Orphan

"Inocência"


– Não corram crianças, fiquem por perto! – O grito de Sydney Klammer ecoou pelo ambiente.

Era inverno, 1985, noroeste da Ucrânia. As crianças de um bairro conhecido da cidade de Tallin brincavam e corriam de um lado para o outro na bela praça, aonde sebes esculpidas e salgueiros adornavam o lugar. Lenna Klammer era uma delas. A garotinha, nascida há nove anos, morava com sua tia, irmã de Marie Klammer, após esta ter sido levada ao Instituto Saarne e se matado em seguida. Os episódios traumáticos da infância de Lenna permaneceram enterrados durante muitos anos, logo após a morte de sua mãe. Muitas mentes interessadas achavam que apesar dela ter melhorado, agora que vivia em outro ambiente, muitos dos traumas estavam apenas adormecidos no interior de sua alma, esperando a oportunidade certa de se libertarem. Verdade ou não, ela havia crescido como qualquer outra garota de sua idade, e não havia demonstrado muitos problemas. Pelo menos não até aquela época.

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– Syd, podemos dar uma volta pela floresta? – Lenna perguntou, com aquele jeito que só ela possuía de conseguir manipular perfeitamente as pessoas para conseguir qualquer coisa.

– Não ultrapassem dez metros, e levem Nick com vocês. – A tia acabara cedendo àquela carinha fofa, mas exigiu que Nicolai, uma criança do bairro de doze anos, fosse com as garotas.

Sem dizer nada, ela se virou e começou a andar em direção a floresta, com outras três meninas e Nicolai a seguindo. Aquela floresta, que parecia não ter fim, sempre foi o lugar onde Lenna passara grande parte da infância, às vezes brincando e às vezes se escondendo quando a mãe a ameaçava, e possuía grande valor afetivo para a garota. Quando entrava naquele lugar, parecia que toda sua doçura e inocência, se é que possuía alguma, se dissipavam, dando lugar a uma fúria enterrada no fundo de seu coração, considerando o tanto que já chorara na floresta. Conhecia-a perfeitamente, e sabia aonde queria ir. Na parte central, a alguns quilômetros, ela havia uma vez descoberto uma toca de esquilos, e queria mostrá-la as amigas. Era o único lugar ali em que se sentia mais calma, a única exceção, aonde lágrimas nunca foram derramadas.

– Não deveríamos nos afastar tanto. – disse Nicolai, se vendo ignorado pelas meninas.

– Lucy, Aniya, venham ver! – Lenna chamou as amigas para que se aproximassem da pequena toca, bem em baixo de um enorme tronco de árvore.

– Como são adoráveis! – Aniya disse, fazendo uma carinha meiga e gestos com a mão como se quisesse apertar as bochechas do animal.

– Deixe-me ver – disse Nicolai, conseguindo segurar um dos esquilos que estava quase saindo da toca. – Não me parecem tão grandes.

– Ei, nós queremos ver também! – Lenna protestou. – Tira suas mãos desse animal! – Lucy e Aniya trocaram olhares de censura e em seguida tentaram acalmar Lenna.

– Venham pegar! – Nicolai então teve uma ideia e decidiu correr pela floresta em direção à saída para que as garotas o seguissem. – Duvido que consigam tirá-lo de meus braços!

– Volte aqui, Nicolai! – as garotas, rindo, começaram a segui-lo, correndo atrás do garoto na maior velocidade que conseguiam atingir. Lenna corria mais rápido, bem rápido para sua idade. Quando chegou até Nicolai, agarrou a barra de sua camisa e o empurrou, pegando-o de surpresa. O empurrão não fora tão forte, mas forte o suficiente para que ele tropeçasse em uma raiz e caísse, ainda com o animal no colo. As garotas pararam no mesmo instante, e Lenna ria abertamente, rodopiando seu lindo vestido.

– Consegui pegá-lo, consegui pegá-lo! – ela cantarolava, sem perceber o que havia de fato acontecido.

Nicolai caíra sobre o animal. Quando desabou, sentiu seu braço esmagar a maior parte dos ossos do esquilo. É claro que não tivera a intenção, mas ficou horrorizado e sentindo muita culpa. Levantou e segurou-o nos braços, de forma que as garotas pudessem ver. Elas não tiveram reação. Ficaram paradas com seus olhinhos arregalados, e Aniya tapou a boca com a mão, evitando que um grito escapasse. Lenna, dando um suspiro, deu a volta e ficou parada em frente à toca na qual encontraram o esquilinho.

– Nicolai, traga-o aqui. – ela disse calmamente, olhando de Nicolai para Lucy e Aniya. As garotas foram pra perto de Lenna, e agora pareciam muito bravas com ele.

– Traga-o aqui, Nicolai. – elas disseram em coro, um estranho brilho passando por seus olhos.

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– O que vão fazer? – ele perguntou.

– Ora, o necessário. Venha aqui e mostre para os outros esquilos o que você fez com o amiguinho deles. – Lenna disse, com um meio-sorriso. Nicolai, sem entender direito, aproximou o bicho, que ainda parecia vivo, da entrada da toca. Nada pareceu mudar e ele se afastou novamente.

– O que vocês...

– Mate-o, Nicolai. – As garotas disseram em coro. Ele ficou trêmulo e se afastou mais um pouco.

– Vocês são loucas?

– Ele está sofrendo, é isso o que você quer? – Lucy disse.

– Quantos animais vocês já mataram aqui? – Ele agora exibia uma expressão desconfiada.

– Não fomos nós que caímos sobre ele. Vamos lá, é só um esquilo. – Lenna disse. – Se você não fizer, eu faço. – Lucy e Aniya protestaram. – Calem a boca.

– Titia Sydney não ficaria feliz com você, Lenna. – disse o garoto.

– Se ela conseguisse encontrar o corpo dele, também não acreditaria em você. O anjinho dela nunca faria isso. Agora o Nick feioso... – As meninas riam.

– Não vou f... – antes que Nicolai pudesse terminar sua frase, Lenna pegou do chão um graveto enorme e afiado, e enfiou na cabeça do animal, fazendo com uma poça de sangue se formasse segundos depois.

– Viu? Ele está no céu agora.

– Você é louca. – Ele correu para a saída da floresta e desapareceu em meio às árvores, sem olhar pra trás nem um segundo. Quando voltou pra praça, já havia perdido o fôlego.

– Onde elas estão? – Sidney perguntou

– Estamos aqui, tia Syd. – Aniya gritou, ao lado de Lucy e Lenna, da entrada da floresta, assustando Nicolai.

– Como vocês... – ele começou.

– Só poderíamos ficar até dez metros de distância, lembra? Estávamos aqui brincando o tempo todo, Sydney. – Lenna sorriu. – Trouxemos uma lembrancinha pra você, eu encontrei em baixo de uma árvore. – Ela lhe entregou um pequeno colar feito de folhas e dentes de esquilo. Nicolai quase caíra de susto.

– Elas não...

– Posso usar meu vestido que a vovó de Lucy tricotou para a ceia desta noite? – Lenna perguntou, mudando de assunto.

– Claro, querida, entre e se apresse. – Lenna se despediu das amigas, combinando de se encontrarem para a ceia. Entrou na casa com a tia a seu lado, mas não sem antes se virar e dar um sorriso para Nicolai. Um sorriso inocente do ponto de vista de qualquer pessoa, mas depois do ocorrido daquele dia, ele conseguia enxergar outras coisas por trás dos atos da menina.