— Não abaixe a cabeça, Marinette! - Gritou a diretora. - Você é uma bruxa poderosa, que teve seu reino destruído pelos outros. Tem que encarar seus inimigos com vingança nos olhos! - Ralhou.

A mestiça suspirou pela centésima vez, erguendo a fronte para encontrar o semblante confuso de Adrien. Ele definitivamente não estava entendendo porque após passarem tanto tempo juntos na casa do Sr. Chevalier e no jardim, ela parecia ter voltado à estaca zero ao evitar encará-lo.

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Não que ela pretendesse explicar, de qualquer forma. Tanto que tinha reduzido o número e o tempo das visitas nos últimos dias.

Mas claro, não poderia fugir dele para sempre. Os ensaios estavam ali, garantindo a tortura psicológica de ter que contracenar com o modelo o tempo todo. E isso, obviamente, estava repercutindo na sua atuação, que já não era das melhores.

— De novo, do começo da cena! - Determinou a diretora, sendo atendida imediatamente por Adrien, que passou a repetir suas linhas, a espada cenográfica em punho. E enquanto aguardava sua vez de falar, a mestiça não pôde evitar de imaginar como pareceria o modelo caso seus olhos fossem inteiramente verdes, riscados por uma pupila vertical felina.

Notando que estava se distraindo de novo - fato que não passara despercebido pela diretora, que a encarou de forma rígida - a adolescente sacudiu a cabeça, espantando suas desconfianças sem relevância para longe e tentando se concentrar no problema atual.

As últimas semanas haviam sido exaustivas, principalmente para os jovens atores amadores.

Isso porque, a nova adaptação da peça, por óbvio, exigia muito mais deles que aquela apresentada no festival escolar, já que havia sido modificada para preencher um tempo razoável em palco. Tempo suficiente para contar a história inteira da jornada do Príncipe Áster e sua missão de salvar quatro reinos aliados e as princesas que haviam sido enfeitiçadas pela vingativa bruxa Lótus, para viver como flores de um jardins durante o dia, sendo libertas em sua verdadeira forma apenas durante a noite.

E sim, o nome do personagem do modelo havia sido modificado novamente, de modo que “Botão de Ouro” passou a ser uma de suas alcunhas. Todos concordaram que ficaria menos ridículo para uma adaptação de maior calibre, contudo mantiveram os demais nomes para não confundir os outros atores.

Com ensaios e mais ensaios, as semanas que antecederam o festival pareceram correr, quando tudo o que a maioria dos participantes desejava era que passassem devagar.

Afinal, havia muito o que fazer, contra pouco tempo disponível.

Apesar do receio coletivo, com uma gama de profissionais de diversas áreas disponíveis, a equipe viu-se superando os obstáculos um a um, até que estivessem a poucos dias da apresentação.

É, o evento iria realmente acontecer.

E Marinette não poderia estar mais apavorada com a expectativa de se apresentar ante centenas, possivelmente milhares de pessoas.

Seu consolo era que, quando tudo acabasse, não teria que conviver com Adrien em outro lugar que não fosse a escola. Quanto ao Sr. Chevalier, ajustaria suas visitas para que coincidissem com os compromissos extracurriculares do modelo.

— Vocês estão travando! - Reclamou a diretora, tirando novamente a adolescente de seu transe. - É nítido que estão aguardando por instruções! - Reclamou. - Não pode ser assim. Vocês não podem parar de atuar enquanto são informados do resultado da votação pelo ponto. - Reclamou.

— É que eu tenho medo de esquecer o resultado e acabar entrando na cena errada! - Rose, dessa vez escalada para o papel de Princesa Girassol, justificou.

Marinette sorriu. Apesar do medo de errar, era nítido que Rose estava tendo um desempenho muito superior aos demais, ainda que estivesse em papel diverso ao da primeira apresentação. Ela apresentava uma afinidade com o palco que ninguém mais tinha. Nem mesmo Adrien.

Sem mencionar o quanto ela ficava bem nas roupas de princesa. Os modelos de Gabriel Agreste ainda não estavam prontos, mas o grupo já ensaiava caracterizado com os figurinos da companhia de teatro, para que se acostumassem a se movimentar pelo palco com eles. E o vestido amarelo vitoriano, até mesmo a peruca longa loira, haviam casado como uma luva com a aparência delicada da garota.

