Com o passar dos anos, nós fomos crescendo, amadurecendo e eu aprendi que precisava trabalhar duro, e assim eu fiz. Peter se tornou um grande príncipe. Embora muito mulherengo, sua essência ainda era a daquele garotinho que caçava borboletas comigo no jardim. Eu já tinha 18 anos, ele tinha 21, no próximo ano ele já receberia o seu título de sucessor do Rei Alfred. Era um ano importante, ele tinha muitas coisas para fazer todos os dias, mas nunca quebrava a tradição de bater na janela do meu quarto ao amanhecer e me contar tudo o que iria fazer durante o dia, além de me falar sobre as pobres mulheres que ele havia seduzido na noite anterior, que pensavam que ele seria o príncipe encantado das histórias dos livros, e acabavam por se desiludir bruscamente. Não me leve a mal, ele era um grande homem, mas para ver o quão carinhoso e gentil ele era, seria preciso muita paciência, ele jamais mostraria quem realmente é para alguém em quem não confiasse. Por isso ele ficava escondido em baixo dessa capa de galanteador.
Eu estava me arrumando para começar a trabalhar e já estava na hora de Peter chegar. Eu tentava, sem sucesso abotoar os botões mais altos da parte de trás do meu vestido até que ouvir alguém bater na janela. Obviamente eu sabia quem era e falei:
— Entre logo e venha me ajudar! — o ouvi descendo da janela e o vi pelo reflexo do espelho, vindo atrás de mim.
— O que foi agora? — disse em um tom debochado
— Só abotoe aqui atrás pra mim, por favor. — senti seus dedos segurando os botões e colocando-os com delicadeza
— Bem, normalmente as mulheres pedem para que eu faça o contrário, mas eu também sou bom nisso. — falou com a mesma cara debochada de sempre, soltando o vestido.
— Que bom que eu não sou uma delas, então. — falei, me virando para ele;
— Bom, levando em conta a noite passada, eu realmente acho que só você pensa assim.
— E quem foi a vítima dessa vez?
— Lady Froyer.
— Que ela não é santa eu já sabia, mas não pensei que seria tão burra de cair nas suas mãos.
— Ei, não fala isso não. Assim você machuca os meus sentimentos. — disse ele com a cara triste mais falsa que eu já vi
— Oh, me desculpe vossa alteza.
— Tudo bem, está perdoada. Mas, mudando de assunto, quais são as novidades por aqui?
— Bom, o mundo dos empregados não é muito agitado.
— Eu sei, mas deve ter alguma coisa. Pode contar.
— Está bem. As meninas me pediram segredo, mas eu não posso deixar de te contar isso.
— Então conte.
— Aconteceu de novo. Com a Helena. Na ala oeste.
— Meu Deus! Como assim? É a segunda nesse mês. Ela disse quem foi?
— Ela não quis dizer, mas pelo que as garotas estavam falando, foi um dos nobres que vieram do reino de Beramont. Eu não consigo nem expressar o nojo que sinto desse tipo de homem!
— Isso está saindo do controle. Já foram 4 serventes estupradas.
— O pior é que elas nem podem se defender. Me arrepio só de pensar que poderia acontecer comigo, e... — ele me cortou antes que eu terminasse.
— Ei, isso não vai acontecer com você! Nem que eu tenha que matar o desgraçado com as minhas próprias mãos.
— Não diga uma coisa como essa. Você sabe que não é uma coisa que possa impedir antes que aconteça.
— Mas eu posso evitar. Você é a serva da minha mãe. Nunca precisará ir para a ala oeste. — ele percebeu que eu estava ficando abatida com isso. Colocou suas mãos em meu rosto e olhou no fundo dos meus olhos — isso não vai acontecer com você. Confie em mim.
Eu confiava. Era a pessoa em quem eu mais confiava no mundo. Lhe dei um forte abraço, que me fora retribuído com a mesma intensidade. Dava pra sentir a preocupação, a cumplicidade, pura e genuinamente demonstradas em apenas um simples abraço. Depois de alguns segundos, me afastei e disse:
— É melhor se apressar. Sei que deve ter compromissos hoje de manhã.
— Sim, eu tenho. Te vejo mais tarde?
— Com certeza. — disse, dando um sorriso de lado.
Ele me deu um beijo na testa, se dirigiu até a janela e deu um salto para fora. Olhou para os lados para ter certeza de que ninguém o vira e saiu andando.
Terminei de me arrumar e saí do quarto, em direção à cozinha. Além de ver minha mãe, eu tinha que levar o café da manhã para a rainha. Meu trabalho, na verdade, não era tão difícil, ou braçal. Eu só levava as refeições da rainha e a ajudava com o que ela me pedisse.
Cheguei à cozinha e logo avistei minha mãe, que já fazia uma massa para pães e seu avental e partes do seu vestido laranja já estavam bastante sujos de farinha. Seus cabelos castanhos, presos no topo da cabeça e cobertos por uma redinha branca permaneciam intactos. Ela finalmente me avistou e me deu um sorriso apressado enquanto sovava, sem parar, a massa de pão.
