Oposto Complementar

Capítulo 39


Definitivamente, eu sou o tipo de pessoa que, mesmo tendo o costume de me perder em devaneios, ainda posso conversar com alguém sobre qualquer assunto. E isso inclui mitologia. De acordo com a grega, minha favorita, Chronos era a personificação do tempo eterno. Claro que ele também era conhecido como deus dele... Ah, droga. Aqui estou eu, mais uma vez, divagando e não recordo o motivo de ter tocado nesse assunto. Sei lá o que anda acontecendo comigo. Eu só sei de uma coisa: o tempo está voando. Ah, lembrei. É sobre a passagem do tempo, que resolveu dar uma corrida assustadora e me deixar ensandecida.

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O restante do tempo que passei em Denver foi bom. Visitei o túmulo da mãe do Damon, tivemos um almoço com os Jefferson. Eu ajudei com poucas coisas na reforma da filial do haras, aprendi muito sobre todos os ramos em que ele tem negócios, o que incluiu o restaurante, a loja, a casa noturna, a empresa e o haras.

No dia primeiro do mês de junho, fui intimada a cruzar o oceano e voltar a Paris, porém eu precisei do tempo para me organizar e só fui na sexta-feira. Claro que eu poderia ter passado em Londres e matado um pouco da saudade do meu cabeludo maravilhoso, mas eu optei por fingir que não havia a Inglaterra no meio do caminho. Que nem é tão no meio assim. Eu ainda sei ver mapas, certo? Passei o fim de semana inteiro sob o efeito do jet lag rezando a qualquer divindade que só voltasse a fazer isso na próxima vida, mas ainda assim banquei a turista por lá outra vez, já que da primeira, foi tudo tão rápido.

Durante minha primeira semana, eu aprendi bastante sobre a parte financeira dos negócios de Elena. Fiquei perplexa com o valor do lucro dela, mas então eu lembrei que, além de vinhos, ela também produz e exporta espumantes, licor e destilados. E tem uma revista, cuja eu conheci o prédio, e empresa de arquitetura em Nova Iorque.

Parti para Champagné depois de uma semana certinha. Elena pode ser leonina e pouco se importar com esses pequenos detalhes, mas Benjamin é virginiano demais para deixar passar. Aproveitamos o fim de semana para fazer turismo e, claro, conhecer os parreirais. Eu cheguei a pedir ao Ben para fazer um ensaio porque, definitivamente, não dava para ficar por ali e não aproveitar.

A terceira semana foi em Bordeaux, na vinícola que Elena comprou de Roger Barot. Um homenzinho que achava que, porque tinha um sobrenome importante por lá, era dono de tudo, mas acabou deixando E. V. Barot falir. Quase teve um ataque fulminante quando soube que Elena comprara e reerguera o lugar com a maior facilidade.

Por fim, mas não menos importante, Normandie. Lugar que serviu de nome para o primeiro licor que a Elena começou a produzir, depois de uma ida ao Rio de Janeiro, onde conheceu a maravilhosa jabuticaba e acabou dando tal nome em homenagem ao falecido avô, Maurice Fontaine. Que lhe deixou uma destilaria de herança.

Esse tempo de convívio com os dois serviu para nos tornar íntimos ao ponto de partilhar um pouco das nossas experiências em família. Eu pude sentir a dor de Elena por ter perdido os pais, a mãe quando tinha apenas dez anos e o pai, aos vinte. Eu vi o quão só ela se sente, mesmo tendo Benjamin.

Eu também vi o quanto ele a ama, que nada do que ela tem lhe interessa, mas nada se compara a ter seus pais ao seu lado. Eu posso não ter os meus e não é nem pelo fato de eu estar em outro país, só que ter os Carter sempre se preocupando comigo é algo indescritível.

E depois de um mês exato na França, eis que é chegada a hora de desembarcar no meu novo país, por mais que seja temporário. Eu tento me manter o mais focada possível enquanto caminho pelo corredor em direção ao portão de desembarque, mas foram tantos acontecimentos nas últimas semanas que a minha cabeça não para de divagar.

Ó-b-v-i-o que eu assinei a Ellementary England, coisa que não tinha feito antes porque estava alienada demais para lembrar de fazer, mesmo tendo minha mãe adotiva como editora chefe. Pois é. Essa é a Laila Maria que, apesar de eu ter me tornado um camaleão fêmea com informações sobre os mais variados negócios, continuo sendo a mesma que tem problemas com atenção.

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— Filha!

A temperatura está amena, mas isso não me impediu de estar maravilhosamente vestida com jeans flare, azul escura, cintura alta, camisa branca de alças e um quimono azul escuro com flores. Decidi usar uma sandália anabela nude para ficar um pouco mais alta e confortável e eu não poderia deixar de lado minha bolsa de couro marrom.