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— Eu sei que não é fácil decorar a ordem das cenas de um teatro, quanto mais de um teatro que pode ter diversos desdobramentos. - Discursou a diretora. De todas as pessoas, ela ainda parecia a mais apavorada com aquela ideia. - Mas nós aceitamos o desafio, então temos que entregar ao público um resultado satisfatório. Vocês conhecem as cenas e precisam começar a interpretá-las no momento que passarmos as escolhas pelo ponto eletrônico, não depois, ou a plateia vai notar as pausas. - Concluiu, mesmo ciente que era mais fácil falar do que fazer. - De novo. - Gritou.

E assim eles fizeram. Mais uma vez. E outra, e outra, até que a diretora manifestasse o mínimo de satisfação.

— Acho que acabamos por hoje. - Ao ver a feição esgotada dos adolescentes, Penny sugeriu se aproximando, a inseparável prancheta em mãos. Jagged Stone vinha logo atrás. - Não acho que possamos forçar as crianças além de seus limites. - Lembrou.

— Está certo. - A diretora concordou. - Encerramos por hoje. Amanhã no mesmo horário. - Gritou para que todos ouvissem. Não foi preciso um segundo incentivo para que os jovens atores se direcionassem aos camarins, para a retirada dos figurinos.

— Acabei de falar com o departamento de tecnologia - A assistente de Jagged comentou, enquanto os atores se afastavam - e eles disseram que os testes com o aplicativo foram satisfatórios. Há pouco para mexer antes da disponibilização para download. - Emendou.

— De fato, estamos ensaiando a três dias simulando a escolha da plateia com a versão de teste, e não tivemos problema algum. - Admitiu a diretora. - Também temos uma rota preparada para a possibilidade do aplicativo parar de funcionar. - Contou. - O maior problema tem sido o tempo de resposta dos atores à escolha do público, mas isso tende a melhorar nos últimos ensaios. Não podemos esquecer que é uma peça amadora depois de tudo. - Concluiu.

— Isso é ótimo! - Penny comemorou. - A assessoria do Gabriel Agreste comunicou que os figurinos estão nos últimos ajustes e Ladybug e Chat Noir confirmaram presença para o encerramento da peça e a abertura dos shows. - Anunciou. - Apesar das complicações, estamos dentro do cronograma. Tudo correndo dentro do planejado. - Concluiu, aliviada.

— Não sei não. - Jagged manifestou-se pela primeira vez, o cenho franzido em desagrado. - Não sentiram que está faltando algo no teatro? - Indagou.

Os olhos da diretora se arregalaram em incredulidade por um instante, antes que ela bufasse em irritação. Não era segredo para os organizadores do festival que o relacionamento dela com Jagged era permeado de discussões e alfinetadas, no geral porque o astro apresentava ideias que eram complicadas de executar no pouco tempo que tinham, dificultando seu trabalho.

— Faltando o quê? - Perguntou para o cantor, os braços cruzados, sem se preocupar em esconder a própria irritação.

Se notou o humor da outra, Jagged nem se preocupou em demonstrar.

— Não sei exatamente… - Divagou. - Mas sinto que estamos negligenciando uma parte importante do show. - Explicou.

— Que seria? - Insistiu a diretora.

— O Sr. Chevalier. - Respondeu. - Você sabe, o senhor que cuida do Jardin D’eau. - Completou, ante o olhar cético da outra. - Como tudo isso gira em torno da história dele, acho que ele deveria, não sei, talvez ter uma participação no teatro? - Sugeriu.

— Eu sei quem ele é! - A mulher devolveu irritada. - Mas não há como modificar o espetáculo agora, às vésperas da apresentação, apenas para incluí-lo! - Exasperou-se.

— Ela está certa. - Penny defendeu. - Eu sei que eu disse que estamos dentro no cronograma, mas não podemos nos dar ao luxo de sair dele, ainda mais quando a prefeitura está fazendo todo o possível para nos atrasar. - Lembrou. - Por quê você não chama o Sr. Chevalier ao palco durante o seu show ou algo assim? - Tentou.

— Nããã, isso não transmitiria a emoção que estou imaginando. - Descartou o astro, enfatizando seu desagrado com a ideia ao gesticular com as mãos. - E eu não estou falando de modificar o teatro, para começo de conversa.

As duas mulheres encararam o cantor como se ele fosse uma criatura de outro mundo.

— Ok, não estou entendendo nada. - Declarou a diretora.

Jagged rolou os olhos para cima.

