O Rebelde de Ferro

De volta ao controle


Acordei com uma dor forte no braço direito, e reparei que o sangue não estava circulando pela posição que havia dormido, abraçando Amora. Rapidamente desfiz-me do abraço e acabei acordando a garota sem querer.

— O que houve? – ela perguntou desorientada.

Olhei para fora, presenciando os primeiros raios de sol surgirem pela janela de ventilação da baia. Meu corpo estava quente de um modo agradável de baixo daquele manto, e aparentemente a garota não havia morrido de hipotermia. Suspirei e levantei do chão, em busca de minhas roupas estendidas, que estavam quase secas, graças ao clima daquela cidade.

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Vesti-me rapidamente, sem olhar para a princesa e sem saber o que dizer a ela. Quando terminei e virei-me, peguei-a me olhando com uma expressão que não pude entender. Ela chacoalhou a cabeça e ergueu o corpo lentamente, enrolando-se no manto que nos cobria até a poucos segundos atrás.

Eu havia dormido com a princesa. O que ela estaria pensando agora?

— Está se sentindo bem, Vossa Alteza?

— Ontem estava me chamando de princesa e de Amora. Por que mudou hoje?

Enfiei o sapato e dei de ombros.

— Eu não estava em pleno raciocínio devido às circunstâncias. Peço desculpas.

Ela balançou a cabeça e revirou os olhos. Ela nunca tinha demonstrado aquela expressão antes. Seria irritada?

— Ontem estava se saindo melhor.

A garota levantou-se de uma vez e calçou seus tênis ainda molhados. Enrolada no manto, ela deu as costas e saiu pelo corredor em direção ao portão da frente. Segui a garota sem entender absolutamente nada.

— Não entendi o que quis dizer.

Ela parou já no meio do gramado e virou para mim de repente.

— Você não fica irritado quando lhe dou as costas?

— Eu...

— Não fica envergonhado pelo que eu te perguntei ontem? Não fica alegre por estar vivo depois de tudo? – com certeza ela estava com raiva – Você simplesmente salva a minha vida, eu lhe juro uma dívida eterna, dormimos juntos e no dia seguinte você age como se nada tivesse acontecido?

Então era aquilo que ela pensava sobre as últimas horas que passamos juntos. Que deveria significar alguma coisa para mim.

Não significou nada para mim.

Para ela havia significado. Eu podia ver em seus olhos as chamas da raiva encobrindo algo que eu conhecia muito bem no olhar de uma mulher: paixão. Não era uma análise tendenciosa para eu me sentir mais poderoso ou confiante, era uma análise fria e certamente calculada, como seu sempre fazia. As palavras, o rosto e o corpo de Amora diziam tudo o que eu precisava saber sobre ela naquele momento. Estava apaixonada por mim.

— Eu quis dizer que você é frio, cínico e...

— E você está dizendo tudo isso porque não te beijei ontem – assumi o risco em provoca-la.

— O quê? – ela disse engasgada – Como se atreve?

— É a verdade – eu sorri – A senhorita é impulsiva e não mede o que diz... Muito menos ontem.

— Você está me constrangendo! – ela começou a andar, mas não deixei. Puxei o seu pulso e seu corpo tombou para mim com facilidade. Ela parecia fraca, mas eu não me importava, não poderia perder aquela chance – Me solta, Martin Rudolf!

— Se você for delicada e dizer duas palavras mágicas, eu solto – puxei-a para mais perto, até que ela precisasse erguer quase toda a cabeça para olhar em meus olhos.

A garota bufou de raiva e desviou o olhar de mim, dizendo que não faria o que eu havia pedido.

— Não é isso que quer? – meu tom de voz fez com que ela olhasse para mim novamente – Que eu mostre as emoções que estão dentro de mim?

Ela parou de fazer força contrária e soltou os pulsos, deixando-me livre para agir. Envolvi sua cintura com uma mão e com a outra retirei a franja escura que lhe cobria parcialmente o rosto. Os olhos azuis de Amora me fitaram assustados, como se ela não esperasse aquilo de mim, e era exatamente o que eu queria.

Passara tempo o suficiente perto dela para saber que deveria beijá-la naquele momento.

