O que o destino aprontou dessa vez?

Capítulo 55 - Vestígios em pulsos


O vento era suave, e as mulheres estavam sentadas na varanda, enquanto tomavam café, na tarde de primavera.

— Parecemos duas idosas tomando o chá das cinco. – Comentou a morena.

— Neste caso, café. – A outra riu do jeito cômico com que Luana falava. – Sabe, Ellen, estou pensando seriamente em contar aquilo para o Daniel.

— Aquilo o que?

— Sobre meus pais. Sobre mim.

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— Tem certeza?

— Há coisas que não me sinto bem em esconder dos outros, ainda mais se tratando das pessoas a quem sou próxima. E se por um acaso eu me arrepender depois, dane-se.

...

Cerca de duas horas depois, no quarto do barbixa, Luana afagava-lhe os cabelos com uma das mãos, enquanto mexia no celular com a outra que sobrara. Daniel fazia o mesmo. A ruiva, entretanto, não tinha cabeça para isso. Seu propósito era outro. As cenas que viveu no passado, eram relembradas a cada segundo. Estava tudo ali, em sua memória. Ela ainda procurava pela melhor forma de contar os fatos que ele não sabia, e nem esperava que ela revelasse naquela noite.

— Lua?

— Que?

— Por que tão calada? – Ela manteve silêncio por breves segundos.

— Preciso te contar uma coisa.

— Pois...?

— Antes, preciso que largue esse celular. – Daniel parou o que fazia por um instante e olhou bem em seus olhos. Apagou a tela do aparelho e largou-o sobre a cama, tendo consciência de que deveras, o uso do celular não cairia bem nesse momento. – É sobre minha família. O que você queria saber.

— Decidiu contar?

— Agora.

— De ante mão, não estou lhe forçando a nada. Se não quiser, não tem problema algum.

— Sim, eu sei. Mas desde que você tocou no assunto aquele dia, eu não consegui tirar da cabeça por momento algum, e acho que não é bom escondermos as coisas um do outro, acho que seria bom que você soubesse.

— Tudo bem. – Ele fitava profundamente seus olhos verdes e semblante sério.

— Poucos sabem, então por favor, que fique entre nós. Você promete?

— Eu prometo. – Daniel já não sabia o que esperar. Foi nesse momento em que Luana deu início aquele conto, que para ela, mais parecia um trauma.

— Desde que eu me entendo por gente, isso começou. O meu pai, ele bebia muito, se drogava, voltava bêbado pra casa todas as noites, e certas vezes, chegava a ficar dois ou três dias sem aparecer. Isso estressava minha mãe. Ela brigava com ele constantemente por conta disso. Eu me acordava no meio da madrugada com as discussões, os gritos. Já o vi bater nela, já o vi ameaça-la de morte com uma faca de cozinha. Eu chorava. Chorava muito. Com o passar do tempo, as coisas começaram a piorar. Meu pai foi preso, e minha mãe também começou a usar drogas. Foi quando ela decidiu que eu deveria morar com meus tios. Só que eles não gostavam de mim. Me tratavam como se eu fosse um lixo, me batiam, xingavam, e só cuidavam de mim porque enfim era necessário. Eu sofri muito, tanto numa família como na outra. – Daniel a encarava, perplexo.

— Lua... eu nem sei o que te dizer.

— Apenas ouça. É só o que eu preciso agora. – Ele assentiu. – Sabe, nunca recebi afeto por parte de meu pai. Ele nunca me olhou nos olhos pra dizer que me amava. Enquanto estava preso, não me ligou. E desde os meus 12 anos, eu não soube mais dele. Ele simplesmente sumiu do mapa. Posso dizer o mesmo de minha mãe. E isso tudo me abalou de uma forma, que talvez você não imagine. Eu era inteligente, me esforçava em tudo que fazia, e tinha planos pro futuro, mas com tanta coisa acontecendo, eu mudei. Comecei a me afastar de todo mundo, Dan. Aos poucos eu me tornava uma garota estranha, me tornava insensível e dava menos valor as coisas. Acabei entrando em depressão. Eu me achava uma inútil, diferente, como se ali não fosse o meu lugar. Como se eu não soubesse mais o que era ser feliz.

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— Não fale assim, Lua. – Comovido, afastou os cabelos de sua face, permitindo ver suas lágrimas com mais êxito. Seus olhos avermelhados revelavam sua tristeza.

— Eu falo. Eu falo porque foi verdade. Tudo foi. Está vendo isto? – Ela mostrou o pulso esquerdo, repleto de finas e discretas cicatrizes, quase imperceptíveis. – São os cortes que já fiz. Todos eles estão aqui. – Daniel passou os dedos macios e gélidos sobre tais marcas, podendo sentir com suavidade cada vestígio em sua pela clara.

— Não sei como nunca reparei nisto antes.

— Quando completei pouco mais de vinte anos, foi que conheci a Cia. E vocês me ajudaram tanto. Foram uma influencia forte pra que eu desse uma reviravolta naquilo que eu ainda chamava de vida. Obrigada, de verdade. – Suas lágrimas caíam facilmente, como garoa em noite fria de inverno. Ele fez formar um sorriso discreto em sua face. Já sabia que havia ajudado muitas pessoas com a mesma doença, pois é assim que ela deve ser considerada, mas surpreendeu-se ao saber que Luana já sofreu do mesmo mal.

— Não precisa agradecer, linda. – Daniel envolveu-a em seus braços. Ah... aqueles abraços... só ele sabia dar. Eram aconchegantes, e pareciam fazer tudo melhorar de uma hora para outra. Aí estava uma das melhores sensações a serem sentidas por alguém: o abraço. - Vai ficar tudo bem. Já está tudo bem... e... você não se interessa mais em saber como eles estão?

— Não. Não quero ir atrás de pessoas que me fizeram tão mal, que me trataram como se eu fosse insignificante, um nada. Está tudo bem do jeito que está: eu, longe de todos eles.

Daniel nunca imaginou, nem imaginaria, que Luana passara por tamanha dor. Justo ela, tão linda, tão jovem, com pouco menos de trinta anos de idade. E agora, supunha que essa teria sido a causa que a fizera ter aquele lado triste e sombrio que poucas vezes foi revelado. A frieza obscura que ele tanto temeu certa vez.

— Só saiba que agora, ao contrário do passado, você tem boas pessoas ao seu lado, que te dão apoio, carinho, que te fazem rir, que não te abandonam, e que vão estar com você sempre que precisar. Eu sou uma delas. E não esqueça disso.