— Escuta… Oh, Hei, Marinette!!! - Começou a explicar, mas interrompeu-se ao ver a jovem estilista retornando às pressas do camarim, o modelo adolescente logo atrás, tentando alcançá-la. - Você também, meu fã número um! - Gritou, referindo-se à Adrien. Ele havia começado a chamá-lo assim desde que concordara em participar do festival. - Venham cá. - Pediu.

Marinette assumiu uma feição desesperada, mas atendeu o chamado, assim como Adrien, que tinha um olhar de curiosidade.

— Algo errado? - Indagou a menina, apreensiva.

— Não, nada errado. - Garantiu o astro. - Eu tive uma ideia fantástica para deixar o festival ainda mais emocionante, mas essas duas desacreditadas estão criando obstáculos antes de ouvi-la. - Contou, cruzando os braços como uma criança birrenta.

— Você não nos deu chance de ouvi-la, para começar. - Reclamou a diretora.

— Só escuta, eu já ia contar de qualquer jeito. - Cortou o cantor, vendo a curiosidade nas expressões dos mais jovens. - Então, o que vocês achariam se…

— E está é a HQ que Nathaniel criou, que contextualiza as cenas que interpretamos no festival escolar. - Explicou Marinette, entregando o exemplar impresso ao Sr. Chevalier, que o apanhou e estudou, interessado.

— HQ… - Repetiu o velho. - História em quadrinhos, certo?

— Isso. - Adrien confirmou.

Os três estavam, naquele momento, sentados no sofá de três lugares da sala de estar da casa do jardineiro, sendo que os adolescentes se acomodaram um de cada lado, a fim de melhor explicarem a história.

Afinal, eles haviam recebido a missão de passar o máximo de informações que pudessem, a fim de garantir que a participação dele no festival fosse um sucesso.

O ponto é que Sr. Chevalier não estava sabendo desse pequeno detalhe, então os adolescentes agiam como se quisessem apenas garantir que poderia compreender o espetáculo que seria realizado dali a dois dias.

Dois dias, Marinette pensou.

Dois dias e eles haviam decidido por uma mudança que poderia garantir a comoção do público e o sucesso do festival, ou arruinar toda a apresentação.

Ela se questionava se o melhor não era conversar com o velho antecipadamente, mas pelo pouco que o conhecia, acreditava que ele definitivamente recusaria a proposta.

Então, a solução encontrada era conversar com ele durante a apresentação do teatro, e garantir que ele chegasse lá sabendo o máximo possível do enredo.

Srta. Bustier e Maurice se comprometeram em empenhar-se para convencê-lo a participar, até mesmo Jagged tinha prometido que se esforçaria nessa missão.

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A esta altura, eles só podiam torcer para que tudo desse certo e cumprir a parte que lhes foi confiada.

— Vocês disseram que há mais da história no site, não foi? - Indagou o velho.

— Ah sim. - Adrien confirmou, abrindo o endereço eletrônico no smartphone recém adquirido do jardineiro. Não era difícil encontrar pessoas da geração passada que resistissem às novas tecnologias, mas Armand, com toda a sua personalidade rabugenta, fizera questão de substituir seu antigo telefone móvel, apenas para poder participar da votação do teatro. - Os produtores acharam que colocar mais sobre a história no site cativaria o público. - Explicou. - Tem muita coisa aqui: O perfil dos personagens, mais artes, mais quadrinhos, a história dos cinco reinos, os motivos que levaram a bruxa a enfeitiçar as princesas… - Enumerou.

— Um trabalho impressionante, considerando que parte da equipe é amadora. - Admitiu o velho, folheando a HQ, interessado.

A tarde seguiu, sendo que ao terminar a revista, o velho passou a navegar pelo site, parando ocasionalmente para sanar suas dúvidas com os adolescentes. Os últimos, por sua vez, mudaram-se para as poltronas individuais e aproveitaram que o jardineiro estava compenetrado para passar, em voz baixa, as cenas do teatro que tinham em comum, com o texto salvo em seus celulares.

Enquanto o loiro tinha a cabeça baixa, lendo uma de suas falas particularmente grande, Marinette não pode deixar de reparar o modo como a franja loira dele se espalhava pela testa.

Não era a primeira vez que via o cabelo do loiro desalinhar pelo movimento, afinal, costumava olhar para ele o tempo todo.

Mas apenas agora ela notava que quando cobria a testa, a franja do garoto era semelhante à de seu parceiro de combate, ainda que os olhos felinos verde ácido fizessem muita falta.