Mas antes que eu eliminasse toda a distância entre nós, um barulho de cavalos vindos do leste me fez ficar alerta. Logo os gritos de vários homens chegaram até nós, antes mesmo que pudéssemos vê-los, e eles chamavam pela princesa. Se fossem os guardas, aquilo sinalizava que a invasão fora suprimida durante as horas que passamos longe e que agora faziam uma busca pela princesa nas dependências do castelo.

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— Princesa! – bradavam várias vozes – Princesa Amora!

Retirei o braço de Amora e ela se distanciou de mim ao mesmo tempo, arregalando os olhos e fazendo um sorriso brotar dos lábios. Ela começou a correr e gritar “Aqui! Estou aqui”, mas subitamente pensei na possibilidade de ser uma emboscada.

Corri atrás dela, mas não tão rápido para que pudesse calar sua boca. Quando cheguei até Amora, cinco guardas apareceram pela colina, e nos avistaram, vindo em nossa direção. Então foram eles que retiraram os cavalos das baias e não os invasores? Suspirei aliviado, podendo finalmente relaxar em relação a segurança minha e da princesa.

— Santo Cristo, por onde estiveram? – o primeiro guarda que chegou, saltou do cavalo e foi até a princesa, pegando-lhe pela mão – Está ferida? Que roupas são essas, Vossa Alteza?

Os outros guardas chegaram e saltaram de seus cavalos. Nos passaram um breve interrogatório, ao qual Amora se deu ao trabalho de responder sozinha. Um guarda me direcionou até um dos cavalos e montei junto a ele, enquanto o outro levou Amora no cavalo da frente. Partimos em um trote rápido rumo às torres do castelo. E eu havia perdido a minha chance de beijar Amora.

Mas eu conseguiria outra chance novamente. Ela estava apaixonada por mim, afinal.

♡.♡.♡

Por sorte, fui levado pelos fundos do castelo até a enfermaria, o que possibilitou que não encontrasse com ninguém pelo caminho. Amora era levada ao meu lado, e algumas vezes, pela visão periférica, podia notar que ela olhava para mim.

Chegamos à enfermaria e todos os médicos e enfermeiras estavam a postos para nos receber. Fui para uma sala e Amora se direcionou a outra. Quando a porta fechou, eu me encontrava sozinho com um médico que ordenou para que eu retirasse a roupa. Falei a ele que só tínhamos passado muito frio e não comíamos nem bebíamos nada desde o almoço do dia anterior. Depois que tirei as peças e deitei na maca, ele me examinou com cuidado, tocando em meus ossos e articulações, verificando a cor de minha pele, etc.

O doutor pediu para que uma enfermeira trouxesse roupas térmicas e que providenciasse na cozinha uma refeição leve, com caldo de galinha e pasta de legumes. Enquanto isso, ele escreveu em meu prontuário alguns rabiscos e finalmente olhou em meus olhos.

— O senhor tem sorte de estar vivo e sem ferimentos – ele disse, ajeitando os óculos em seu nariz – Dez candidatos foram feridos com golpes fortes e estão internados. Doze guardas e dois funcionários morreram. Nunca houve uma baixa tão grande quanto essa.

Remexi-me na maca, surpreso pelo alto número de feridos e mortos.

— Shang Futatsu está internado?

O médico parou um pouco para pensar.

— Não me lembro desse nome, então ele deve estar bem.

A enfermeira bateu na porta com as roupas limpas na mão e avisou ao doutor que Amora estava bem, apenas sofria de desidratação e possuía um pouco de água nos pulmões. O doutor a dispensou e deu as roupas para que eu me vestisse.

Em poucos minutos eu estava de volta ao castelo. Troy surgiu de algum lugar que eu não vi, e me acompanhou até o quarto, perguntando inúmeras vezes se eu estava bem, ou se precisava de alguma coisa.

— Preciso dormir um pouco – eu disse, finalmente deitando em minha cama – Pode voltar daqui a uma hora.

— O senhor precisa comer – ele ponderou – Em meia hora servirei a sua refeição.

Meu estômago concordou. Troy se retirou e eu fechei os olhos.

♕ .♕. ♕

A notícia repercutiu pelo mundo inteiro. Os invasores não foram identificados pois todos foram mortos a tiro, por legítima defesa dos guardas. Não carregavam nenhuma insígnia, nenhum documento, nenhuma pista.

