Quando Jullian estacionou em frente ao campus, senti-me extremamente aliviada. Um suspiro alto saiu de minha boca.

– É melhor sair logo, antes que seu namorado veja que pegou carona.

Olhei para seu rosto.

– Obrigada pela carona e eu não tenho namorado.

Abri a porta do carro e dessa vez fiz questão de não fechá-la com tanto cuidado. Lembrei-me da menininha do filme Olha quem está falando agora , na cena em que ela balança furiosamente a escova de cabelo. Meu humor estava assim. Por dentro, eu balançava uma escova de cabelo furiosamente olhando o carro de Jullian se afastar. Por fora, tinha uma expressão cansada e sentia frio. A neve se empavava em meus cabelos e caía com tanta intensidade que eu quase podia ouvir o farfalhar dos flocos.

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***

Fechei a porta do dormitório e joguei-me na cama de barriga para baixo. Que dia tinha sido aquele!

Fui para o banheiro para tomar um banho quente. Vesti uma calça de moletom preta, um par de meias rosas e uma blusa de manga comprida. Os cabelos estavam enrolados na toalha.

Decidi que era hora de mandar um e-mail para Fergus para atualizar mamãe e papai sobre tudo. Eu fui breve e deixei de fora as fofocas familiares dos Zarch. Se eu contasse para mamãe sobre os barracos, daria brecha para ela perguntar incessantemente sobre aquio até que meu intercâmbio na Dinamarca terminasse.

Contei sobre o risoto maravilhoso de cenoura de Betty Berry, sobre o dia de trabalho, sobre a nevasca intensa que estava caindo e sobre o sr. Fonzie - que era um exemplo de simpatia em pessoa. Perguntei se eles tinham assistido O Iluminado e enviei o e-mail terminando-o com muitos beijos. Sentia saudade deles.

Ás seis fui até o refeitório para jantar. Ainda não tinha muitos alunos ali, na verdade, apenas meia dúzia comigo. Mas eu estava faminta!

Servi-me de arroz, macarrão, salada de couve e ensopado de carne. De sobremesa havia gelatina de uva ou abacaxi. Peguei um potinho da de uva. A moça da cozinha disse que, por causa do frio intenso, elas fariam uma sopa e o refeitório estaria aberto até às uma hora da manhã, caso alguém sentisse fome e quisesse se esquentar tomando uma sopa. Elogiei a ideia - pois era realmente genial!

Me sentei em uma cadeira sozinha e comecei a comer a comida. Estava deliciosa. Não tão deliciosa como a comida de Betty Berry, mas chegava perto.

Enquanto comia, pensava no sr. Fonzke, quem tinha ido embora antes de mim. Onde será que ele estava no meio dessa nevasca? Betty tinha me dito que ele geralmente se abrigava em uma escola abandonada com outros mendigos e que eles acabavam dependendo da boa vontade dos que moravam na vizinhança de lhe alimentarem com algo quente, como uma sopa.

Meus pensamentos voaram para quantas pessoas acabariam se encontrando naquela situação. Era difícil ver uma realidade assim diante de seus olhos. Eu ficara realmente surpresa com o que o sr. Zarch e Jullian faziam. Toda segunda convidavam o sr. Fonzie para almoçar! Já era algo rotineiro! Achei admirável e inspirador. Comecei a questionar-me sobre o que eu fazia de bom para outras pessoas. A resposta me decepcionou, eu já sabia que a verdade era: nada.

Comi de bom grado a comida e a gelatina, sem reclamar que a sobremesa não fosse um chocolate ou uma torta de maçã que só mamãe sabia fazer. Gelatina estava bom para mim.

Voltei para o meu quarto depois de jantar e, mais tarde, antes de dormir, quando dera onze horas, voltei ao refeitório novamente. Tinha um número considerável de pessoas. Peguei um pouco de sopa para comer. Ela fumegava na tigela. Tinha ainda um pedaço de pão.

Sentei-me mais uma vez sozinha e comecei a tomar a sopa enquanto assistia ao jornal local. Não conseguia ouvir o som da televisão por causa do falatório. Quase engasguei ao ver o rosto de Jullian na televisão. Estava no meio da nevasca bem em frente ao canal Nyjav e falava algo com um microfone na mão.

Fitei os olhos azuis que pareciam olhar para mim. Na verdade, eles fitavam a câmera. A reportagem deveria ser sobre a nevasca já que mostrava imagens da neve caindo com fúria do céu sobre Copenhague. A Europa inteira devia estar naquele estado.

Em duas mesas de distância da minha ouvi duas garotas comentando entre si com um sotaque forte falando em inglês:

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– Ele é tão bonito! Olhe esses olhos!

– Aposto que é muito educado. Todo jornalista é.

Quase que ri. Não sabia se ria do "acho que ele é muito educado" ou do "todo jornalista é". De onde aquelas malucas tinham tirado aquilo?

Terminei minha sopa e comi outra gelatina. Dessa vez a de abacaxi. Quando voltei para o dormitório e tranquei a porta, sentia-me satisfeita e feliz. Um sentimento de gratidão se apoderou de mim. Fui dormir pensando no sr. Fonzie. Esperava que ele tivesse tomando alguma sopa em algum lugar quente e que ele voltasse na segunda-feira para almoçar com o sr. Zarch.

Adormeci sem ver e sonhei com neve, alguém correndo e se jogando contra a espessura fofa, pegajosa e fria que era aquele fenômeno. Acho que quem se jogou fora eu.