Once In a Lifetime

You love me, but you're not in love with me.


Chapter thirty-six –

A sensação de leveza não lhe parecia nada familiar.

Considerando a montanha-russa de emoções que o dia anterior havia trazido, não seria surreal para Clarke o pesar de todos os momentos ruins caírem sobre seus ombros. Ela estava acostumada a lidar com aquele tipo de coisa, a dor e a raiva que consomem e corroem.

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Mas ao se despedir de Bellamy naquela manhã com um de seus sorrisos singelos curvando o canto de seus lábios, tudo parecia certo. E isso sim poderia ser classificado como algo completamente surreal.

Pela primeira vez em anos, as coisas boas sobrepunham as ruins. Ela até mesmo havia se esquecido por um instante o quanto a sensação de se sentir verdadeiramente amada era avassaladora.

Kane a analisava por sua visão periférica com breves olhares furtivos. Sua preocupação ressaltava o franzir que ele mantinha fixo em sua testa, algo que parecia envelhecê-lo uns bons anos.

“Eu sinto muito, Clarke.” Seu timbre era macio, complacente.

Seu olhar permaneceu atento ao caminho que percorriam até sua cobertura, se dirigindo a ela assim que o primeiro sinal vermelho apareceu em seu campo de visão.

“Você não merecia passar por tudo isso. Você sequer deveria ter passado a noite naquela cela em primeiro lugar.”

A loira observou os dedos do mais velho se esbranquiçarem devido a força que ele segurava o volante, os roncos de Raven que dormia no banco de trás tornavam ainda mais difícil agir com a seriedade que aquele momento requisitava.

Ela certamente a zombaria mais tarde.

“Foi minha escolha, Marcus. Não tinha muito a se fazer, ele estava lá por minha culpa.” A Griffin deu de ombros, a atenção de seu padrasto pesando sobre ela.

Não precisava ser um gênio para adivinhar que ele a analisava.

“Ele estava lá porque ele tem sérios problemas em controlar a raiva, Clarke. Não é dessa forma que se deve lidar com as coisas.” Kane suspirou, acelerando assim que o sinal mudou de cor. “Mas eu entendo... Eu provavelmente agiria diferente, mas entendo. Ele é filho de Aurora, no final das contas. Ela tinha esse gênio explosivo e emocional, e eu era o calculista que pensava demais antes de agir.”

“A cabeça e o coração.” Clarke sorriu, assistindo o gesto se refletir no rosto do mais velho e a finca de preocupação se esvair aos poucos.

“A cabeça e o coração.” Ele repetiu, contemplativo. “Eu só desejo que um dia ele possa abrir um pouco esse coração, e em algum momento nós deixemos de nos tratar como estranhos quando estamos no mesmo cômodo. Além de você e Abby, ele é minha única família.”

Clarke direcionou um olhar repleto de censura ao marido de sua mãe, se remexendo no banco de couro devido ao desconforto que suas palavras ocasionaram.

“Você sabe que isso não é verdade. Vera está viva, e está esperando que você a visite.” Ela voltou a observar as ruas de New York que passavam pela janela como borrões. “Como você espera que Bellamy te perdoe e te trate com algum respeito se você não faz o mesmo com sua própria mãe?”

O suspiro audível de Kane externava também um pouco mais de sua frustração. Um sentimento exaustivo e que Clarke havia aprendido a conviver por todos aqueles anos.

Quase sua melhor amiga.

“Você tem certeza que está bem? Eu posso passar no hospital primeiro...”

“Não Marcus, eu não estou bem. Provavelmente levará algum tempo para que eu volte a estar, mas tudo o que aconteceu foi um infortúnio que eu quero muito poder deixar para trás.” Em sua voz, o apelo que era transmitido se expressava também por seus olhos claros. “Eu só preciso da sua ajuda para acalmar minha mãe caso as coisas fiquem feias, ela pode não receber essa notícia da mesma forma que você.”

Ele assentiu, mantendo o motor de seu carro ligado ao estacionar em uma das vagas na garagem do prédio.

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“Eu preciso ir até o escritório resolver alguns problemas. Você se importa de subir com a Raven? Se quiser me esperar para contar para sua mãe...”

“Não, não vai ser necessário. Prometo te pedir ajuda se mamãe urso sair do controle.” A loira esboçou um sorriso gentil, sua gratidão se mesclando ao brilho intrigante de seu olhar. “Obrigada Marcus, eu não sei como as coisas poderiam ter desenrolado sem você para nos ajudar.”

“Você vira a página e não olha para trás, Clarke.” A mão quente tocou seu ombro, e no significado daquelas palavras renascia a lembrança do pior dia de sua vida. “Lembra? Você vive melhor o dia de hoje do que viveu o de ontem.”

Um dia onde toda sua força se esvaiu e sua mãe e Kane a mantiveram de pé. O mesmo que ela pensou que não valeria mais a pena ter um amanhã, que sua existência havia perdido o sentido e que seu menino havia sido enterrado junto da lápide de seu pai em Arkville.

Não doía mais, não da forma que costumava doer. A ferida se cura quando é deixada para trás, e foi isso o que ela fez ao receber de Bellamy o perdão que tanto ansiava.