Mas não fizeram no dia da guerra de água.

Naquele dia, Marinette se assustou por ser tomada pela sensação de familiaridade, ao reconhecer um espírito travesso, repleto de companheirismo e admiração.

Os cabelos molhados e bagunçados que Adrien ostentava no momento, logicamente contribuíram para que imediatamente o ligasse ao herói. Ela praticamente sentiu a presença do parceiro ali.

Mas não era possível, certo? Eles definitivamente não podiam ser a mesma pessoa.

Adrien era Adrien, Chat Noir era Chat Noir.

Não havia como a mesma pessoa, modificada apenas pelo uso de uma fantasia, lhe provocar sentimentos tão diversos:

De um lado, amor, devoção. Do outro, confiança, motivação, diversão e, em boa parte do tempo, irritação.

E ela saberia Adrien praticasse alguma atividade suspeita. Céus, ela havia decorado a agenda dele! Mal havia espaço para encontrar seus amigos, claro que ele não podia ser um super herói e manter suas atividades escolares e extracurriculares com excelência, do modo que fazia.

Não, definitivamente não era concebível que não pudesse reconhecer o amor de sua vida em uma fantasia de herói, quando havia passado o último ano praticamente inteiro apenas olhando para ele.

Com essa conclusão, afastou de vez a possibilidade de que ambos fossem a mesma pessoa, empenhando-se para eliminar aquela pontinha de dúvida que ainda persistia.

Suas divagações foram interrompidas quando Adrien ergueu a cabeça e olhou diretamente para ela.

Que corou feito uma idiota.

— Mari, é sua vez. - Avisou.

Ao ouvi-lo chamá-la pelo apelido, corou ainda mais. O loiro começou a se referir a ela daquela forma assim que o Sr. Chevalier e Maurice passaram a se recusar a dizer seu nome inteiro, sempre sob a alegação que “era grande demais para uma pessoa tão pequena”. E apesar de ser um vício provavelmente absorvido pela convivência, não conseguia evitar de fantasiar o quanto parecia um sinal de intimidade. Suas amigas já lhe chamavam assim, mas obviamente apreciava de uma forma muito diferente a sonoridade do apelido quando pronunciado pelo loiro.

— Mari? - Insistiu ele.

Atabalhoada, tentou retomar a leitura das falas, só para perceber que havia se perdido, necessitando a ajuda do modelo para encontrar o trecho do texto que deveria ler.

Gaguejando mais que o normal e sem qualquer entonação artística, passou a recitar sua fala.

Enquanto a garota lia, Adrien olhou-a com curiosidade, e um pouco de frustração.

Sabia que sua relação com Marinette ainda não podia ser dita como cem por cento restaurada após o fiasco da divulgação da conversa, mas estivera confiante pois vinham se reaproximando pouco a pouco.

Isto é, até o dia da guerra de água no jardim.

Depois daquele dia, o modelo sentiu que a menina de cabelos negro-azulados se afastou exponencialmente dele. E ele nem sabia dizer a razão.

Isso era enervante.

Adrien repassou os acontecimentos daquela tarde dezenas de vezes em sua mente, mas não conseguiu identificar qualquer comportamento que pudesse ter assustado ou chateado Marinette.

Ela simplesmente ficou estranha após colidir com ele no tronco de árvore, e levantar o rosto para encará-lo. Depois disso, correu como o diabo foge da igreja, deixando-o estupefato no local, por não saber o que raios havia acontecido com ela.

Ah, ele ficou decepcionado também.

Porque durante a guerra de água, sentiu uma empolgação e um frio no estômago, que se propagava por seu corpo em ondas eletrizantes. Em outras palavras, sentiu-se feliz, e sentiu também que toda essa felicidade vinha de Marinette. Da companhia dela. Da risada dela. Como se não precisasse de muito além que um pouco dela para ser feliz por toda a vida.

Tanto que, no momento em que ela colidiu o corpo dela contra o dele, naquela árvore, ele acreditou que aquele momento se desenrolaria em algo mais.

Por isso ficou decepcionado e frustrado quando ela se foi, assustada.

Mesmo enquanto retornava para a parte principal do jardim, por entre as árvores espessas do bosque, começou a especular o que poderia ter acontecido com ela. E também o que estava acontecendo com ele.

