Segurei-me na janela, sentindo um tremor percorrer todo meu corpo, e me recusei a olhar para trás. Apenas continuei a ouvir todos os sons que meus ouvidos conseguiam captar na tentativa de perceber a aproximação de alguém. Mas era difícil ouvir qualquer som quando meu coração parecia estar batendo a mil por hora ao pé do meu ouvido.

O silêncio mais uma vez dominou o quarto, minhas mãos tremiam e o medo que sentia daquele homem estava quase me fazendo pular pela janela. Olhei para fora, mal conseguindo respirar, e realmente pensei em tal possibilidade. Afinal, na pior das hipóteses eu poderia quebrar minhas pernas e ser atacada por pelo menos um dos três cães raivosos que estavam soltos pelo quintal.

Chorei silenciosamente mais uma vez, não dando a mínima importância para as lágrimas que caíam sobre a camisola, e encarei a árvore logo à frente da janela. Ela era minha única chance, mas ainda sim eu correria um sério risco. O galho que avançava na direção da janela ainda estava a uma distância considerável e poderia não aguentar meu peso.

Estava considerando tudo isso quando ouvi a porta do banheiro, que estava entreaberta, se abrir completamente. Num relance olhei para trás e foi como se eu tivesse perdido completamente o controle sobre meu corpo. Por um momento fiquei zonza e achei que fosse desmaiar, mas permaneci petrificada no lugar, tremendo violentamente, sem quase respirar direito, não fazendo qualquer movimento a não ser desviar meus olhos para o chão ao topar com os olhos dele olhando em minha direção.

Racionalmente sei que foram apenas alguns segundos, mas o medo que senti fez com que a contagem de tempo não existisse em minha mente. Parecia que tanto tempo tinha se passado que tive medo de me olhar no espelho e de repente me ver com os cabelos brancos. Aqueles segundos foram os segundos mais eternos que vivi.

E então, quando achei que aquele seria meu fim, vi a movimentação do homem indo em direção à porta. Num relance o vi saindo. Ele ainda estava ali do outro lado da porta, pois ele estava segurando a maçaneta, e eu sabia que não demoraria muito e ele entraria novamente naquele quarto. Eu tinha só alguns segundos.

Virei-me na direção da janela de vidro e tentei abri-la. Ela estava trancada, como era de se esperar. E ter consciência daquilo quase me fez entrar em desespero.

"Pense!", ordenei a mim mesma, passando os olhos pelo quarto.

O que eu poderia fazer?

Olhei para a penteadeira e achei que se eu usasse a cadeira para quebrar o vidro talvez eu conseguisse escapar. Mas eu estava descalço. Corri em volta do quarto procurando o que calçar e encontrei um par de sapatos do outro lado da cama. Eles ficaram bem mais largos que meus pés, mas daria para o gasto. Ao passar perto da porta para ir em direção à penteadeira, fiz o máximo de silêncio possível, trancando até a respiração para que ele não me ouvisse e entrasse.

Meu coração estava a mil, mas eu tinha que me concentrar. Agarrei a cadeira e não pensei em nada. Coloquei todas as minhas forças naquela ação e a joguei contra o vidro. O barulho foi ensurdecedor e quando abri os olhos lembro-me de ter visto apenas duas coisas: A árvore bem à minha frente com as folhas sendo balançadas pelo vento, e o homem parado na porta, surpreso, olhando em minha direção.

No desespero me pendurei na janela e acabei cortando minhas mãos. Mas pouco me importei com aquilo. Só fui perceber que estava sangrando quando estava no chão, onde também senti minhas costelas doendo. Tinha pulado na direção do galho mais próximo e como eu previ, ele não aguentou meu peso. Só não foi pior porque um galho mais embaixo amorteceu minha queda.

Levei mais alguns segundos para me situar, e isso só aconteceu porque ouvi o homem berrando da janela, num idioma que eu não entendia. O que ouvi depois foi o som dos tais cães raivosos. Não sabia onde eles estavam e de onde viriam, mas levantei-me e corri na direção do portão. Ele era alto e por um momento duvidei que fosse conseguir escapar. Mas eu não podia desistir. Iria escalá-lo até à morte.

