15/08/2005

A saída dá nos fundos da casa, e saio em disparada em direção às árvores que cercam o lugar, tentando me afastar o máximo possível daquele ser cruel que matou Martha. Céus, Martha está morta e agora estou sozinho em tudo isso, estou à mercê desses monstros e não sei quanto tempo posso aguentar isso, minha insanidade e fome crescem à cada segundo e estou tão exausto física e psicologicamente que simplesmente penso em desistir por achar não ter mais forças, então, em um dos passos em ritmo constante que tento manter, piso em falso e rolo sobre musgo e terra, machucando-me com galhos, mas caindo em uma espécie de grande buraco raso, de onde posso escapar, mas no momento resolvo me esconder entre os galhos e folhas enquanto tento detectar som de algo me perseguindo. Parece não haver nada.

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Noto que há uma poça de água com lama e nesse momento nem penso duas vezes, tomo a água imunda feito um animal sedento até não aguentar mais. Acho que comeria um rato agora, ou qualquer outro animal, assim como Martha fez para sobreviver semanas no manicômio, porém, não encontro nada comestível no caminho escuro e tortuoso da mata que me cerca como jaulas de uma prisão.

Continuo minha caminhada enxergando tudo verde com a lente de minha câmera, que serve como meus olhos no escuro, iluminado apenas pela claridade pálida da lua onde pega em poucos lugares da floresta com árvores enormes.

Sinto um vulto passar pelo meu lado direito e viro diretamente para o lugar, mas não vejo nada, ainda assim, acelero o passo mesmo assim.

“Fred”, ouço como um sussurro vindo de longe aos meus ouvidos, uma doce voz, mas assustada.

“Meu amor...”, agora parece vir do lado esquerdo e viro a cabeça assustado tentando captar algo, não sei se posso confiar mais nas coisas que ouço, muito menos neste lugar.

Continuo caminhando, um passo de cada vez.

Esquerda, direita, esquerda, direita.

Não sei quanto tempo passa, mas os sussurros se tornam menos proeminentes, mas em certo momento caio de joelhos no chão porque estou completamente exausto. Minha mente está tão abalada e meu corpo tão abalado e exausto quanto. Não sei mais ao certo o que estou fazendo. Estou sem rumo no meio de matas desconhecidas que até onde sei podem estar infestadas de criaturas malignas e magia negra em seu solo. Só queria sair daqui, mas não vejo como.

Sentado, respirando ofegante grandes lufadas de ar encostado em um dos galhos, olho para meu braço onde a criatura me arranhou ao que parece ter sido séculos atrás. Há apenas uma cicatriz vermelha e sutil que causa coceira e é basicamente isso que faço por um bom tempo, até ouvir um vulto do lado oposto do meu braço e virar-me rapidamente para ver o que está acontecendo, meu corpo já se preparando para uma possível fuga, mas não há nada, pelo menos até eu olhar para baixo perto do tronco perto de onde estou.

Um papel amarelado começa a voar lentamente com o vento do lugar e apesar de ser relutante, reúno forças e corro atrás do bilhete e leio logo em seu verso ”Maria T. Braga” e meu coração bate como uma marreta em meu peito acelerado quando leio as palavras de minha noiva.

“Nós conseguimos escapar, mesmo que tenham mandados guardas atrás de nós. Mari é muito ágil e nos guiou pela floresta até a casa, mas acabamos caindo no covil do demônio.

É o lugar onde elas guardam seus artifícios das trevas, seus livros escritos em línguas que talvez sejam ilegíveis para humanos. Pelo menos descobrimos tudo antes de sermos capturadas novamente.

As bruxas — sei o quanto isso deve soar insano — usam de magia negra e querem ressuscitar um espírito antigo de grande poder que há de as ajudar fortalecendo para alguma guerra. Chamam a criatura de Cucurpita. Não sei, tudo é tão complicado e inacreditável.

Também não sei porque estou escrevendo isso, já que elas nos acharam e é apenas uma questão de tempo para sermos capturada, mas talvez alguém algum dia ache isso. O ritual que planejam fazer deve acontecer no sétimo dia de lua minguante.

Fred, meu Fred, meu amor. Queríamos que tivéssemos mais tempo, mas nunca se esqueç”

E acaba assim, sem nenhum final e lágrimas de desespero escorrem de meus olhos pensando no que pode ter acontecido com ela antes que pudesse terminar seu registro. Mas porque continuo encontrando essas malditas cartas, espalhadas por todos os lugares impossíveis.

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“Você também foi escolhido.” A voz rouca da criatura pálida que me marcou nos tubos volta à minha cabeça e antes que eu possa reformular quaisquer teorias em minha cabeça, ouço grunhidos secos e altos, como das criaturas criadas pelas bruxas e está na hora de correr novamente, mesmo não tendo mais forças, tento manter um ritmo normal até que começo a avistar muitos humanos deformados de todas as maneiras, mas não parecem ser ágeis ou inteligentes como as criaturas que me perseguiram antes. São mais parecidos com zumbis com grandes bolhas avermelhadas por seus corpos.