O machucado que agora pulsava cru e tão recente seguiria o mesmo caminho em algum momento. Marcus tinha razão, ela viraria aquela página, ela sobreviveria diante daquela imensidão negra de pensamentos negativos que a cercavam desde aquele acontecimento trágico.

Ela prosperaria e cresceria porque era para isso que infortúnios daquele tipo lhe aconteciam. Era para se levantar que ela caía, e foi com isso em mente que ela deixou o carro de seu padrasto naquela manhã com uma Raven sonolenta e resmungona ao seu encalço.

A ferida fecharia porque ela deixaria de tocá-la. Clarke se curaria, pois dali em diante se permitiria ser curada. E se todas as pessoas que mais amava no mundo acreditavam em sua força, quem era ela para dizer o contrário?

Mais do que nunca ela tinha a certeza de que eventualmente tudo ficaria bem.

***

Os dedos delgados de Raven percorriam vagarosamente pelas ondas douradas de seu cabelo, um carinho singelo que amansava um pouco mais a tempestade em sua cabeça. O cheiro agradável que vinha de sua cozinha e que se assemelhava ao do chá favorito de sua mãe invadindo suas narinas.

“Seu cabelo nunca esteve tão longo.” Raven comentou, a curva de seu sorriso ressaltando sua bochecha.

Havia uma pureza tão aconchegante no castanho enternecido de seu olhar. Clarke conhecia perfeitamente a franqueza daquele simples gesto, todo o amor que sua melhor amiga demonstrava apenas para as pessoas que ela verdadeiramente apreciava.

E ela era uma delas. Clarke sabia perfeitamente que aquela mulher seria capaz de dar a vida por ela, da mesma forma que ela também faria em retorno.

Abby se sentou no sofá de frente para elas, o olhar atento e preocupado fixado no rosto inexpressivo de sua filha ao posicionar a bandeja com as canecas de chá na mesinha de centro.

“Mãe, eu estou bem.” Clarke bufou, suas safiras azuladas se escondendo por tempo demais antes de se revelarem novamente, um suspiro cansado escapulindo por seus lábios assim que se curvou para se sentar em seu sofá. “Eu sei o que você está pensando, mas acredita em mim, vai ficar tudo bem.”

“Clarke, sinceramente, olhe para seus pulsos... Da mesma forma que você me conhece, eu te conheço. Você saiu de mim, lembra?”

“Como que eu posso esquecer?” Os olhos claros se reviraram, e Raven soltou um riso enguiçado.

“Então você deve imaginar que eu sei o quanto você é boa em esconder sua própria dor para que as pessoas a sua volta não se preocupem com você.” Abby não hesitou em direcioná-la um olhar frustrado, denso e autoritário que aos poucos se transformou em preocupação novamente. “Eu sou sua mãe, e meu papel é me preocupar com você. Você deve me deixar fazer o meu papel.”

Clarke pegou sua caneca – a mesma que ela usava todas as manhãs e Niylah havia lhe dado de presente –, direcionando um olhar divertido para a Reyes. O sorriso cúmplice de sua amiga lhe trazendo conforto.

“Mãe, está tudo bem. De verdade, eu estou bem.”

“Como raios alguém que passa pelo que você passou consegue ficar bem, Clarke? Eu vou conversar com o Jackson amanhã e faremos um check-up, vamos-”

“Não, agora você está exagerando. Limites, ok? Está tudo bem. Eu estou bem. Eu ficarei bem.” A Griffin mais nova se levantou de seu lugar, e depositou sua caneca de volta na mesinha de centro ao se sentar do lado de sua mãe e tomar para ela as mãos tão gélidas e franzinas quanto as suas. “Eu não quero mais ter que reviver aquilo, mãe. Eu quero poder deixar isso tudo para trás e em algum momento ser capaz de não me culpar mais pelo que aconteceu...”

Abby entreabriu seus lábios, sua objeção pronta para ser proferida.

“Eu tenho o apoio de pessoas maravilhosas. Octavia me disse que não é minha culpa e me deu apoio, Raven está pronta para colocar a mesma coisa em minha cabeça nem que seja por meio de lavagem cerebral.”

A Reyes riu, arqueando uma de suas sobrancelhas escuras desafiadoramente ao bebericar seu chá.

“Kane me lembrou que eu sobrevivi a coisas piores. Eu literalmente perdi metade de mim, mãe... e eu estou aqui.” O azul límpido nas íris de sua filha trouxe de volta a memória de seu falecido marido, a seriedade tão característica dele se realçando em cada gesto. “Bellamy me disse eu não sou uma pessoa sensível e fraca, ele demonstrou uma admiração que...”

A loira respirou fundo, a voz rouca do Blake reverberando em seus ouvidos como a mais bela das melodias. Por um instante era quase como se ele estivesse ali, presente, enraizado. Suas palavras trazendo-a de volta ao ponto de paz que ela tanto ansiava.

Clarke engoliu a seco, seu olhar se erguendo novamente até o rosto de sua mãe.