E lá está a minha família postiça, mas que me ama tanto quanto se eu fosse filha de sangue deles. Eleanor me envolve num abraço materno tão maravilhoso que eu sinto meus olhos marejarem. O nome disso? Saudade.

— Ah, mãe, que saudades eu senti de você. — Deixo que a alça da bolsa deslize para a curva do cotovelo e a aperto em meus braços. — Eu nunca mais passo tanto tempo longe de você. Nunca mais.

— Como você está maravilhosa. — Ellie toma distância com as mãos e sorri, com os olhos marejando. — Adorei seus cabelos. — E coloca uma mecha atrás da orelha. — Para de ser maravilhosa.

Eu rio e a abraço outra vez.

— Amo você.

— Eu também te amo. — Ela beija a minha testa e se afasta.

— Pai! — Abraço George fortemente e ele retribui.

— Esperamos que sua próxima saída do país demore o dobro de tempo dessa e dure a metade.

Eu rio outra vez.

— Como vocês podem ser tão maravilhosos comigo? Isso não é justo.

George toma distância, segurando meu rosto em mãos e beija a minha testa.

— Você quem é maravilhosa.

— Eu não ganho abraço?

Eu gelo. Não que eu não tenha falado com ele ultimamente. Não que não tenhamos nos visto por chamadas de vídeos tanto no meu smartphone quanto no notebook. É só que desde o enterro do Casper Lundgren que não tínhamos contato físico e foi doloroso, devo admitir.

E quando o envolvo em meus braços, é como se meu coração finalmente tivesse juntado os pedaços em que ele se partira e nem eu mesma notara. Seu perfume me cerca e reconforta a minha alma, inundando meus pulmões e me fazendo relaxar.

— Que saudades eu senti de você — murmuro.

— Ah, meu doce, somente com você aqui para o meu coração se acalmar. — Harry afaga minhas costas. — Da próxima vez, eu irei onde quer que você vá.

Escondo o rosto em seu peito, querendo esconder também o imenso sorriso que ameaça dividir meus lábios ao meio. Harry se afasta, segura meu rosto em mãos e me beija a testa.

— Como foi a viagem? — Eleanor questiona, extremamente empolgada.

— Tranquila. Viajar de primeira classe é outra coisa. — Eu a olho e ela ri.

— Que saudades eu senti desses diálogos.

Eu me aproximo, entrelaço meu braço ao dela e começo a tagarelar e nós nos afastamos.

— Meu doce? — Chama Harry e eu paro e o olho por sobre o ombro. — Não está se esquecendo de nada?

Eu franzo o cenho, me analiso e o olho outra vez.

— O quê?

— Suas malas.

Faço uma careta.

— Pelo visto, você continua se perdendo em devaneios... — Mamãe comenta.

Vamos até a esteira.

***

Poderíamos ter ido almoçar no La Fleur D’or, mas eu decidir fazer a refeição na casa dos meus pais mesmo. Motivo disso? Eu estou recebendo um cafuné maravilhoso do Harry, além de uma massagem nos pés do meu pai. Na verdade, minha verdadeira intenção era só ter mais carinho, mas eles foram me acomodando e eu estou quase dormindo, mesmo tendo tido uma noite de sono maravilhosa em Normandie.

— É tão bom receber o carinho de vocês, mas não precisava da massagem, pai. — Eu ronrono.

— Estamos mimando você um pouquinho — diz mamãe. — Foi mais de um mês. Não é saudável para mim.

— Vocês já me mimam demais. — Resmungo. — Já deu. — Tento sentar, mas lembro do cafuné e ronrono outra vez. — A massagem estava ótima, mas preciso que me digam como estão as coisas por aqui.

Papai se senta na outra poltrona e eu o olho.

— Em perfeito estado, amor. — Ele sorri para mim. — Não precisa se preocupar com absolutamente nada.

— Você vai ao leilão que Damon está organizando? — Harry questiona.

— Sim. Por mais que eu não compre nada, quero dar um lance. Sempre quis fazer isso.

Meus pais riem.

— Eu não consigo acreditar que passamos tanto tempo sem você. — Eleanor faz beicinho e eu a acompanho.

— Desculpem por isso.

— Não precisa se desculpar, Laila. — Ela me estende a mão e assim que eu a pego, recebo um afago no dorso. — Queremos que cresça.

— Eu amo vocês demais. — Retribuo o afago.

— Se quiser comprar alguma obra, fique à vontade. Eu pagarei o preço que for — diz papai.