Afinal, todas aquelas sensações de logo antes. Ele estava acostumado com elas. Ele as provava sempre que estava ao lado de Ladybug.

E certo, havia uma desconfiança enraizada bem ao fundo de sua mente que ligava a verdadeira identidade da heroína a sua colega de classe mas, e se estivesse errado?

Se Ladybug e Marinette não eram a mesma pessoa, isso significava que estava esquecendo a Joaninha? Que estava começando a se apaixonar por Marinette?

Mais uma vez, frustração.

Porque Adrien não queria desistir do amor ao qual se dedicara no último ano. Poderia ser egoísta, mas era doloroso de pensar.

Nesse caminho, a única solução não penosa para seu problema, era que realmente fossem a mesma pessoa.

Contudo, parecia exigir demais do destino.

Repentinamente, sentiu-se ainda mais egoísta. E se ele estivesse projetando a imagem de Ladybug em Marinette? E se estivesse se aproximando dela apenas por idealizar em sua mente que ambas eram a mesma pessoa? E se no final, elas não fossem?

Era injusto com a garota. Cruel, se colocasse na equação o fato que sabia que ela era apaixonada por ele. Afinal, confidenciara o fato a Chat Noir.

Então, a solução mais nobre, de sua parte, seria se afastar, antes que ela se iludisse.

Então, por que não conseguiu?

Pelo contrário, Adrien via-se perseguindo a garota a cada intervalo que tinham nos ensaios, para saber a razão de estar sendo evitado tão fervorosamente.

Ele realmente quis beijar Penny e Jagged em agradecimento, no momento em que deram-lhes uma missão para cumprir juntos. Assim, quem sabe, tivesse mais uma chance de questioná-la.

Entretanto, ali estava ele, questionando apenas a si prórpio.

— AAARGH! - Um grito vindo da cozinha interrompeu as divagações do loiro e o ensaio improvisado.

— Maurice, seu pirralho! Não se atreva a morrer na minha cozinha! - Sr. Chevalier berrou, desviando os olhos da tela de seu smartphone, enquanto o chiado de jatos se fizeram ouvir ao fundo.

Oh, certo. Os adolescentes até haviam se esquecido que o rapaz estava ali.

Maurice apareceu tossindo na porta que levava a cozinha, as mãos protegidas por luvas acolchoadas e o torso embalado por um avental de babados. Uma fumaça suspeita se erguia atrás dele.

— Certo - Falou ele -, apenas talvez eu tenha incendiado o guardanapo e estragado as panquecas com o extintor de incêndio. - Contou, a expressão vacilando entre o constrangimento e a derrota.

Adrien e Marinette mal puderam reprimir suas risadas, enquanto Sr. Chevalier estreitava os olhos e os lábios.

— Eu disse para que fosse cozinhar na própria casa! - Reclamou.

— Mas eu queria preparar um lanche para os garotos, em agradecimento a tudo que têm feito! - Resmungou, armando um bico.

— Não precisa agradecer. - Marinette Observou.

— Nós realmente queremos salvar o Jardim. - Adrien acrescentou.

— Ainda assim, vocês têm trabalhado duro. Merecem algumas regalias. - Declarou, posicionando as mãos enluvadas na cintura. - Vou refazer as panquecas. - Anunciou, retornando a cozinha.

— E colocar fogo de novo na minha cozinha de novo? Nem pensar! - Sr. Chevalier gritou, preparando-se para segui-lo.

— Não se preocupe, eu vou ajudá-lo! - Marinette decidiu, levantando-se.

— Eu supostamente deveria estar mais tranquilo? - Debochou o velho, recebendo um estreitar de olhos da jovem de cabelos negro-azulados, antes que ela deixasse o cômodo.

O velho resmungou algumas rabugices sobre como ninguém lhe escutava dentro de sua própria casa, mas cessou quando percebeu o olhar abobado que o jovem modelo mantinha em seu rosto, fixo no mesmo ponto em que a garota acabara de desaparecer.

Suspirando, retirou os óculos para limpar.

— Você sabe - Começou, atraindo a atenção do mais novo -, aquela garota é vento.

Adrien piscou, atordoado.

— Como? - Perguntou.

— Vento. Marinette é vento. - Repetiu, esfregando com a barra de sua camisa as lentes vítreas. - Ela pode ser suave e refrescante, mas também pode atingir com força suficiente para destruir convicções. - Explicou. - E ela também não vai parar de soprar só porque a janela está fechada, mas alcançar tantos quanto estiverem em seu caminho.

