A principio, Adélia não quis acreditar naquilo. Mas, depois de um tempo, não conseguiu segurar a convicção de que Jeniffer estava mentindo.

Depois disso, a aceitação transformou-se em choque.

—V-você... – Ela gaguejou, meio atordoada com a noticia. – Então você é a mãe dele...

Ela não conseguia entender muito bem a própria surpresa. Talvez fosse por estar descobrindo algo importante sobre ele, ou talvez fosse apenas pelo fato de que Jeniffer era a mãe de Rafael.

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Adélia riu. Não um riso engraçado, como se estivesse rindo de uma boa piada. O som que saía de sua garganta era alto, mas fraco e falho. Não ria de Jeniffer ou de Rafael, ou muito menos da confissão... Mas a coincidência do fato era quase engraçada. Divertido, até.

—Está falando sério? – Adélia assumiu um tom mais sério em sua voz, mas sua expressão ainda demonstrava divertimento. – Você é a mãe dele?

Jeniffer a encarou com um tom de duvida no olhar, como se estivesse dividida entre reafirmar sua confissão ou deixar para lá. Não esperava que Adélia reagisse daquela maneira; esperava que a garota ficasse, no mínimo, chocada.

—Eu era muito jovem quando ele nasceu – ela continuou, demonstrando emoção na voz. – Tinha quase a sua idade, na verdade. E estava loucamente apaixonada por Adam.

Adélia congelou ao ouvir o nome dele. Sua pulsação parecia mais lenta agora, como se o nome dele lhe causasse o mesmo efeito que uma paralisia durante o sono.

—Você o amava? – Adélia passara tanto tempo o temendo e o odiando que nunca pensou por aquele lado. Adam era tão cruel e tão cínico que ser amado por alguém era a ultima coisa que ela conseguia imaginar em relação a ele. – Como você conseguiu? – Foi uma pergunta involuntária, até um tanto má para o gosto de Adélia, mas inevitável.

Jeniffer riu, sem graça.

—As coisas eram diferentes, Adélia. – Sua garganta fechou com a bile, enquanto um sentimento efervescente queimava seu peito. Adam havia sido muito cruel, e não se passara um dia sem que Jeniffer não odiasse. Falar dele daquele modo, com traquilidade, a matava por dentro. Queria expressar todo o ódio por ele de todas as maneiras possíveis. – Adam era diferente. Eu era diferente.

Adélia aproveitou o silêncio desconcertante para analisar a situação. Então Jeniffer e Adam... Eles já estiveram juntos? Por um momento, ela os imaginou juntos, como seus pais. Imaginou-os de mãos dadas, dando leves beijos, felizes.

Seu estômago embrulhou quase que instantaneamente.

A felicidade alheia não lhe incomodava, de forma alguma. A fragilidade nos olhos de Jeniffer naquele momento a fez lhe desejar tudo de bom. Mas com Adam era completamente diferente.

Adélia não era ninguém para dizer se o mesmo merecia ou não ser feliz. Mal o conhecia de verdade. Não sabia toda a sua história, e aquele pequeno fragmento de seu passado com Jeniffer a fez refletir sobre o mesmo.

Adam era diferente...”, Jeniffer disse.

Por um momento, Adélia se perguntou se toda aquela crueldade de Adam era conseqüência de seu passado. Perguntou-se o que deveria ter feito ele se transformar naquele ser...

—O que aconteceu com ele? – Murmurou um tanto acuada. – Por que ele é tão cruel?

Jeniffer deu de ombros, indicando que não sabia responder aquela pergunta.

Adélia assentiu conformada. Estava um tanto envergonhada por mostrar curiosidade em relação à vida dele.

—Mas e Rafael? – Adélia sentiu seu peito estremecer, sentindo a adrenalina correr por suas veias. A vida dele parecia muito mais interessante do que a de Adam agora.

—O que há com ele? – O tom de Jeniffer insinuava algo que Adélia resolveu ignorar. Ela tinha um sorrisinho irritante no rosto.

— O que há de errado com ele? – Ela soltou, quebrando o clima insinuador de Jeniffer. A mulher a encarou um tanto séria, pensativa. – Você é a mãe dele, certo? Deve conhecê-lo muito bem.