Peguei minhas roupas que estavam caídas no canto no edifício e olhei em volta. Não havia ninguém por ali. Foi estranho. Não era para eles estarem me seguindo ou algo do tipo? O que estava acontecendo eu não sabia. Só sei que aproveitei a oportunidade e me escondi atrás de um carro, onde troquei minhas roupas. Fiz aquilo tão rápido que não me surpreenderia se as tivesse vestido do lado avesso. Dei mais uma olhada pelo local e corri na direção do portão. Tomei todo o impulso e o escalei, pulando para o outro lado sem me importar com a altura.

Eu estava livre. E sorri com aquele fato. Só gostaria que aquilo tivesse durado mais tempo. Ao olhar para trás antes de continuar a fugir, vi o homem correndo na direção do portão. O que mais me aterrorizou não foi vê-lo correndo, mas sim a expressão de ódio que ele tinha nos olhos. Estava tão furioso que era difícil acreditar que ele era a mesma pessoa que estava olhando surpreso para mim antes que eu pulasse a janela.

Agora eu tinha que lutar pela minha vida. Se ele me alcançasse eu com certeza não sairia viva dali.

Corri com todas as minhas forças até o fim da rua e quando cheguei à esquina olhei por cima do ombro na esperança de que ele tivesse desistido de vir atrás de mim, mas ao invés disso o vi correndo em minha direção tão rápido que me fez entrar em pânico. Mais do que eu já estava.

Virei à direita e corri olhando em frente, tentando ver o fim da rua. Ela era tão longa e as casas tão muradas que pouco a pouco a esperança de me livrar dele foi dando lugar ao desânimo. Para onde eu fugiria?

—Não!- gritei para mim mesma, com as lágrimas novamente inundando meus olhos e atrapalhando minha visão.

Eu já não aguentava mais a dor que sentia em minhas panturrilhas. Parecia que a qualquer momento a carne iria se rasgar. E meus pés? Foi impossível correr com os sapatos e acabei obrigando-me a larga-los na rua e correr descalço sobre o asfalto quente.

—Não! Pare de me seguir!- gritei, quase perdendo o controle do meu corpo.

Eu não aguentava mais.

Num relance olhei por cima do ombro mais uma vez e vi que ele estava cada vez mais próximo.

—Socorro! Alguém me ajude!- comecei a gritar pela rua parecendo uma louca. -Socorro! Socorro!!

Estava a ponto de desistir e me deixar cair, mesmo sabendo que eu iria me machucar muito -mais do que eu já estava- se caísse no asfalto, quando vi um homem sair de uma rua transversal, pedalando uma bicicleta. Eu não o conhecia, não sabia se ele era uma pessoa de bem ou não, só sei que ao vê-lo a minha esperança reacendeu.

Gritei mais uma vez enquanto me aproximava dele pedindo para que ele me ajudasse, e ele rapidamente passou por mim e pedalou de encontro ao homem. Nem olhei para trás para ver o que estava acontecendo, se ele tinha conseguido parar o cara que estava me perseguindo ou não. Tudo o que fiz foi correr o máximo que pude. Subi um pequeno morro, desci e entrei correndo no quintal de uma das casas cujo portão estava aberto.

—Por favor, me ajude!- praticamente caí de joelho diante de uma mulher de cabelos grisalhos. –Ele... quer me pegar. Por favor... Me ajude...- foram as últimas palavras que saíram da minha boca antes que eu caísse desmaiada.

Quando eu acordei, estava novamente deitada em um sofá. Ter consciência disso me fez dar um pulo de susto, apavorando-me com a possibilidade de estar novamente naquele lugar.

—Calma...- a mesma mulher de antes se levantou da poltrona em que estava sentada e veio em minha direção, visivelmente assustada com o pulo que dei.

Olhei em volta rapidamente e assim que constatei que estava segura sentei-me no sofá e tentei acalmar meu coração, que estava aos pulos. Não demorou muito para que ela se apresentasse dizendo se chamar Priscila. Ofereceu-me comida, bebida e repetiu inúmeras vezes que eu estava segura e que eu devia me acalmar.