O modelo mantinha a expressão confusa, dessa vez, por não saber onde o velho queria chegar com a comparação. De toda forma, permaneceu calado, supondo que aquela era uma das conversas sábias que as pessoas idosas dispensavam de vez em quando, as quais deveriam ser escutadas por respeito.

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— Mas você parece folha. - Continuou.

Novamente, confusão.

— Por quê? - O loiro se viu perguntando.

— A folha não tem força para ir a lugar algum por conta própria. Ou ela permanece fixada a árvore, com a visão limitada da copa, ou ela cria coragem para cair e deixar que o vento a leve. - Explicou.

— Mas a folha não vai morrer no momento em que deixar a árvore? - Questionou o modelo.

— Isso é uma metáfora garoto, não complique. - Resmungou o velho.

— A metáfora é que está complicando. - Retrucou.

Sr. Chevalier suspirou.

— Será que a vida acabou para a folha? Ou começou depois que ela se desprendeu da árvore? - Questionou. - O que eu quero dizer é, se você não tem forças para mudar, pode passar a vida inteira preso a sua árvore - Falou, recolocando os óculos. -, ou encontrar alguém que seja vento e lhe impulsione a chegar em novos lugares. - Concluiu sua lição.

Bem, Adrien havia entendido agora. E não podia dizer que não estava constrangido com isso.

— Eu e Marinette não… - Começou, apenas para ser interrompido.

— Minha Adeline era vento. - Cortou o velho, e o adolescente calou-se imediatamente. Não era sempre que ele falava sobre seu passado, afinal. - Eu era folha, obviamente, tanto que fiquei estagnado na mesma amargura depois que ela se foi. - Confidenciou. - Mas eu acho que encontrei novos ventos agora. - Completou, levantando-se.

O loiro sorriu, ao vê-lo admitir.

— Bom, eu vou a cozinha conferir aqueles dois atrapalhados. - Avisou. - Você sabe, às vezes o vento pode espalhar o fogo nas coisas. - Concluiu em tom indiferente, antes de seguir para a cozinha, deixando o modelo sozinho com seus pensamentos.

...

Ok, era isso.

Haviam chegado à véspera do festival.

O palco onde seria encarnada a peça e apresentados os shows, já estava montado, e era nele que o grupo de atores amadores ensaiava agora, para que tivessem uma noção de como seria interpretar em um espaço aberto.

Um bloqueio da área, reforçado por dezenas de seguranças, havia sido providenciado, para que as pessoas, curiosas, não tivessem acesso ou visão do palco, a fim de não acabar com o suspense. O que não impedia que um conglomerado furioso de fãs de Adrien, Jagged e Clara Rouxinol se amontoassem em volta, em busca de uma oportunidade de entrar.

O aplicativo para votação estava funcionando perfeitamente, o tempo de resposta dos adolescentes às escolhas do público havia melhorado também.

Entretanto, nenhum deles conseguiu evitar o nervosismo, quando anunciaram que os downloads havia alcançado a marca dos milhares.

Nas redes sociais era possível conferir que, mesmo pessoas que não poderiam comparecer, também baixaram o aplicativo, para que pudessem votar enquanto acompanhavam a peça pela transmissão via streaming.

O jardim começava a ser decorado também.

Ainda estava tudo meio informe, mas era possível ver que as árvores, arbustos e canteiros de flores estavam sendo iluminadas por luzes piscantes, tudo com muito cuidado, para não danificar as plantas. Todo o entulho havia sido tirado também. Nas ruas, começavam a ser montadas inúmeras barraquinhas para o comércio de comida e outras coisas.

Tudo parecia certo e bem para um último dia, mesmo o corre-corre para todos os lados e os berros dos profissionais envolvidos era esperado na véspera de um festival daquela magnitude.

Até que a correria deixou de ser em virtude de trabalho, e passou a ser acompanhada por gritos de pânico.

Logo, a multidão, antes contida pelos seguranças, invadiu o Jardim, pisoteando as flores, derrubando a ornamentação e carregando os organizadores no fluxo.

Não demorou muito que o motivo do estardalhaço fosse revelado também.

Flutuando sobre as pessoas desesperadas apareceu a estranha criatura, cuja pele azulada misturava-se com o anil do estranho uniforme, constituído de gibão, calção branco e botas de cano alto, todos trabalhados nas cores da bandeira francesa. Grandes ombreiras douradas, em conjunto com o chapéu em estilo napoleônico, coroavam o visual bizarro da criatura, quando provavelmente deveriam transmitir imponência.