“Que eu jamais havia visto. Ele me lembrou da minha própria força, me deu força. Eu...” Sua mão subiu até sua cabeça, a lembrança daqueles olhos anuviando seus pensamentos. “Eu nunca me senti tão amada e tão apreciada. Simplesmente não parecia mais existir culpa, não existia mais aquele ardor que parecia me impedir de conseguir respirar...”

As mãos da mais velha acariciavam as suas, a ternura que lampejava em seu olhar era pura e genuína. Ela a amava tanto, da forma incondicional que somente uma mãe é capaz de amar seu filho.

Não havia uma pessoa sequer em sua vida que não a fizesse se sentir como se tivesse ganhado na loteria. Ela não precisava de todo seu dinheiro e status se aquelas pessoas permanecessem ao seu lado, se ela pudesse se sentir daquela forma sempre que o mundo lhe desse uma rasteira.

“E então...” Raven começou, sua boca se escondendo por trás da borda de sua caneca. “Isso quer dizer que você irá fazer algo, certo?”

A finca que se criou entre as sobrancelhas da loira emitiam sua confusão. Abby soltou as mãos de Clarke para cobrir o riso baixo que fora incapaz de segurar. Ela adorava aquela garota, ela sempre teria coragem de externar o que ninguém mais tinha.

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Raven Reyes era realmente uma pessoa única.

“Eu não entendi.” Atestou a Griffin mais nova, buscando por sua caneca e bebericando o líquido adocicado com sua atenção fixada em sua melhor amiga.

“Oh, então a boneca vai se fazer de desentendida agora?” Os lábios da morena se repuxaram em uma careta cínica, bufando ao notar que a expressão confusa de Clarke em nenhum momento se esvaiu.

Tão inocente, pobrezinha.

“Clarke, acho que você acabou se delatando sem nem ao menos perceber...” Abby comentou, e o sorriso cúmplice que iluminava o rosto de sua mãe lhe causou certo ultraje.

Ela pode jurar por um instante que estava sendo vítima de um complô. Um com doses bastantes significativas de sarcasmo e atrevimento, características marcantes de Raven e de sua maneira nada sutil de questionar o que lhe dá na telha.

“Ele vai se casar, garota. Você já se tocou disso?” A Reyes depositou sua caneca já vazia sobre a mesa de centro com certa indignação. “Ou será que eu vou precisar desenhar? Vestido de noiva, casinha no subúrbio com cercas brancas e jardim, dois filhos e um cachorro...”

A imagem que se formava em sua mente fez com que a loira se engasgasse com seu próprio ar. Era mais fácil colocar a culpa da ardência que se alastrava em seu peito na resposta exagerada de seus pulmões. No entanto, ela sabia melhor.

E se...

“E o que eu tenho com isso, Raven? Eu...”

“Você...?” Ela a incentivou, esperançosa.

“Eu sei disso.” A frustração fez com que Clarke franzisse seu cenho novamente, a mão se posicionando em seu peito sem que ao menos percebesse. Tudo que sabia era que seu coração voltava a latejar ali, errático dentro de sua caixa torácica. “Eu sei disso melhor do que você imagina, eu estava lá.”

“E por que raios você não faz nada?” É a vez da Reyes enrugar sua testa, a insatisfação que a constatação de sua amiga lhe causou se espelhando também no castanho escuro tempestuoso de seu olhar. “Clarke, ele olha pra você como se você estivesse carregando a droga do céu inteirinho nas suas mãos. Planetas, lua, constelações...”

“Qual é o verdadeiro motivo por trás desse seu discurso, Raven? Eu realmente não quero falar sobre isso.” O tom exasperando em sua voz fez com que Abby lançasse um olhar receoso na direção da morena.

“O motivo? Não é óbvio?” Ela abriu seu sorriso, seus dentes estupidamente brancos deixando a Griffin ainda mais irritada. “Eu sou fera em distinguir idiotas plenos. Sou casada com um, e melhor amiga de outra.”

A mais velha riu, o som melodioso de sua risada fazendo com que a tensão nos ombros da loira se exaurisse. Aos poucos sua postura defensiva caía por terra, e o repuxar atrevido de seus lábios davam ênfase ao seu divertimento.

Aquela era sua melhor amiga, uma idiota de marca maior. Capaz até mesmo de fazer sua mãe perder sua pose sempre tão controlada para gargalhar como uma hiena. Raven era mesmo especial, e bastante carente em sutileza.

“Eu não posso fazer nada, Rav. Eu não tenho esse direito.” Clarke deixou que o ar de seus pulmões escapulisse ruidoso por seus lábios rosados, o olhar condolente de sua mãe cravado em seu rosto.

“Não concordo com você.” Abby se empertigou, determinada a dizer a sua menina tudo o que ela precisava ouvir. “Eu não acho justo você após todo esse tempo não dar a ele uma escolha. É cometer os mesmos erros outra vez, Clarke.”

“Mãe...”

“Você o ama.” A simplicidade com que a mais velha atestava aquilo não atenuava em nada o peso sobre seu coração. “O ama de uma forma que eu sei que a gente só ama alguém uma vez nessa vida. Você pode até mesmo encontrar outras pessoas, mas nunca mais será a mesma. E eu sei, Clarke, porque eu perdi o meu uma vez na vida e mesmo que agora eu tenha novamente a oportunidade de amar alguém, nunca seria a mesma coisa.”

