A ficha demorou a cair quando Pedro acordou no dia seguinte, no fundo de sua mente alguma coisa lhe alertava que tudo estava estranho, mas a sonolência, culpa de ter ficado acordado quase a madrugada inteira na casa de tia Ana, não lhe permitiu assimilar a verdade.

Entretanto, quando enfim conseguiu, ele chorou copiosamente, desejando que tudo aquilo, os dois dias anteriores, não passassem de um sonho horrível que ele rapidamente esqueceria quando acordasse e abraçasse firmemente o vovô Eduardo como fazia todas as vezes em que o via. Que doce ilusão era aquele pensamento.

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Seus pais sabiamente não disseram nada quando saiu tarde do quarto e resolveu não almoçar, ele se sentia tão vazio por dentro, que não precisaria nada mais que um pequeno gatilho para fazê-lo começar uma discussão que, sabia, se arrependeria amargamente mais tarde.

Foi somente de tarde que ele se lembrou da caixa que recolhera da casa de seu avô no dia anterior. Tinha chegado tão cansado da casa de tia Ana que jogou a mochila no chão, por baixo de toda a roupa que tirou logo depois.

Pedro hesitou ao abrir a caixa simples de MDF, coberta por um tecido florido já desgastado pelo tempo, tinha medo que suas esperanças fossem vazias e que não houvesse nada realmente importante lá dentro, algo que o ligasse a pessoa mais maravilhosa que conheceu em toda a sua vida.

Então, imagine sua surpresa ao descobrir diversos papéis amarelados presos por uma fina fita encardida, repletos de uma caligrafia que não correspondiam com a de seu avô.

Decepção o preencheu, tinha querido tanto esse contato. Quase colocou a tampa do objeto de volta ao lugar, entretanto se relembrou que mesmo não sendo bilhetes escritos por seu avô eles eram, sim, importantes. Afinal, quantas vezes tinha visto o homem se esconder em seu quarto e reler aquelas mesmas palavras com tanto carinho? Seriam bilhetes de vovó Maria para o marido?

Não, ele percebeu quando abriu a primeira folha, o nome que assinava todas as cartas era o mesmo e não era sua avó, pelo contrário, era alguém que ele não reconhecia.

Pegou a primeira carta, porque aqueles papéis eram exatamente isso, cartas, disposto a lê-la com mais fervor do que antes, e seguiu para fora, caminhando em direção ao lugar que mais gostava em sua casa: O jardim traseiro.

Tinha aprendido com o vovô que sentar do lado de fora, sob o sol, era uma ótima forma de relaxar. Virou seu costume após isso, algo dos dois.

Encontrando o lugar perfeito para acomodar-se para seguir com sua leitura, Pedro encostou-se no pé de laranja carregado de frutas e abriu a primeira de diversas cartas:

Caro Eduardo,

Sinto-me completamente extasiada em poder dizer que sou sua amiga, já que por vezes desejei ser capaz de fazer tal coisa.

Diziam as primeiras linhas.

O observei sendo amigável com todos os outros, não tendo limites para sua forma acolhedora, e me perguntei como poderia ser capaz de ser assim. Digo, por experiência própria, que pouquíssimas pessoas são como você, protetoras com seus amigos e defensoras de desconhecidos.

Gostaria de agradecê-lo por me ajudar com aqueles garotos que me viam como alvo de piadas, creio que agora eles não me incomodaram mais.

Você é o melhor!

Obrigada mais uma vez,

Alice.

Pedro sorriu ao terminar o primeiro papel, o homem descrito na carta era realmente seu avô, pois ele sempre fora uma pessoa complacente que ajudava os outros quando eles necessitavam e não se calava quando avistava qualquer injustiça.

Partiu para a segunda carta.

Caro Eduardo,

Devo dizer que estou muito contente por você ter passado esse dia comigo, meu amado pôr do sol ficou ainda mais maravilhoso com você ao meu lado.

Espero, do mais profundo do meu ser, que nossa tarde tenha sido igualmente proveitosa para você tal qual foi para mim. Se não foi, tomo como um projeto pessoal compensá-lo com outro passeio ainda mais maravilhoso.

De sua amiga,

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Alice.

E a outra:

Eduardo,

Todos sairemos para visitar o campo hoje, seus amigos estão muito animados. E eu também, já que eles me aceitaram de uma forma que nunca imaginei.

Venha conosco!

Estarei esperando,

Alice.

Pedro gostaria tanto de saber quem era a tal Alice, como conhecera seu avô, o que ela era para ele e ainda, quando esses bilhetes foram escritos, porque os que vira até agora não continham nenhum tipo de data, ou sentido. Talvez até ele mesmo não estivesse seguindo a ordem, mas como ele poderia saber qual era?

Eduardo,

Sinto que você esteja doente e tenha faltado nas aulas.

Desejo melhoras,

Alice.

Havia vários bilhetinhos curtos como esse, que não poderiam ser classificados como cartas, e Pedro decidiu lê-los primeiro.

Eduardo,

Tive uma aula absurdamente chata hoje e só você será capaz de me alegrar.