Pego uma faca de minha jaqueta e encaro enquanto se aproximam de mim.

— Afastem-se de mim! — grito, olhando em círculos, sabendo que não tenho a mínima chance contra todas essas criaturas.

— Me mate. — uma mulher esquelética com pus inflamado pos todo seu corpo sussurra roucamente para mim enquanto cai de joelhos à minha frente e as outras criaturas seguem seu caminho sem rumo pelas matas, como se não tivessem me visto, alguns sem partes d corpo, outros com partes do corpo gigantes e desproporcionais para seu tamanho. Mas todos cobertos de bolhas vermelhas inflamadas, os olhos brancos aparentam cegueira e então encaro a pessoa em minha frente e a verdade sobre eles me atinge como um soco no estômago.

São as experiências com humanos que as bruxas fizeram e deram errado. Elas simplesmente as despejaram pela mata para que vivam em eterno sofrimento por serem defeituosas e não servirem ao seu propósito.

Novamente lágrimas de pavor escorrem de meus olhos enquanto o corpo debilitado da mulher rasteja-se pelo chão, estourando bolsas de pus amarelo pelo chão.

— Me... mate. — ela sussurra entre grunhidos de dor. Acredito que talvez seja a única que tenha consciência sobre o que está acontecendo, os outros parecem estar em um estado catatônico.

Não tenho a coragem, mas preciso fazer isso, preciso livrar essa pobre mulher do sofrimento, então, fechando os olhos, ajoelho-me e cravo rapidamente a lâmina em seu crânio e seu corpo cai sem vida aos meus pés e as lágrimas escorrem como cachoeira de meus olhos e não sei mais o que fazer.

Grito em plenos pulmões porque neste momento não me importo se serei encontrado, penso até mesmo em retirar a faca do crânio do que já fora uma pessoa e acabei de assassinar e fazer o mesmo comigo. Um rápido corte na garganta e toda a dor vai embora.

Depois de um tempo, não há mais sentimentos restantes e as lágrimas secam por si só, e friamente retiro a minha única arma da cabeça da criatura com frieza e continuo a caminhada para lugar algum, para a sobrevivência talvez.

Então ouço passos, como quebrando galhos grossos enquanto pisa e sinto o impacto de cada passo como uma vibração no solo e o poder que emana dele e novamente estou correndo. Mas parece ser inútil porque é como se estivesse em uma esteira, as árvores parecem sempre ser as mesmas e seja-la o que me persegue parece cada vez mais próximo, assim como sinto sua energia, que sufoca-me a cada segundo.

— Pare de lutar, Fred. — a voz chega próxima de seu ouvido esquerdo, forte e poderosa. Os pelos de meu corpo se arrepiam quando ao meu lado encontra-se uma criatura de aproximadamente dois metros com uma cabeça enorme enrugada e roxa. Olhos vermelhos completam a face maligna que contém apenas dois buracos como nariz e a boca fina com dentes afiados como um réptil. — Posso lhe dar tudo que você quer.

Afasto-me abruptamente e caio no chão, sem tirar os olhos e a câmera da criatura um segundo sequer, afinal, é com ela que consigo ver melhor o que me assombra, e desta vez, tenho certeza que é Cucurpita, o espírito que as bruxas querem trazer de volta à vida.

— Posso salvar a vida de Maria. — ele continua com sua voz rouca, tão rouca que ecoa em meus ouvidos. — Não é por isso que você ainda está aqui?

Ele aproxima-se lentamente de fim, reparo seu corpo desproporcional ao imenso cérebro em formado de cuia, as costas são extremamente corcundas, apesar de ser forte.

— Basta você entregar-se no lugar dela, Fred. — num piscar de olhos ele está do lado esquerdo do meu ouvido e tremo com sua presença e quero correr, mas algo me prende, suas palavras, simplesmente fico imóvel ouvindo ao que ele diz. — Você pode se voluntariar e usaremos seu sangue para o sacrifício e ela será livre.

Sinto confiança em suas palavras, não sei por que, mas sinto, são palavras encantadoras e por mais que quisera salvar Maria e sermos felizes junto, fiz tudo isso por ela e talvez o certo seja morrer em seu lugar para que ela saia livre desse tormento eterno. Encaro pela primeira vez a criatura nos olhos e sou envolvido pela certeza de que minha esposa ficará a salvo e minha vida não vale nada agora.

Tudo que sei é que preciso fazer o que Cucurpita quer e salvar minha alma gêmea, mesmo que isso leve à minha morte.