Ela quase perdeu o trem. Quase.

Mas no fim, Liesel Dungl havia conseguido graças à sua excelente condição física. Vinda de uma de família de médicos e farmacêuticos, era a caçula e única menina de uma prole de cinco filhos. Lilly, como é chamada carinhosamente, é uma jovem idealista e sonhadora. E, em tempos recentes decidiu que se tornaria uma Piloto. Seu irmão Ludwig tinha o mesmo intento, mas cedeu ao medo e não passou nos testes e nem ao menos entrou na subdivisão da F1, conhecida como Grupo de Recrutas F2. Sua família ficou um pouco aliviada com o fato, mas tornaram a se preocupar quando Liesel decidiu que ela iria. No começo foi um pouco difícil, mas a família acabou cedendo, pois acreditavam que ela também provavelmente desistiria e voltaria para casa.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Mas quem disse que Lilly estava disposta a desistir.

Ela sabia que seria árduo, ainda mais pelo fato ser uma garota. Não que isso fizesse diferença para ela, mas para os outros parecia fazer. Não eram muitas as mulheres que arriscavam o pescoço para ir a combate. Lilly nunca vira os anômalos de perto, mas já tinha presenciado três evacuações em Viena, quando possíveis focos de ataques de anômalos eram anunciados. Nessa época ela viu alguns pilotos ajudando os cidadãos a se abrigar. Entre eles, estava um tal Von Tripps, que usava um armamento especial, uma armadura Ferrari.

Praticamente em todas as cidades europeias existiam os Abrigos Anti-Anômalos, que eram subterrâneos, sempre no eixo central das cidades. A Europa era o principal foco dessas criaturas, seguida da América, América do Sul, parte da África e da Ásia. Essas criaturas simplesmente matavam pessoas sem motivo aparente, não se alimentavam ou algo do tipo. Só matavam mesmo. Eram uma grande incógnita aterrorizante.

Lilly, assim com outros sonhadores queria decifrar o que tinha por trás daquelas criaturas insanas. Então lá estava ela, ofegante com suas malas finalmente entrando no trem. Agora por fim sentada, ela acaba por chamar a atenção dos demais garotos que já estavam no trem, inclusive o de seu então colega de acento. Ah, sim o nome dele era Niki, como ele havia se apresentado.

— Prazer Niki!

A garota pensou em prosseguir com uma conversa, mas o rapaz à sua frente parecia mais interessado no texto que começara a ler, deixando Lilly inicialmente sem jeito. A garota era extrovertida e gostava de puxar assunto, mas pelo visto aquele sujeito, não. Possivelmente, pensou Lilly, ele fazia o tipo sério e calado. É, Niki era esse tipo de garoto, mas a verdade era que ele estava apenas querendo ler...

O trem deu um solavanco indicando finalmente que começara a partir, fazendo seu barulho caraterístico, mexendo seus trilhos. Passeando os olhos ela notou uma pequena etiqueta pendurada em uma das malas de seu companheiro de acento. Nela continha três nomes:

ANDREAS NIKOLAUS LAUDA

‘Lauda”. Aquele nome não lhe era estranho. Havia uma família muito rica em Viena que tinha esse sobrenome. Será que esse garoto era um possível parente deles?

— E então? Já pensou em que escuderia vai entrar?

Niki demorou alguns segundos para tirar os olhos do papel, e então a encarou. Se tivesse perguntado outra coisa provavelmente ele nem teria olhado, pensou Lilly com certo divertimento. A jovem olhou o rapaz de forma mais estudada. A cara rosada, o nariz pontudo, lembrava o pouco um bico de uma ave de rapina. Ele tinha cabelos que transitavam entre um loiro escuro ou castanho claro, eram desalinhados e caiam de um lado do rosto. Olhos azuis firmes e lábios finos, e ainda tinham aqueles dentes. Oh, aqueles dentes eram engraçados. Lembravam um pouco a aparência de um...

— Escuderia?

— É – ela disse como se fosse algo óbvio – não sabia disso?

— Claro que sei – ele falou com certa arrogância – mas ainda não tenho uma em mente. Assim como sei que temos que passar por alguns testes de seleção para poder escolher.

Lilly moveu a cabeça concordando.

— Hum – ela colocou o dedo no queixo de forma sonhadora – eu irei para Ferrari. Quero ser tão boa quanto Fangio!

Fangio foi um dos Pilotos pioneiros, fez proezas sublimes durante a época mais primitiva da Divisão, atualmente estava afastado, para o alívio da mãe dele.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Ferrari? – Niki riu com certo sarcasmo – Acho que você deveria ser mais realista. Não é todo mundo que pode controlar aqueles exoesqueletos. Só caras com alto nível para controlarem aquelas engenhocas.

— E que tipo de pessoa poderia chegar lá? – a garota retrucou o olhando com divertimento – Você?

— Eu – o garoto disse com muita confiança – Claro, eu poderia.

— Desculpe – ela riu – mas, fica difícil de acreditar nisso.