Lanchonete hoje?

Alice.

E.

Perdoe-me por ser essa pessoa tão egoísta, você não merece ser cercado por alguém assim.

Estou me repreendendo por ser tão obcecada como sou.

Desculpe,

Alice.

E.

Ana jura estar apaixonada pelo Maurício e me pediu para lhe questionar se ele estaria interessado em sair com ela.

Alice.

Tia Ana e tio Maurício conheciam a tal mulher? Porque nunca sequer mencionaram seu nome? Ela, ao que parecia, tinha sido responsável por eles começarem a sair.

E.

Minha irmã trouxe um namorado para casa hoje, meus pais o idolatraram e minhas tias ficaram me perguntando onde estava o meu. Foi insuportável.

Alice.

O jovem conhecia bem o sentimento de ser questionado sobre suas namoradas. Não havia uma única festa de família que suas tias não se juntavam ao seu redor e perguntavam incansavelmente sobre quando ele traria uma garota para casa.

E.

Elisa ganhou um gato e está super animada com isso, mas todos parecem esquecer que sou completamente alérgica a felinos, por isso tento ficar o mais longe possível do Mrs. John e esconder meus espirros cada vez mais frequentes.

Alice.

Sinto falta do milk shake da sua mãe S2

Alice.

E.

Parque hoje?

Alice.

E.

Mrs. John foi atropelado por nosso vizinho de meia idade, o senhor Carlos. Ele alegou não ter visto o gato no meio da rua quando o papai foi questioná-lo, mas quando ele estava entrando em sua casa piscou para mim.

Acho que eu não era a única incomodada com os miados incessantes à noite.

Alice.

Pedro riu. Imaginando como teria sido a situação com a jovem e a reação de seu avô ao ler aquele mesmo papelzinho.

E.

Meu pai me bateu hoje, meu rosto ainda dói com as marcas de sua mão e meu coração sangra por pensar que ele pôde fazer uma coisa dessas comigo, mas esse não é o motivo de eu lhe escrever essa carta.

Estou de castigo por "desrespeitar" meu pai, portanto não serei capaz de comparecer em sua casa para o jantar.

Sinto muito,

Alice.

O jovem rangeu os dentes, pensando que tipo de homem bateria em uma mulher, não importando se fosse sua filha ou não, e se não soubesse que aquelas cartas fossem tão antigas, descobriria quem era o pai de Alice para poder tirar satisfações com o homem por sua covardia.

E.

Aquela festa foi incrível! Diverti-me muito e tenho certeza que Ana mais ainda.

Nunca vou esquecer a expressão do Maurício quando ela, meio bêbada, o agarrou e beijou em meio a toda aquela multidão.

Deveríamos ter feito uma fotografia.

Alice.

Céus, Pedro se encontrava cada vez mais confuso. Tinha ouvido aquela história tantas vezes, seja contada por seu avô, por tia Ana ou o tio Maurício, revelando quando os dois começaram a namorar, mas Alice, seja quem fosse, jamais esteve presente em qualquer uma das narrações. Seria ela uma pessoa tão terrível que deixou uma mancha no passado que compartilhavam que passou a ser renegada por antigos amigos?

Mas nada o surpreendeu mais do que a próxima carta:

Querido Eduardo,

Não sou boa com as palavras faladas, você sabe bem disso.

Já se passaram muito tempo desde o último bilhete que escrevi a você, mas esse tem um motivo especial que não pode ser ignorado.

Descobri que estou terrível e completamente apaixonada por você, sei que pode parecer imaturo e inesperado, talvez até mesmo sem sentido, porque você nunca me deu qualquer indício de estar romanticamente interessado em mim, entretanto esse sentimento cresce cada dia mais dentro do meu peito e não pode ser ignorado.

Pedro julgara, erroneamente, que Alice era uma grande amiga que esteve ao lado de seu avô por muito tempo, mas deveria ter sabido mais. Afinal, que tipo de amiga escrevia tantas cartas para outro, e não importava que naquela época (fosse qual fosse) era o único meio de comunicação! Contudo acreditava que seu avô deveria amá-la também, pois qual seria o motivo que o levaria a guardar aquelas lembranças por tanto tempo?

Por favor, lhe peço do fundo do meu coração, se esses sentimentos que cultivo por sua pessoa não forem bem aceitos por você, não me abandone, aprecio em demasia sua presença para ser capaz de conviver sem ela.

Se for necessário, enviá-lo-ei para bem longe, distante, onde ninguém mais ouvirá falar dele e nunca, jamais, farei qualquer outro comentário sobre estar apaixonada por você.

Direi, se alguém ousar perguntar, que confundi os sentimentos e que somente sou grata a você por ter me salvo de uma existência triste e depressiva.

Eu faria tudo que me pedisse,

Alice.

A cabeça de Pedro dava voltas, se encontrava tão perdido. Desejou não ter aberto a caixa, porque agora a curiosidade que lhe corroía era tão grande que ele não descansaria até que encontrasse um motivo para as ações de seu avô e descobrisse quem era Alice sem-sobrenome.