Raven apoiou seu cotovelo em sua perna, a mão segurando seu queixo enquanto ela assistia uma das únicas figuras maternas que teve em sua vida falar abertamente sobre sentimentos. Sua honestidade era surpreendente, considerando que as garotas Griffin tinham essa mania irritante de esconder seus corações com persistência por trás de suas armaduras.

Ainda assim, elas falavam sobre perda com uma sinceridade quase tangível.

“Eu não estou dizendo que você tem que lutar por ele com unhas e dentes... Não, não é isso.” Abby vacilou sua atenção por alguns instantes, suspirado antes de voltar a encará-la. “Você precisa dar a ele a escolha, você precisa mostrar pra ele que isso tudo está vivo dentro de você mesmo com o passar de todos esses anos. Bellamy precisa saber, Clarke, que ele tem em mãos seu coração e vai ter pelo resto dos seus dias.”

“E se ele decidir se casar depois disso, então eu estarei disposta a aceitar seu conformismo.” Raven sorriu, pulando os lugares do sofá para que pudesse se aproximar mais delas.

O celular da loira apitou no bolso de sua calça jeans, dois nomes se destacando em suas notificações. Octavia em todo seu mau humor matinal corriqueiro avisava em uma delas que em algumas horas buscaria Madi e Robbie para a tarde que havia planejado junto de sua família – Olivia, não surpreendentemente, também era mestre em conseguir tudo o que queria.

A genética da Blake era proeminente naquela garotinha de uma forma quase assustadora.

Junto do outro nome, algo bastante incomum quase a tirou de órbita.

Gina Martin

9:38AM

Sei que provavelmente está descansando, por isso preferi contatá-la por mensagem. Seria incomodo se pudesse me ligar assim que acordar, senhorita Griffin?

9:39AM

Que tal um almoço? Conheço um restaurante incrível no Soho. Aguardo sua resposta.

“Querida?” Abby a chamou, assistindo a finca que havia criado vida entre as sobrancelhas loiras da mais nova se esvair no instante em notou ser observada.

“Desculpe, está tudo bem. São mensagens da Octavia.” Clarke olhou para sua mãe, deixando o aparelho de lado e assentindo brevemente antes de envolver sua mão com um pouco mais de força, enquanto a outra buscava pela de sua melhor amiga.

O apoio que ela recebia e o significado de cada palavra se registravam não só em sua mente, mas também em seu coração.

Não havia mais valas a serem preenchidas em sua vida, ou altos e baixos que não fosse capaz de enfrentar. Aquelas pessoas eram seus pilares e durante todo o tempo que elas permanecessem ali, a certeza de que tudo ficaria bem se intensificava.

Ela era sem dúvidas a pessoa mais sortuda do mundo.

“Como estava dizendo, estou disposta a aceitar seu conformismo… Não posso dizer o mesmo sobre seus roncos.”

Definitivamente, a mais sortuda.

***

Algo não parecia estar certo.

Quando Clarke concordou em permitir que Gina Martin lhe desse uma carona até o hospital, em sua cabeça se formou um cenário completamente diferente do que acontecia diante de seus olhos. E agora, sentada de frente para a dona dos olhos amendoados e dos longos cachos que bebericava seu chá com toda calma do mundo, sua mente reforçava: algo não estava certo.

O tremor de sua perna direita manifestava a ansiedade que ela se recusava em sentir, mas ainda assim, ali estava, batendo em seus nervos como um martelo em um prego. Insistente, irritante, desconcertante.

“Acho que você está curiosa, não é senhorita Griffin?” O tom calmo e controlado daquela voz invadiu os ouvidos, sua sobrancelha loira se arqueando em confusão.

O olhar de Gina se direcionou para a perna que ainda balançava em ritmo frenético, o sorriso gentil se escondendo parcialmente atrás de sua caneca. Um gesto tão simples, mas que ela poderia jurar que por uma fração de segundos, a irritou muito mais do que deveria.

Clarke se empertigou, odiando o quanto sua linguagem corporal a denunciava.

Por Deus, ela estava diante de uma advogada. Por que raios parecia ter coisas demais a esconder?

“Clarke. Sem formalidades.” A mão pálida levou até seus lábios o copo de café, o olhar se desviando em puro desconforto. “Qual o motivo desse encontro? Não quero parecer grosseira, mas meu turno começa em breve. Justamente por isso preferi a cafeteria do que um almoço...”

“Você não precisa ficar tão apreensiva, senhorit... Clarke.” Gina suspirou, os cachos escondendo parcialmente a expressão resignada em seu rosto. “Eu só preciso entender, não quero te prejudicar ou algo do tipo...”

“Madi.” Clarke afirmou, convicta sobre qual assunto aquela mulher queria esclarecer. “Isso é sobre Madi, certo?”

Os lábios da Martin se crisparam, o constrangimento nas íris amendoadas fez com que Clarke repensasse se aquele assunto era realmente sobre o processo de adoção. Tinha que ser, certo? Não havia nenhum outro assunto em comum entre elas.