Recebi a segunda carta de meu pai, e com a luz negra pude ler suas palavras de preocupação a respeito do ataque ao castelo. Nenhuma Facção reivindicara o ataque, e o serviço de Inteligência não conseguiu pegar nada. Quem quer que estivesse por trás, estava muito bem escondido e poderia voltar a atacar novamente, o que colocava nossos planos para um nível mais perigoso. A Facção Vermelha estava lidando com um inimigo oculto.

Por causa disso, meu pai resolveu adiantar as coisas. Eu não tinha mais sete semanas, tinha cinco. Catorze dias a menos do que eu planejara.

Pelo menos o ataque me aproximou da princesa de tal forma que eu não poderia ter planejado melhor. Ela jurou uma dívida eterna e no fim das contas estava apaixonada por mim. Era tudo o que eu precisava para conquista-la.

Respondi a carta de meu pai já com o mapa provisório que havia feito durante a semana. Mas é claro que eles não iriam precisar do plano B. Estava tudo novamente sob controle.

Fui homenageado pela família real no jantar do dia seguinte, porém, sem os garotos feridos, que ainda estava na enfermaria. Muitos repórteres surgiram fazendo-me perguntas e tirando fotos, mas tentei ser o mais humilde possível. Amora tinha um sorriso especial naquela noite para mim, e depois de receber elogios e uma medalha de honra do Rei, ela me chamou com um aceno para o corredor. Levei um muffin comigo, já que era a hora da sobremesa.

— Está tudo bem com você, Martin? – ela perguntou, piscando os olhos cheios de maquiagem. Era engraçado vê-la arrumada, pois a maior parte do tempo eu a vira de pijamas, macacão sujo de tintas, roupas molhadas e roupas masculinas com o triplo de seu tamanho – Sei que esta Seleção não deveria ter fotógrafos nos espionando, como foi o combinado, mas pela sua homenagem meus pais acharam melhor abrir as portas para que os repórteres viessem.

— Estou bem – dei uma mordida no muffin – Esse muffin me faz esquecer um pouco do que aconteceu. Quem é o deus que o prepara? Preciso conhece-lo.

Ela riu uma risada que eu ainda não ouvira. Um pouco contida, um pouco divertida.

— Já percebi que gosta muito da comida – ela colocou um dedo no queixo, pensativa – Dizem que a minha bisavó America passava o dia inteiro comendo os doces daqui. Eu não vejo tanta graça assim, a não ser pelas trufas de maracujá.

— Não vê graça? – perguntei perplexo – Você não sabe apreciar o que a vida tem de melhor!

Tirei outras risadas da princesa.

— Você está diferente – ela comentou – Mais espontâneo.

— Essa coisa de castelo, família real e competição me deixaram nervoso – admiti, dando de ombros. Se ela gostava de sinceridade, ao menos eu podia dizer um pouco da verdade – Acabei focando mais nas regras e na polidez que deveria ter para ser um candidato bom, e esqueci de ser eu mesmo.

Você nunca será você mesmo para ela.

— Pois eu gosto de você sem toda aquela máscara que vive colocando – ela disse, também dando de ombros – Parece mais real, mais confiável.

Sorri, satisfeito por ganhar pontos com ela. Aos poucos eu começava a entender como deveria agir com a princesa Amora. E por ter a primeira conversa de verdade sem algum assunto sério nos rondando.

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— Meu pai disse que preciso sair com os outros rapazes – ela comentou, falando mais baixo do que antes – Você se importaria?

E novamente, a pureza de seus olhos e de suas palavras me deixou assustado. Ela tinha o dom de falar coisas que quebravam as minhas pernas, e eu precisava começar a me acostumar.

- É para dizer a verdade? – perguntei.

— Sempre – ela disse, sorrindo – Seja sincero comigo sempre, e eu serei feliz sempre.

Engoli seco.

Controle-se. São só palavras e nada mais.

— Ficarei chateado quando estiver com os outros rapazes, mas a ansiedade em lhe ver será maior do que qualquer coisa.

Ela piscou algumas vezes antes de responder.

— Você tem um encontro a mais comigo, ganhou o tiro com arco, não se lembra? Não demorará para nos vermos novamente.