Niki fez uma careta, era possível ver um vinco em sua testa.

— Vou lhe mostrar senhorita, não só isso como também serei um dos melhores Pilotos que Divisão verá.

— Wow! – a garota exclamou de forma teatral – Tá bom, senhor metido a sabichão, caso, não tenha percebido, eu lhe preguei uma peça.

Niki piscou os olhos confuso.

— O quê?

Lilly sorriu de lado.

— Não é a gente que escolhe a escuderia, é ela que que escolhe a gente!

Niki cruzou os braços e a encarou com ar desafiador.

— E o que lhe faz ter tanta certeza disso, garota?

Lilly tirou um livreto do bolso do casaco, era bordô e tinha escrito na capa.

“REGULAMENTOS DA TROPAS ESPECIAIS DA DIVISÃO F1”

Niki abriu um pouco a boca, apesar de contido era visível que estava incrédulo.

— Página 15 do manual – ela respondeu divertida.

— Onde conseguiu isso?

— Do meu irmão – ela falou.

— Ele é Piloto?

— Não, tentou né, mas fracassou nos testes de seleção – ela se aproximou dele e sussurrou – ele disse que é bem difícil.

— Hum, vai ver ele era incompetente – o garoto mexeu os ombros passando indiferença.

- Chamou meu irmão de incompetente? – Liesel arqueou a sobrancelha.

Niki fez um “beicinho” e sacudiu os ombros.

— Se as pessoas falham são incompetentes!

— Ora, e se fosse você? Seria incompetente também?

— Lógico! – ele respondeu de forma altiva – Mas neste caso, não serei um!

Lilly riu do comentário.

— Você é hilário!

— Obrigado! – uma parte dos lábios de Niki queria se curvar em um sorriso, porém bem contida.

Niki se sentou de maneira mais confortável, cruzando as pernas e apoiando o rosto com uma das mãos.

— Agora me conte – ele falou curioso – como conseguiu vir até aqui? Digo, sua família deixou?

— É, deixaram, como posso dizer, fiz eles acharem que não irei conseguir e que logo estarei de volta. E você?

Niki fez uma careta engraçada e então disse com certa frieza.

— Não tive a mesma sorte. Fui expulso de casa.

Lilly piscou os olhos.

— Nossa! Isso deve ter sido difícil, afinal, é sua família.

— ´É uma longa história, mas resumindo, eu queria uma coisa, eles queriam outra, e, como não chegamos a um acordo, eu sai de casa. Simples assim.

— Não se sente triste?

— Não – ele respondeu – não vejo porque afinal todo mundo sai da casa dos pais um dia. Eu só saí de um jeito diferente do convencional.

“Bem diferente mesmo” pensou Lilly.

— Você pilota alguma coisa? – Niki perguntou de repente.

— Tirei minha licença há alguns meses, dois ou três, não me lembro. Mas dirigo desde os dozes. Desde cortador de grama, carro, trator...

— Trator?

— É, eu sempre o faço quando vou passar um tempo na fazenda do tio Willy, aprendi alguma coisa de mecânica quando Pert, empregado dele me mostrou como concerta um trator. Dirigir aquela coisa é um barato. E você?

— Ando em tudo que tem rodas – foi o que ele disse – conheço tudo de uma anatomia de um carro. Sei inclusive como perceber quando ele está com algum problema.

— É mesmo? – a menina se ajeitou no acento – Como?

— Com o traseiro.

— Desculpe – Lilly achou que ouvira errado – o que disse?

— O traseiro. Veja bem, eu não sou lá um gênio, mas sei que tem um bom traseiro pra sentir tudo em um carro – ele comentou com se estivesse falando do clima.

Liesel riu.

— Sério? Nunca ouvi falar nisso...

— Devia experimentar, iria concordar comigo!

— Tá, deixa eu ver se eu entendi, traseiros são ótimos para controle de qualidade de um automóvel.

— Acha ridículo, não é?

— Não, eu não quis dizer isso – ela achou que o tinha ofendido.

— Nem – Niki fez um sinal de descarte com a mão – é ridículo, mas realmente funciona. Agora, eu presumo que a divisão exija mais do que habilidades de pilotagem, não?

— É, tem várias coisas aqui no manual – ela pegou o pequeno livro – meu irmão me disse que é um verdadeiro funileiro.

— A com certeza. Pode apostar que deste vagão, quase ninguém vai passar.

— Mas você acha que vai – ela deu um meio sorriso.

— Sim.

— Ah, então eu consigo também! – Lilly bateu as duas mãos.

— O que está insinuando? – Niki não pareceu ter gostado do comentário dela.

— Ora, se você conseguir, eu também vou, simples assim!

Após horas de viagem o trem, que havia partido de Viena parara em outros pontos da Alemanha e agora se encontrava em Paris, durante este percurso alguns outros rapazes foram entrando. Eles logo ficavam curiosos por causa de Liesel, afinal ela era a única garota ali.