela mandou logo:

Vim com um dos meus crachás de artista para conversar com aquele ali. Falou apontando desdenhosamente para o baterista no fundo do cenário. E ainda estreitou os olhos,e mandou mas realmente não esperava encontrar com você aqui. O que está acontecendo, afinal?

Magno compreendeu e pôs as mãos para cima em defensiva:

Só vim acompanhar o trabalho do Zulu. Ele resolveu investir em um artista tão bom quanto vocês e decidi apoiá-lo a isso. Entre nós dois: fiquei um pouco desconfiado do meu namorado botando um concorrente pra banda que eu ajudo? Fiquei. Mas… vendo o desempenho do menino, dei o braço a torcer que ele merecia o espaço dele. E a DESQ é ótima, tenho certeza que não se abalarão por isso. uma pausa meneando a cabeça e então ele conclui Também não podia perder a oportunidade de provar pro meu querido que sou um namorado maduro.

Entendi… Mas como o Ricardo veio parar nesse rolê?

O crítico e investidor de arte, baixou a cabeça e falou mais sério:

Isso eu realmente acho que ele precisa falar diretamente com você.

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Ana respirou fundo e caminhou a passos largos na direção do baterista, seu ex parceiro de apresentações em barzinho, colega de banda e namorado. Ele terminava de guardar suas baquetas e desmontar a bateria do estúdio, tão concentrado que só quando a garota marchou rápida e ameaçadoramente na sua direção que se deu conta da sua presença. Jaques quase que tomou um empurrão dela, inclusive, sem querer, e não entendeu muito bem o que estava acontecendo pois não reconheceu a guitarrista da DESQ de primeira.

Oi, precisamos conversar não é? Ela falou cruzando os braços e dando um sorriso debochado para ele. Ricardo fechou a cara e puxando-a de leve pelo braço, respondeu:

Não aqui.

Os dois foram para um espaço vazio por trás do cenário da apresentação, porém ainda dentro do estúdio. De vez em quando ainda passava algum contrarregra, mas ali certamente teriam mais privacidade. Ana mantinha os braços cruzados e a feição sarcástica.

E aí? Pode me responder agora?

Ricardo bufou mas permaneceu em silêncio por um tempo, procurando o que dizer. Ana, no fundo do seu ser, ainda aguardava com alguma esperança de que ele pudesse falar algo mágico que ela não tinha imaginado até agora que resolveria todas as coisas. Mas, de fora, os leitores certamente concordarão que isso não iria acontecer. Respirando fundo e sem coragem de lhe olhar na cara, a primeira palavra que Ricardo falou, assumindo toda a sua culpa e trazendo-a de volta para a realidade foi:

Desculpa. Então fez uma feição de dar pena. Eu fui um babaca.

A rockeira do interior chegou a colocar uma mão em seu ombro, como que lhe dando apoio, mas ainda respirou fundo e mandou:

Isso não responde a pergunta.

Ricardo sacudiu a cabeça inconformado com a frieza dela, e agora lhe afastou um pouco, falando um pouco menos melosamente.

Ana, eu não posso continuar na DESQ depois do que rolou. Não dá. Me machuca muito, eu gostava pra caramba de todos vocês a guitarrista nesse momento deu um grande “rá” mas Ricardo continuou porém eu sei que minha presença lá vai dar em tristeza e tragédia e eu realmente não desejo isso pra ninguém. Então, eu sinto muito de verdade e foi uma decisão bastante difícil de tomar, mas sim, estou saindo da banda.

A outra estreitou os olhos:

E conseguiu outro emprego rapidinho, hein?

Ricardo ergueu as mãos e rapidamente se defendeu:

Acabei contando tudo pro Magno e ele que me alocou aqui! Foi realmente uma boa decisão, eu não teria tido coragem pra seguir em frente sem essa oportunidade.

Fez-se então um longo silêncio entre os dois. Ana se segurava para não chorar. Ela mesma começou a afastar Ricardo quando notou os sentimentos dele pela prima, mas isso não significava que a dor de ver alguém que se ama indo embora fosse menor só porque ela que começou o término. O músico tinha criado a confusão e ele nem tentou reconquistá-la. O abismo da rejeição bateu com força. Quando deu por si, ela o estava abraçando, como que prendendo entre os dois braços, porque ainda doía ver que era realmente o fim, mas principalmente porque era duro demais acreditar que ele realmente não se importava, que deixaria o amor deles acabar tão fácil assim.

Mas o braço de Ricardo nas costas de Ana permanecia leve. Ele retribuiu por mera educação. Há quanto tempo ainda existia algum traço de sentimento mais forte por ela é algo que talvez nem o próprio saiba dizer. E ele se sentia mal por isso. Mas era o fato consumado: não amava mais a ex namorada. Pelo menos tinha certeza disso.

Dando alguns passos para trás, percebeu a tristeza no rosto da mulher que há poucos minutos tinha entrado como um furacão, e disse:

Eu sei que te machuca, mas vai ser melhor assim. Se cuida, tá?

Então, se afastando, Ricardo simplesmente terminou de arrumar seus instrumentos e foi embora, deixando uma Ana estarrecida no estúdio que se esvaziava. Não chorou. Sua tristeza era tão profunda que não adiantaria. Estava imersa em pensamentos quando alguém colocou uma mão no seu ombro:

Ei, tá tudo bem não estar bem. - era Jaques que dava um sorriso tímido pra ela. Por mais que fôssemos rivais, e eu queria pedir desculpas por isso, tenho que dar o braço a torcer que todos vocês são ótimos. Vão se sair bem sem ele. Então ele se virou e disse mais diretamente, olhando nos olhos dela Você também.

Ana deu um sorriso de lado, desconfiado, mas melhor. Jaques podia ter roubado o baterista da sua banda e se envolvido com Graziele, porém no fundo, não era uma pessoa ruim. Só alguém com uma inteligência social baixa.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.