—Achei que você ia morrer.- comentou ela enquanto eu devorava um pedaço de bolo. -Você simplesmente entrou correndo e caiu na minha frente...

Dei um sorriso amarelo de constrangimento e tentei não lembrar aquela cena. Mas era difícil. Aquelas situações vividas simplesmente não saiam da minha cabeça. Contra minha vontade cenas e mais cenas dos momentos aterrorizantes que vivi apareciam em minha mente. Minha vontade era de chorar. Chorar por te passado por aquilo. Por não saber o que tinha acontecido para que eu fosse parar naquele lugar. Por não me lembrar de nada. Por não saber onde eu estava. Por não saber o que iria acontecer. Por medo de que ele a qualquer momento aparecesse em minha frente...

Só em pensar em tal possibilidade já me fazia querer correr para dentro de algum quarto e me esconder em baixo da cama, como se isso pudesse me oferecer alguma segurança.

Eu já estava há um tempo ali, porém estava tão traumatizada e apavorada minhas mãos simplesmente não paravam de tremer. Eu estava observando-as, tentando fazê-las parar de algum modo. Desisti.

Olhei para Priscila e vi que ela estava olhando para mim. Ela deu um sorriso triste, sentindo pena de mim, e passou a mão no rosto. Uma lágrima estava tentando fugir de seus olhos.

—Espero que você não se importe, mas terei visitas daqui a pouco. Você chegou tão de repente...

—Perdão. Não quero atrapalhar...- foi tudo o que consegui dizer, sentindo-me uma intrusa e extremamente envergonhada.

Pouco a pouco um grupo de amigos dela começou a entrar. Havia dois homens e duas ou três mulheres. Estava me sentindo tão mal que permaneci com os olhos fixos no chão o tempo todo. Não me arriscava a olhá-los, sorrir e cumprimenta-los como se os conhecesse. Aquela não era uma situação confortável para mim. Queria ter pedido para Priscila a permissão para ficar no quarto, mas que direito eu tinha para pedir algo dessa natureza? Éramos totalmente estranhas uma à outra.

Não tive alternativa a não ser ficar entre eles. E durante as duas horas que se seguiram continuei sentada no sofá, olhando para o chão enquanto observava a sombra da grade da janela mudar de posição conforme o sol ia se pondo, não pensando em nada além do medo e do pânico que me invadiam a cada vez que alguém abria uma porta.

Foi complicado e a principio resisti bastante, mas no fim cedi às tentativas de aproximação das pessoas que vinham falar comigo. Afinal, eu estava em um local seguro, cercada por pessoas de bem.

Com delicadeza, Priscila explicou a minha situação para eles, já que eu estava quieta num canto sem me misturar, e eles entenderam e foram atenciosos comigo, dizendo que eu podia contar com eles para o que eu precisasse. Sorri e agradeci imensamente a eles, enquanto internamente pensava no que iria fazer no dia seguinte.

Eram aproximadamente nove horas da noite, todos conversavam animadamente e preparavam-se para fazer um lanche. O combinado foi encomendar umas porções de uma lanchonete próxima, e enquanto esperávamos continuamos conversando. Quero dizer, eles conversavam. O único sinal de vida que eu dava era rir quando alguém falava algo engraçado e responder às perguntas que me faziam. Há essa altura eu já estava mais relaxada. Foi preciso horas para conseguir me convencer de que tudo ia ficar bem e que agora eu estava a salvo. Até que alguém teve a infeliz ideia de irmos conversar no quintal da casa de Priscila. Eu quis morrer.

E se o cara ainda estivesse me procurando? E se ele me visse ali?

Todos foram se levantando e saindo porta à fora e eu internamente tentei fingir que era invisível. O que foi ridículo, pois eles obviamente me chamaram. Na situação em que eu me encontrava, intrusa e estranha a eles, me vi na obrigação de me levantar e ir até o lado de fora.

A primeira coisa que fiz foi olhar para o céu. Lá estava a constelação de Órion, a minha preferida. E ali fiquei observando as estrelas ao passo que torcia para que as horas passassem rapidamente, todos fossem embora e eu pudesse voltar para dentro de casa. Por duas vezes fui ao banheiro e fiz questão de me demorar lá dentro, mesmo sem fazer nada. Na terceira vez, ao voltar para o quintal, encontrei todos sentados, em silêncio, observando a rua. Encontrá-los daquela forma fez meu coração palpitar.