Não que ela soubesse. Nenhum que ela estivesse preparada para trazer à tona.

No entanto, a vida insistia em ser uma caixinha de surpresas.

“Na verdade...” Os olhos azuis da Griffin miraram a forma impaciente que ela virava o anel de esmeraldas em seu dedo, percebendo então verdadeiramente sobre o que era tudo aquilo. “É sobre tantas coisas... nesses últimos dias, eu presenciei tanto.”

O elefante no quarto. Algo realmente estava muito errado, e ela deveria ter sido mais esperta.

Aquele encontro era um desastre, um daqueles inevitáveis e que ocasionam destroços. Ela sabia demais, agora estava tão claro como água. Gina Martin sabia e ela estava ali apenas esperando pela confirmação de tudo.

E novamente, Clarke se tornaria a responsável pelo coração partido de Bellamy.

“Gina.” Foi a vez da loira suspirar, os olhos se fechando para colocar em ordem o caos que havia tomado posse de seus pensamentos. “Sem formalidades, certo? Eu não sou a pessoa com quem você quer ter essa conversa.”

A morena a encarou, o conformismo em seu olhar se tornando pesar ao observá-la ajeitar sua bolsa e depositar o dinheiro referente a sua conta sobre a mesa.

“Eu... Obrigada pela companhia. Espero que você encontre o que está procurando.”

E a última coisa gostaria de ter presenciado era a lágrima solitária que percorreu pelo rosto delicado daquela mulher ao assisti-la ir embora. A pessoa que havia reparado o que ela havia quebrado e que menos merecia estar nessa posição.

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Algo estava muito errado, com certeza.

E inevitável era a sensação de que a culpa era sua.

***

A regata preta bastante umedecida por seu suor grudava em seu corpo quase como uma segunda pele. Os fios desgrenhados de seu cabelo caíam por sua testa, se contrastando mais do que deveria com os círculos arroxeados abaixo de seus olhos escuros e completamente aéreos, como lembretes da noite em que passou em claro na cela daquela prisão.

Desgosto e inquietação se alojando na boca de seu estômago como um parasita.

Bellamy rodeava o ringue como se aquele fosse um de seus talentos – e realmente era. Geralmente quando entrava na sala de treinamento, era para impedir que qualquer outro tipo de pensamento tirasse seu foco. Despertar em seus instintos, aliviar seu estresse, e desta forma, se manter longe das armadilhas que sua mente criava.

No entanto, ao quase ser atingido por um dos socos empolgados de Murphy, ele soube que não seria ali que encontraria um pouco de paz. Não dessa vez. Não quando em sua cabeça o emaranhado de dúvidas e devaneios parecia crescer ainda mais a cada tic tac do relógio.

Mais um pouco e logo ele se tornaria vítima de sua própria loucura.

“Você está distraído hoje.” Murphy comentou, arfante.

O barulho irritante do celular de Bellamy anunciou a chegada de uma mensagem.

Seus passos o direcionaram até o local onde o aparelho permanecia intocado, o tique em seus olhos fazendo-o piscar mais vezes do que deveria para adquirir um pouco mais de foco. A abstinência de sono garantindo uma breve demonstração do que era capaz assim que tentou ler a mensagem que brilhava naquele visor.

Gina Martin

4:46PM

Eu sei que está fugindo. Hoje teremos nossa conversa, não se atrase.

O ar que se manteve preso em seus pulmões escapuliu ruidosamente por seus lábios, o sentimento de exaustão trazendo à tona a fadiga que, até então, ele não havia sentido. Cada membro de seu corpo parecia pesado demais, dificultando sua insistência em se manter de pé.

“Ao que tudo indica todos nós temos problemas no paraíso, uh?” O comentário sarcástico de Murphy fez com que o moreno revirasse os olhos em meio seu mais puro descaso.

“Nem ao menos sabia que você tinha noção do que é o paraíso.” Bellamy puxou as cordas, subindo novamente no ringue de treinamento enquanto assistia seu companheiro de equipe exalar todo seu contentamento.

“Eu sou uma caixinha de surpresas, Blake. Você já deveria saber disso.”

John pegou as toalhas de rosto, jogando uma delas em sua direção. Aos poucos seu sorriso debochado deixava de iluminar suas feições para dar lugar a uma expressão quase enigmática. Bellamy certamente teria notado, se não estivesse tão imerso na realidade que criava em sua cabeça para fazê-lo.

“Não é de se surpreender, sabe?”

“O que?” Despertando de seus devaneios, os olhos escuros ainda dispersos se cravaram no homem a sua frente.

A toalha foi deixada de lado assim que o moreno apertou o velcro de suas luvas, voltando à sua posição, levantando sua guarda enquanto esperava seu companheiro de equipe fazer o mesmo.

“Que sua garota esteja te dando uma dura.” Murphy deu de ombros, retirando de vez as luvas de boxe e jogando-as no canto. “Qualquer pessoa estaria neurada depois do que aconteceu ontem.”

Bellamy semicerrou seus olhos, as sobrancelhas negras se juntando à finca que havia se criado entre elas.

