O Passado Oculto

Fora Da Rotina *PDV Lizzie*


Eu estava tão relaxada na poltrona grande do avião que estava a ponto de dormir quando percebi que Damon estava me encarando.

– O que foi? – perguntei. Ele não costumava me olhar por tanto tempo a não ser que tivesse alguma coisa para dizer, e ele estava pensando em como fazer isso.

– Só achei que você devesse saber para onde estamos indo dessa vez. – Disse ele. Estranho, normalmente ele esperava eu perguntar. O.k., ele sempre esperava eu perguntar.

– Por quê? É algum lugar especial dessa vez? – Eu disse fingindo achar a resposta dele divertida. Na verdade eu estava com um pouco de medo. Eu estava mais do que acostumada com o jeito dele, e quando algo era diferente eu ficava bastante cautelosa; eu sabia que deveria ser algo ruim.

– Calma – disse ele adivinhando o que eu tentei esconder – não é nada ruim ... Só, diferente dos lugares que costumamos visitar.

Eu não acreditei. Não sabia se devia rir ou chorar do que ele acabou de dizer. “Diferente dos lugares que costumamos visitar”.Tinha que ser uma piada. O quê Damon considerava comum para nós? Cada lugar parecia ser o mais diferente possível do último. Lá vem coisa ruim...

– E por diferente você quer dizer..?

– Pense Lizzie, o quê todos os lugares que já visitamos tem em comum? – Disse ele tentando me forçar a entender.

– Essa é difícil... Nunca tínhamos visitado nenhum desses lugares antes. Cada um foi visitado somente uma vez. Eles não tem nada em comum. – Eu não estava conseguindo entender onde ele queria chegar.

– Exatamente!! Nunca tínhamos ido lá antes! – Agora é que eu não entendi nada.

Ele viu a confusão em meu rosto e começou a explicar vendo que eu não havia entendido ainda.

– Pense bem, um lugar em que já fomos, há muito, muito tempo atrás. E não foi em uma viagem.

Nada.

– Antes mesmo de estarmos juntos. – Por quê ele não me dizia logo?

– Nossa casa, Lizzie – Sussurrou ele, tentando amenizar meu choque – Fell's Church. É pra lá que estamos indo agora. Entende por que eu quis te contar antes de chegarmos?

Eu não conseguia falar, então só acenei com a cabeça.

Eu não compreendia. Casa. Fell's Church. Há quanto tempo eu não ia lá? Quase 150 anos.

A verdade é que nunca voltamos lá. Desde que me mudei com minha família para Leesburg eu não pisei naquela cidade. Minha família. Nesses últimos anos eu tentei ao máximo evitar pensar sobre eles, era doloroso demais me lembrar; sempre foi e sempre seria.

Eu escapei do incêndio, eles não. Mesmo sabendo que eu não tinha nada a ver com o acidente, não podia evitar a culpa de saber que eles se foram, e aqui estou eu, 145 anos depois, aproveitando o tempo, conhecendo lugares lindos e me divertindo com o cara que me adotou como irmã. Família.

– Casa? – Foi tudo o que saiu da minha boca. Por que eu estava certa de que não conseguiria voltar para Fell's Church. Minha cidade natal, o lugar mais conhecido de minha história. E se minha antiga casa ainda estivesse por lá? Eu não agüentaria vê-la, com todas as lembranças de minha infância. Ou pior: e se a casa não estivesse mais lá?! Todas as lembranças, por mais dolorosas que fossem, estariam destruídas. Só de pensar nessas possibilidades, nesses pequenos detalhes da tal ‘visita’, eu tinha a impressão de que minha cabeça ia explodir. Não era exatamente o que eu chamaria de agradável.


– Eu, eu preciso me acalmar um pouco... Com licença – Eu saí de minha poltrona e passei por Damon que ainda estava claramente perturbado com a minha reação, mas seus olhos azuis demonstravam preocupação comigo. Afinal, ele nunca havia me obrigado a viajar com ele; era algo que eu fazia por vontade própria. Mas nesse momento, voltar para a Virgínia parecia ser a última coisa que queria fazer na minha vida. Por quê? A pergunta não saía da minha cabeça. Por quê Damon iria me levar de volta para Fell's Church?

Eu me segurei para não correr ao longo do corredor do avião, não queria chamar atenção. Finalmente cheguei á pequena cabine que era o banheiro feminino e tranquei a porta atrás de mim. Eu precisava pensar, precisava me acalmar. Respire fundo. Abri a torneira da pia e joguei um pouco de água fria em meu rosto. Depois de secá-lo, analisei meu reflexo para checar se tinha a aparência normal de novo.

Ainda estava um pouco mais pálida que o normal, e meus grandes olhos verdes pareciam assustados.

Acalme-se, disse a mim mesma. Volte ao normal Lizzie. Não estava funcionando, meus olhos pareciam tão arregalados quanto antes. O único jeito era disfarçar. Puxei um pouco do meu cabelo longo e escuro para o rosto, afim de mascarar o choque, mas infelizmente não deu certo: meu cabelo era tão negro, que seu contraste com minha pele clara me fazia parecer ainda mais pálida. Droga, pensei, tanto faz, não consigo enganar o Damon de qualquer forma.

Dei um sorrisinho forçado e saí da cabine. Ele sempre sabe a verdade.