—Acho que é melhor entrarmos.- disse Priscila, olhando para o céu e em seguida para a rua, deixando-me inquieta e nervosa.

Acho que eles perceberam que eu estava sendo meio paranoica, já que eu ficava olhando em volta a todo o momento tentando fugir ao máximo da proximidade das portas e janelas.

Para meu alivio, as porções chegaram e fomos para a cozinha, que ficava nos fundos da casa, bem longe da rua. Quando dei por mim, estava com as mãos tremendo novamente, não conseguindo evitar sentir aquele medo horrível. Não quis comer muito, até porque nem conseguiria. Estava me sentindo tão mal que seria difícil segurar a comida no meu estômago por muito tempo.

Pela quarta vez fui ao banheiro. Aquela sensação terrível que parecia não querer me largar estava me deixando enjoada. Joguei um pouco de água na cara e quando saí fui até a cozinha.

Não havia ninguém. E como eu não podia ficar sozinha, pois me trazia a sensação de insegurança, caminhei pelo corredor na direção da sala. Ao me aproximar da porta pude ver a sombra de alguns deles projetada no chão. Alguns estavam sentados no sofá, em silêncio. E na poltrona, de frente para a porta onde eu estava, estava ele.

Vê-lo sentado de pernas cruzadas naquela poltrona olhando friamente em minha direção fez meu coração parar de bater por um segundo, voltando a bater em seguida para liberar uma descarga de adrenalina tão grande que quase me fez perder os sentidos. Eu pude sentir aquele frio percorrer todas as minhas veias. Pude sentir minha visão ficar turva e minhas pernas perderem a força. Tentei dar alguns passos para trás, me recusando a acreditar no que via, mas não consegui. Sem uma palavra sequer ele lançou a camisola em minha direção, e ao ver aquele vermelho escarlate sobre meus pés eu fechei meus olhos e desisti.

Tudo aconteceu tão rápido que muito do que aconteceu naquele meio tempo se apagou da minha memória. Lembro-me de ter respirado fundo antes de abrir os olhos e vê-lo parado na porta, com os braços cruzados, olhando para mim. Era impossível olhar diretamente para ele. Como um cãozinho medroso e indefeso, eu fiquei sentada na beirada da cama, toda trêmula. Por um bom tempo ele não falou nada. Com os braços voltados para trás ele caminhou de um lado para o outro no quarto, passando em minha frente. E nem é preciso mencionar que a cada vez que ele se aproximava de mim eu fechava os olhos, temendo o pior.

Eu estava com as mãos sobre minhas pernas, com os ombros encolhidos, não querendo abrir os olhos ao saber que ele estava tão perto. Até que ele começou a falar. Falou e falou, continuando a caminhar de um lado para o outro. Contudo, eu nada entendia do que ele falava. Arrisquei abrir os olhos e erguer minimamente a cabeça. Foi nesse momento que ele deu um passo mais largo e sentou-se rapidamente ao meu lado.

Meu coração quase saiu pela boca e eu teria pulado a janela mais uma vez se ele não estivesse tão perto de mim. Eu facilmente seria agarrada se tentasse qualquer movimentação.

—Sabe...- ele falou, com aquela voz grave que me fez estremecer e me encolher ainda mais.

Ele ficou um tempo em silêncio, sentindo o olhar dele sobre mim, e por algum motivo eu acabei olhando para ele. Diretamente nos olhos dele.

—Eu estou com muita raiva de você, mas estou me controlando para não te machucar.

Ele não estava a mais do que um palmo de distância do meu rosto, e como eu quis que aqueles olhos verdes estivessem dizendo a verdade.

Fechei os olhos uma última vez e quando os abri ele não estava mais ali, diante de mim. Tudo o que vi foi a escuridão do meu quarto e o coração batendo acelerado dentro do peito, dizendo-me que tudo não passara de um pesadelo. Apesar disso, ainda posso vê-lo olhando em minha direção quando fecho os olhos todas as noites antes de dormir.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.