“Ela não está me dando uma dura.” Ele se empertigou, todo seu desconforto era expressado por sua linguagem corporal. John não era exatamente um expert em decifrar aquele cara, contudo, não precisava ser um gênio para notar um idiota pleno quando se vê um.

O riso nasalado insolente que ele lhe direcionou como replica não ajudou em nada a confusão de pensamentos que o desnorteava. Maldito John Murphy e toda sua impertinência.

“Pode calar a droga da boca e voltar até aqui? Ainda não terminei de chutar essa sua bunda branca.”

Mais uma vez, ele o ignorou. Mudando o peso de uma perna para a outra, seus estúpidos olhos claros o encaravam com impaciência. Algo peculiar se tratando da pessoa que menos perde seu precioso tempo se importando com algo que não seja seu próprio nariz.

Por que raios ele parecia tão investido naquele assunto?

“Olha, não é meu dever te dizer isso, mas... já que estamos quase trançando o cabelo um do outro aqui, eu lhe direi em respeito a toda a bondade que eu tenho guardada nesse meu coração felpudo.”

Bellamy revirou os olhos novamente, desacreditado da petulância da criatura que lhe dirigia a palavra. Um riso discreto escapuliu por seus lábios, fazendo-o levar o punho até eles para evitar a risada que já criava vida em suas cordas vocais.

Se aquilo não fosse tão característico, ele cogitaria a possibilidade de toda aquela cena ser uma pegadinha sem graça.

“Clarke namorou minha irmã por mais de um ano. Elas tinham estabilidade, pareciam felizes e eu via muito potencial ali.” Murphy fixou nele o azul de suas íris, não vacilando nem por um momento sequer. “E ainda assim, no instante em que ela te viu novamente, nada disso pode salvar o relacionamento delas.”

O Blake puxou o velcro de suas luvas, jogando-as no canto do ringue com estupidez. Seus punhos se cerraram por alguns segundos, o arroxeado nos nós de seus dedos trazendo de volta o desatino da noite anterior com bastante lividez em sua mente.

“Não era para ser, certo? Eu vou colocar dessa forma.” Havia certa decepção em seu timbre, algo que intrigou Bellamy o suficiente para forçar sua atenção de volta para ele. “Mas nós dois sabemos muito bem o que aconteceu.”

Em flashes, o rosto manchado pelas lágrimas e pelo desespero surgiu diante de seus olhos. Tão sutil e tão fatal. O coração se tornando uma âncora em seu peito, aturdindo-o o suficiente para que se tornasse incapaz de formular uma resposta, de se defender dos absurdos que seu colega de equipe disparava.

Depois de todos aqueles anos? Não era verdade. A cicatriz estava ali, enraizada e finalmente curada tanto para ele quanto para ela, impossibilitando-o de acreditar que ainda houvesse qualquer resquício do que escolheu deixar no passado lutando para renascer. Não tinha nada para trazer de volta à vida, nem mesmo o fruto mais real e mais puro do que haviam tido havia sido capaz de sobreviver.

Ele era outra pessoa agora, assim como Clarke também havia mudado e escolhido seguir em frente.

Mas por que a sensação de que ainda existia algo inacabado agora lhe sufocava?

“No caso de seus neurônios estarem com problema para funcionar hoje, eu vou resumir essa história para você: você aconteceu.”

***

A porta de seu apartamento se fechou a tempo de acompanhar o suspiro ruidoso que escapou por seus lábios. O cansaço físico e emocional consumia o que restava de seu estoque de energia, trazendo junto de si a fadiga muscular e a dor de cabeça lancinante que a qualquer momento partiria seu crânio em dois.

Dor física ele era capaz de lidar. Emocional? Não tanto.

Seus olhos não levaram muito tempo para encontrar a silhueta franzina de Gina, sentada na beirada de sua cama com os pensamentos tirando-a completamente de órbita. O zíper de sua jaqueta a pegou de surpresa, um sorriso preguiçoso criando vida em seus lábios ao admirá-la.

“Esse foi o dia mais longo de todos os dias que já tive em meus trinta e um anos de vida.” O timbre de Bellamy carregava um divertimento quase irônico, dada a situação.

Algo sobre a inércia de sua companheira o incomodou, assim como a forma que ela brincava com os dedos de sua mão sem expressão alguma em seu rosto. Não havia o sorriso que sempre o recepcionava após um dos seus turnos longos de trabalho, nem mesmo o brilho que naturalmente fluía dela.

Seu coração se comprimiu junto da realização de que algo estava errado. Seus receios lhe atingindo como um caminhão.

“O que houve?” A pergunta escapuliu como um sussurro, a sensação inquietante se alojando em suas entranhas. “O que aconteceu?”

O silêncio que se instalou não lhe garantia resposta alguma. A mala que até então ele não havia notado, por outro lado, parecia gritá-las.

Não era possível, era? Não, não era.

“Você vai viajar?” Havia uma ruga entre suas sobrancelhas, a confusão deixando-o cada vez mais apreensivo. E mais uma vez, nenhuma resposta. “Gina?”

Bellamy jogou sua jaqueta no canto do quarto, derrotado. Os passos largos que deu para chegar perto dela foram interrompidos antes que alcançasse a cama, a maciez de daquela voz o paralisando.