— Bom dia, gente — eu disse a todas. A maioria me respondeu, outras que estavam muito ocupadas apenas me deram um sorriso e voltaram para seus afazeres. Cortei o mar de mulheres trabalhando apressadas, fui até minha mãe e lhe dei um beijo na bochecha.
— Dormiu bem? — perguntei, a abraçando enquanto ela sovava a massa sem parar — Não te vi saindo essa manhã
— Acordei um pouco mais cedo para receber a encomenda de maçãs que estava para chegar. — ela tirou minhas mãos de seus ombros com delicadeza — filha, eu tenho muito a fazer agora. Conversamos mais tarde, tudo bem?
— Claro. Volto aqui depois do almoço.
— Obrigada, querida. — disse, me jogando um beijo no ar e voltando a se concentrar nos pães.
Peguei a bandeja da rainha que, como de costume, tinha um chá de hortelã, uma pequena torta de maçãs silvestres e um bolinho que, provavelmente, era de laranja. Fui andando um pouco mais rápido que de costume, pois havia me atrasado um pouco naquela manhã. Tudo culpa do Peter — pensei, rindo por dentro — logo cheguei até a sala onde a rainha costumava comer, eu a vi sentada em sua poltrona de veludo azul que me parecia incrivelmente confortável. Ela olhava o jardim pela janela, como quem procurava algo. Me lembrei de quando a encontrava naquela mesma cadeira contando lindas histórias para Peter e Archie.
Dei duas pequenas batidas na porta já aberta.
— Majestade... — esperei que ela me olhasse de volta — posso entrar?
Ela me deu um pequeno sorriso e fez que sim com a cabeça. Levei a bandeja até a pequena mesinha que estava ao seu lado. Perto dela também estava a sua coroa. Seus cristais e diamantes brilhavam lindamente. Esperei que ela me pedisse mais alguma coisa.
— Obrigada, Anna. — segurou o chá, tomou um pequeno gole e olhou para os lados, se certificando de que não havia nenhum guarda na sala, então olhou para mim — Viu Peter hoje? Preciso urgentemente falar com ele.
— Ele falou comigo mais cedo, mas não me disse para onde iria. Apenas comentou que eram compromissos reais, senhora.
— Tudo bem. Mas se tiver alguma notícia, por favor, me fale.
— Sim senhora.
Logo depois que terminei de pronunciar as palavras, percebi uma pequena agitação do lado de fora da sala; não conseguia ver o que era, mas percebi que os guardas estavam se colocando em posição — deve ser uma visita real — pensei. Mas quando olhei para o lado, percebi que a rainha estava se levantando, com um sorriso no rosto. Não poderia ser o que eu estava pensando, ele ainda demoraria algumas semanas para voltar, mas quando olhei novamente para a porta, lá estava ele. Archie. Sem mais cerimônias, falou.
— Sentiu saudades, mãe? — ele estava ótimo, parecia feliz. Tinha ido a uma viagem diplomática em um reino distante. Olhava para sua mãe com uma alegria eminente estampada em seus olhos verdes brilhantes. Seus cabelos pretos delicados que caiam de seu topete mal arrumado, como sempre, balançavam graças ao vento que entrava pela janela. Ele nunca gostara de muito luxo. Estava usando uma de suas "botas especiais diplomáticas" com uma calça preta um pouco amassada, presumo eu que, por causa da viagem. Mas, sua blusa branca, folgada e despojada jamais faria com que qualquer um pensasse que ele é um príncipe. Até porque ele nunca fora do tipo que usa uma coroa a todo momento. Eu estava muito feliz em vê-lo, e mal conseguia esconder a minha alegria. Após um abraço bem apertado em sua mãe, ele olhou para mim, sabia que eu estava morrendo de saudade, ele também parecia estar. Olhou para sua mãe novamente. Ele nem precisava falar. Ela sabia exatamente o que ele queria. Logo olhou para os guardas e fez sinal para que saíssem. Olhei para ela como quem esperava uma liberação.
— Aproveitem antes que eles retornem. Irei pegar um sapato e já volto.
A rainha saiu até uma porta que levava até o seu closet pessoal, entrou nele e fechou a porta. Eu e Archie nos olhamos como duas crianças brincalhonas e corremos em direção um do outro. Nos encontramos em um abraço tão apertado e gostoso que eu jamais ia querer parar. Ele me segurava fortemente pela cintura, o que fazia com que eu me sentisse mais segura e tivesse que ficar na ponta dos pés . Eu agarrei seu pescoço e deitei minha cabeça em seu ombro. Foi como se não fossemos mais nos soltar, e talvez realmente não quiséssemos.
— Senti sua falta. — disse sem sair da posição que estava.
— E eu, a sua, baixinha. — riu e apertou um pouco mais.
Ficamos assim por mais uns segundos até que nos separamos.
— Pensei que só fosse voltar em duas semanas.
— Eu também pensei, ocorreram uns imprevistos no caminho, mas não se preocupe. O importante é que estou aqui.

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