— Ah, não. — Eu nego. — Acredito que terão mais pessoas interessadas em as comprar. Eu só quero ajudar, da forma que for. Eu nem sei quais são as obras.

— Com licença. O almoço está servido.

***

Eu jogo as roupas sobre minha cama, de qualquer jeito, enquanto vasculho por algo decente e também permito que arejem um pouco, já que passaram mais de um mês paradas aqui, enquanto eu estava viajando. Claro que está servindo para que eu procure por algo apresentável para o leilão. Três funções, por mais que eu me ferre tento que arrumar tudo sozinha mais tarde. Apesar de não estar agora. Harry está sentado na poltrona, me observando.

Elena e Benjamin decidiram estender a estadia na França, já que o pai e a madrasta de Damon estão para ir lá. Ela ofereceu a casa dela para que eles estendessem o que seria apenas uma semana em Paris para um mês conhecendo os negócios e produtos da Vins Champoudry para o casamento deles.

— Você está bem? — Questiono e mordo o lábio inferior.

— Um pouco desnorteado.

— O que houve?

— Você. Está ainda mais maravilhosa do que quando saiu daqui.

Eu praguejo internamente por corar e decido pegar algo da mala. Acho que vou dormir no quarto de hóspedes, assim as roupas arejam mais e eu não precisarei arrumar tudo ao voltar do leilão. São quatro da tarde e eu pelo que eu lembro, temos apenas uma hora para chegar ao local onde vai ser realizado.

— Obrigada. — Pego uma mala e coloco no recamier.

Claro que eu trouxe singelas lembranças para cada um dos meus parentes postiços e amigos. Pego uma calça pantalona em alfaiataria e cintura alta, preta, t-shirt cinza grafite e para calçar, sandálias de salto alto e grosso. Quem está organizando o evento é Holly, logo, menos que isso, é deselegante. Aquela mulher é majestosa.

— O que vai fazer agora?

— Eu pretendo tomar banho, por quê?

— Preparei uma surpresa para você.

Arregalo os olhos, em expectativa.

— Quero ver.

Harry levanta da poltrona e me estende a mão. Eu me apresso em pegar e nós saímos do quarto e descemos a escada.

— Preciso que fique aqui. Eu vou buscar e não demoro.

Concordo somente porque não tenho muita escolha e ele sai. Sento-me no sofá e percebo o quanto eu senti falta desse lugar. Afago o estofado. Sinceramente, eu não sei se quero voltar ao Brasil. Lembro que Bruno me sugeriu casar com alguém daqui, assim, não serei convidada a me retirar. Lembro também que Harry se voluntariou. Sorrio e vejo nossas fotos espalhadas sobre o rack.

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Teria eu coragem de me livrar de todas elas algum dia na minha vida? E se eu arrumar um namorado. Não teria sentido ter tantas fotos com Harry. Reduzir à metade, para haver um equilíbrio...

O baque surdo da porta me desperta e eu olho, encontrando Harry. Ele tem algo grande, como um quadro, envolvido em papel pardo. Eu me aproximo e não tomo cuidado algum ao me desfazer do papel. Ele me revela uma fotografia tão maravilhosa, mas tão maravilhosa que impressiona.

— Benjamin — sussurro, afagando o vidro. — Em que momento ele fez essa obra?

Apesar de ter somente metade do meu rosto, com as parreiras atrás, é de tirar o fôlego. Meus cabelos estão com o que sobrou das ondas que Elena fizera pela manhã daquele dia, eu uso uma camisa de mangas compridas.

— Acredito que deva saber...

***

Eu puxo Harry comigo assim que ele aparece ao meu lado, depois de estacionar. Holly me ligou informando que precisaram mudar o local do evento; o anterior ficou pequeno, pois eles achavam que se tivessem quinhentas pessoas, seria muito, entretanto, tiveram o triplo. Sendo um evento em prol de arrecadar dinheiro para ajudar a um lar de crianças órfãs, é claro que eu estou feliz com tal coisa. Eu vejo Damon Lundgren. Sei que é ele por causa da altura e a postura imponente. Ele emana poder e superioridade. A julgar pela sua localização, julgo que o evento já começou.

— Desculpe a demora — digo e ele me olha.

— Bem-vinda de volta, sua peixinha maravilhosa. — Damon me abraça e eu o aperto. — Que surpresa boa. Nem imaginei que fosse vir. — E beija a minha cabeça. — Como foi esse tempo na França?

— Maravilhoso, mas podemos falar sobre isso depois? Eu quero tentar dar um lance.

Damon ri e concorda, me dando uma placa com o número mil quinhentos e dois.

— Fica à vontade — diz ele.

— Obrigada. — Eu puxo Harry comigo, em direção a uma das cadeiras.