“Se lembra do que eu te disse naquela noite em que conversamos sobre nossos corações partidos?” Seus olhos amendoados se ergueram até os dele, densos por toda sua sinceridade. “Na nossa estadia na cabana dos meus avós, de frente pra lareir-”

“Eu me lembro.” Ele a interrompeu, tensão fazendo com que seu maxilar se retesasse. “Não estou entendendo.”

“Se você se lembra então sabe o que isso significa.”

Dentro de sua mente, ele fazia uma varredura por todas as lembranças dos últimos cinco anos que passou ao lado daquela mulher. Mais do que os momentos incríveis que serviram de alicerce para o que tinham hoje, o Blake focou especialmente no que ela mencionava.

‘Se um dia você acordar, e notar que não se sente mais da mesma forma sobre mim, me prometa que irá me dizer. Me prometa que irá me contar que não está mais apaixonado por mim, que deixou de ver um futuro comigo. Não vou te perguntar porquê, eu não quero saber quando isso aconteceu, apenas me diga. Te deixarei ir. Eu vou te deixar ir mesmo que isso me destrua, Bellamy. Eu prefiro que meu coração se estilhace em pedaços com a verdade, do que ter que remendá-lo novamente por uma mentira.’

As palavras soaram em sua cabeça como se tempo algum tivesse passado. Como se ele e Gina ainda estivessem entrelaçados naqueles lençóis, em frente a lareira. O shampoo floral daqueles cachos se impregnando em suas narinas, seus beijos o mantendo no mais puro êxtase.

Não era aquilo. Estava longe de ser algo do tipo. Ela esteva terrivelmente equivocada.

‘Você ao menos vai tentar lutar por mim? Por nós?’

Cenas daquela manhã eram revividas diante de seus olhos.

‘Você sabe, meu último relacionamento terminou em uma mentira que por muito tempo me fez acreditar que eu não seria capaz de me recuperar. Eu consigo reparar o meu coração, o que eu não consigo é lidar com o fato de que posso ter vivido uma farsa enquanto acreditava ser o meu uma vez na vida. Eu vou ficar destruída, Bellamy, mas destruir o que a gente viveu até então vai ser como tirar todo meu chão. Eu vou te deixar ir, eu vou seguir em frente eventualmente, ninguém morre por ter um coração partido.’

Ninguém morre por ter um coração partido...

O Blake engoliu a seco, toda a convicção que se acendia no castanho claro daquelas íris criou em sua garganta um nó que não desataria tão cedo. Se aquilo era algum tipo de pesadelo, não havia nada que ele não daria para acordar.

“Você não pode estar falando sério.”

Em sua frente, a Martin removeu lentamente o anel de esmeralda de seu dedo anelar. Ela se levantou vagarosamente, a forma como prendia seu lábio inferior entre seus dentes demonstrava sua tentativa de se manter controlada.

“Como raios eu te dar o anel da minha mãe não significa que eu vejo meu futuro com você do meu lado?” Ele soou rouco, vulnerável demais emocionalmente para aguentar a ardência que já umedecia seus olhos, tornando sua visão turva.

“Você prometeu.” Gina rebateu, sua passividade se tornando raiva ao expelir aquelas palavras como veneno. Todos os sentimentos sufocantes que a atordoaram desde a primeira omissão vindo à tona.

“Eu prometi que te diria, se eu não disse é porque não aconteceu. Eu não quebro promessas, Gina. Você sabe disso melhor do que ninguém.”

“Eu sei? Eu não sei mais de nada, Bellamy. As últimas semanas me fizeram ver que cinco anos podem não significar nada perto de algo destinado a ser.” A franqueza em seu timbre não conseguiu impedir as gotículas salgadas que agora manchavam sua pele. “Um anel não tem significado nenhum se é símbolo de uma mentira.”

O moreno passou as mãos pelas ondas negras de seu cabelo, a frustração que aquelas palavras estavam lhe causando fugia por seus lábios junto do ar que até então se estagnou dolorido em seus pulmões.

Ela estava jogando cinco anos do que eles tiveram juntos na lata do lixo, e não existia nada que pudesse evitar a raiva que escalava lentamente por suas veias.

“Te fizeram ver o que? Que nada do que a gente viveu por cinco anos é válido? Eu te amo, você me ama. Isso não deveria ser o suficiente pra querer um futuro juntos? Pra lutar por nós? Por que só eu estou vendo isso? Quando isso aconteceu? Você sabe que não faz parte de mim desistir, Gina. Por que você está desistindo?”

Gina respirou fundo, o anel de Aurora queimando como fogo na palma de suas mãos. O mesmo que Bellamy parecia acreditar cegamente que pertencia a ela, a mulher qual ele já não conseguia mais compartilhar seus segredos.

“Você me ama, mas não sou eu por quem você está apaixonado.” Ela levantou o olhar até o teto por um instante, pedindo forças para qual quer que fosse a força divina que seria piedosa o suficiente para ajudá-la. “Você nunca olhou para mim da forma que olhou para ela naquela cela. Eu vi, Bellamy. Eu tenho visto tanta coisa...”