Por fim, o detalhe que não passou despercebido a ninguém: a criatura utilizada uma faixa transversal, também nas cores vermelho, azul e branco.

O prefeito havia sido akumatizado.

Bem, ninguém poderia dizer que não esperava por aquilo.

— Vejo que todos resolveram ignorar as minhas vontades ao levar esse show ridículo adiante. - A voz do vilão eccoou por todo o local. - Bem, eu vou mostrar que as ordens do Malediktator não são para serem infringidas!

Adrien e Marinette, que contracenavam no ensaio quando a baderna começou, trocaram um olhar assustado, antes de se seguirem, cada um para um lado, e sumirem pelos camarins.

Não havia espaço para dúvidas agora.

Tinham trabalho a fazer.

Ladybug e Chat Noir emergiram por cima do palco pouco depois.

...

— Licença Senhor Agreste. - Nathalie anunciou, enquanto adentrava o escritório da mansão.

O designer, como de costume, estava diante do quadro de sua esposa, Emilie Agreste, a postura escorreita como sempre, as mãos unidas atrás do corpo.

— Nathalie. - Cumprimentou, sem desviar os olhos do pintura.

A mulher caminhou para perto do patrão, manejando seu tablet pelo caminho, procurando suas anotações.

— A Srta. Rolling ligou, confirmando o recebimento dos figurinos. - Avisou, parando a poucos passos do homem.

— Hm. - Ele murmurou, um sinal para que continuasse.

— Também confirmou que o leilão das peças se dará no próximo sábado, no site oficial do festival. - Continuou. - Eu já orientei o departamento de TI da empresa, e eles já estão trabalhando nos banners para linka-lo ao site oficial da Gabriel. - Emendou.

— Bom. - Expressou ele. - Quanto antes resolvermos toda essa situação, antes voltaremos as nossas programações rotineiras. Cuide especialmente para que Adrien recupere o tempo que perdeu nas suas atividades extracurriculares em razão dos ensaios. - Determinou.

— Sim senhor. - Acatou, preparando-sentará sair.

Todavia, quando estava prestes a alcançar a porta, deu meia volta e tornou a encarar o chefe.

— Algo mais, Nathalie? - Perguntou ele.

A mulher assentiu com a cabeça e manteve a voz monótona e o semblante apático enquanto falava:

— Quanto ao akuma de hoje a tarde, todas as mídias já estão noticiando o fiasco que foi o ataque do prefeito. - Contou. - Claro o incidente repercutiu negativamente na imagem dele, que já não estava em sua melhor época, e angariou ainda mais simpatizantes para a causa do Jardin D’eau.

— Em resumo, o tiro saiu pela culatra. - Observou Gabriel.

— Em resumo, sim. - Concordou a assistente. - Mas eu não consigo deixar de pensar que, se a intenção de Hawk Moth era capturar os Miraculous da Ladybug e do Chat Noir, talvez tenha errado o timing. - Ponderou. - A hora perfeita seria durante a realização do festival, com milhares vítimas em potencial concentradas num só ponto, onde os dois heróis teriam que agir com extrema cautela.

A mulher fez uma pausa para ajeitar os óculos.

— E certamente, as emoções negativas do prefeito estariam ainda mais fortes amanhã, gerando quem sabe um akuma mais poderoso. Concluiu seu raciocínio.

Agreste apenas permaneceu fitando o retrato da esposa.

— Eu acho que a única intenção do Hawk Moth é conseguir os Miraculous. - Respondeu. - Não tem por objetivo primordial machucar qualquer pessoa, ou destruir esse festival. Tampouco acabar com a última lembrança que um pobre velho tem da esposa. - Continuou. - Aquele senhor revive a dor da perda dia após dia. Não acho que qualquer parisiense além do prefeito queira vê-lo perder ainda mais.

A assistente abriu um sorriso brando, abraçando o tablet contra o próprio corpo.

— Imaginei que o senhor diria algo assim. - Revelou.

Finalmente, o designer de moda se virou para encará-la.

— Então por que perguntou? - Questionou, em seu tom rígido habitual.

O sorriso da mulher abandonou a doçura para tornar-se mais e mais insolente.

— É sempre bom vê-lo admitir as coisas como são. - Concluiu , deixando o escritório.