Algo sussurrava em seu ouvido que logo ela perderia o que até então a manteve firme. A verdade proferida era um punhal atravessando seu peito, e mesmo assim, ainda doeria menos que a negação que o Blake parecia se afogar mais e mais.

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Ele ainda a encarava, estático, como se sua mente estivesse levando tempo demais para assimilar o que ela havia acabado de lhe dizer. As primeiras lágrimas escapuliram ali, naquele instante, deixando um rastro pelas sardas que ela tanto venerava.

Aquilo passaria. Ninguém morre por um coração partido. Gina repetia aquilo como um mantra em sua mente, enquanto poderia jurar que era capaz de ouvir a forma absurda que seu coração se tornava estilhaços dentro de si.

“Você ama o que eu represento pra você, você ama a sensação de segurança que o que a gente construiu te dá. Foram cinco anos do seu lado, e só agora eu estou vendo que você nunca vai me deixar ver através desses muros. Como eu posso me casar com você? O que mais você omitiu durante todo esse tempo? Quais portas mais da sua vida você manteve fechada pra mim com a desculpa de que eram seu passado?” Um soluço a impediu de continuar, o dorso de suas mãos delicadas limpando a umidade em seu rosto.

Inerte, ele absorvia tudo aquilo.

“Essas são as perguntas que eu repeti para mim mesma todos os dias, desde o momento em que você entrou por aquela porta com as mãos sangrando e mil e um segredos sobre seus ombros. Nenhum compartilhado comigo, sua futura esposa.” Havia uma amargura peculiar em seu tom de voz, a mágoa que ela tanto tentou manter submersa agora emanava pelo castanho claro de suas íris. “Eu aceito o coração partido, eu não aceito ter vivido uma mentira. Quando você omite, você mancha todos os momentos lindos que tivemos quando estávamos apaixonados, quando tudo era verdade. Se você me ama, se você tem respeito por mim, enxergue o que está diante dos seus olhos e mantenha sua promessa. Você não está apaixonado por mim, é ela quem você ama.”

“O que você sabe?” Bellamy se sentou na beirada de sua cama, derrotado. “O que você precisa saber?”

“Essa é uma pergunta que você deveria fazer pra si mesmo. Eu já sei tudo o que eu preciso saber, e o que mais deveria ser chocante, é que não foi pela sua boca.” Gina se empertigou, recebendo de volta todo o impacto de suas palavras por meio do olhar que agora ele a direcionava. “Eu não posso, não quero e não vou ser coadjuvante na história de amor que era pra ser minha. Não vou amar por dois, Bellamy. Não vou mais fazer vista grossa, não posso mais. Eu devo isso a mim mesma.”

Os calorosos olhos escuros ofuscados eram como uma noite de outono, nublados pela gama de emoções dolorosas que agora o sufocavam. Bellamy nunca havia atravessado um incêndio, mas a sensação de não ter nada além de fumaça a se inalar deveria ser similar ao que seus pulmões estavam fazendo-o passar.

Mais uma vez, o pequeno lembrete surgia junto de seu estado de espírito miserável: Dor física ele era capaz de lidar. Dor emocional? Não tanto.

“Eu estou te deixando ir, Bellamy. Por favor, escute bem o que eu irei te dizer.” Gina se acercou, o suficiente para se agachar até sua altura. A mão quente tomando a dele, ainda receosa. “Não tente lutar por algo que estava fadado a ter um fim. Eu entendo o seu sentimento por ela, não pretendo ter mágoas justamente porque compreendo. Eu entendo que esse tipo de conexão não se constrói, simplesmente existe. Só… não me procure mais por um tempo, ok? Me deixe consertar o meu coração, me deixe reviver nossos momentos bons e superar. Se me ama, se quer me ver feliz, pare de mentir pra si mesmo. Eu vou passar por aquela porta com a gratidão dos cinco anos que vivemos juntos, por ter te conhecido e ter feito parte da sua jornada tanto quanto você fez da minha.”

Seus dedos delicados abriram os dele, calejados, depositando na palma de sua mão o anel de esmeraldas. O símbolo do que poderia ter sido se ele ao menos fosse capaz de mandar em seu próprio coração, ou melhor dizendo, se ele tivesse sido capaz de tomá-lo de volta. Deveria saber que jamais poderia prometer algo que sequer era dele, não mais.

“Eu estou tentando, com todas as minhas forças, ser a melhor versão de mim mesma nesse momento. Me ajude a superar isso, e é tudo o que eu vou te pedir. Siga em frente, em algum momento eu vou fazer o mesmo. E...” Sugando uma lufada de ar, ela se esforçou em se recompor. “Obrigada, Bellamy.”

O Blake fechou os olhos, o calor daquelas mãos não mais em contato com as suas. Dentro de si, batalhas quais ele não gostaria de fazer parte eram travadas entre seu emocional e seu racional. As palavras de sua ex companheira reverberando em ecos, intensificando a dor de cabeça excruciante que o atordoava.

Abrir os olhos e encontrar nada além do vazio de seu apartamento havia se tornado um lembrete claro do seu fracasso.

E de agora em diante, era com isso que ele viveria.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.