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—Não – ela negou, com um olhar semicerrado. – Adélia, eu o abandonei quando tinha pouco tempo de vida. – Ela fez uma pausa, encarando a reação da garota, que parecia ter entendido o que aquilo tudo significava apenas naquele momento.

Ah, meu Deus...— Ela disse, fazendo uma pausa profunda para respirar. – Isso significa que...

—Adélia, ele não pode saber que eu estou aqui – Jeniffer a interrompera, jogando-se praticamente em seus pés. Ela agarrou as mãos de Adélia com força, unido-as nas suas de forma apelativa. – Por favor, minha querida. Prometa que não contará nada até que estejamos prontos.

Adélia estava assustada com aquela revelação.

Rafael não sabia de nada? Como ela conseguiria manter aquele segredo? Como ela conseguiria encará-lo?

Ela perdeu o fôlego, piscando varias vezes seguidas.

—Então porque está me contando isso? – Sua voz saiu trêmula, fragilizada.

Jeniffer sorriu sutilmente, enquanto analisava as mãos frágeis de Adélia. A mulher tinha um olhar suplicante, algo que amoleceu ainda mais o coração confuso da garota.

Adélia, se antes estava trêmula e sem fôlego com tudo aquilo, agora estava completamente entregue as súplicas de Jeniffer ajoelhada em sua frente. Se a mulher lhe pedisse qualquer coisa naquele momento, ela não saberia se seria capaz de pensar duas vezes antes de fazer. Aquele tipo de coisa matava Adélia por dentro, aquela coisa de não conseguir dizer não, principalmente em situações como aquela.

Ela retribuiu o aperto em seus dedos, de forma reconfortante. Queria que Jeniffer soubesse que a ajudaria como possível, que faria qualquer coisa a seu alcance para ajudá-la.

—Preciso que entenda o motivo que me leva a defendê-lo – Jeniffer murmurou, sinceramente. –Eu preciso protegê-lo disto. Desta maldição que afeta todos nós...

Espere – Adélia interrompeu. – Todos nós? O que quer dizer com isso?

—Der certa maneira – a mulher continuou, erguendo uma sobrancelha. – Nos afeta de certa maneira, minha querida.

Adélia assentiu, compreendo.

Era verdade que se sentia afetada por Rafael e tudo o que o rodeava. Sentia o peso daquilo quando sentia saudades de casa e temia estar presa ali para sempre, sem esperanças de rever seus pais novamente. Odiava Rafael por mantê-la ali, refém. Odiava ainda mais Adam por tê-la forçado a ir parar ali, e de certa forma culpava seus pais também, por terem sido tão imprevisíveis e mimados.

Se não fossem por eles, ela não estaria passando por aquilo.

—Estou tão confusa – ela confessou. – E muito constrangida. – Um riso tímido escapou de sua garganta, enquanto sentia suas bochechas corarem de vergonha. – Jeniffer, sempre fui meio cruel em relação a ele. E você sempre foi tão paciente comigo. Sinto muito se magoei você e, de certa forma, o seu filho.

Jeniffer sorriu de forma carinhosa.

—Eu entendo o seu medo. - Ela disse, parando de sorrir. – Mas me magoava muito o fato de você não conseguir ver o que eu via. Ainda é muito difícil para você enxergá-lo, estou certa?

Adélia assentiu sutilmente.

—Não consigo entendê-lo – era meio estranho falar sobre o cara mais estranho que conhecera durante sua vida com a mãe dele, mas de certa forma aquilo motivava Adélia. Sua única esperança agora era que Jeniffer a ajudasse a desvendá-lo. – Não consigo enxergá-lo, realmente. Ele me parece tão... misterioso. E ao mesmo tempo tão distante. – Ela fez uma pausa, desviando o olhar para algo além de Jeniffer. – Não vejo como poderemos nos dar bem como amigos desta maneira.

Jeniffer riu um pouco, simpática com sua situação.

—Só precisa ser um pouco mais paciente com ele e com você também – ela disse. – Estou certa de que se darão muito bem futuramente.

Adélia pensou por um momento, imaginando se seria adequado destacar que a única coisa que ela conseguia manter de pé era sua paciência, muito embora fosse quase impossível não rebater quando Rafael reagia de forma grosseira. Mas ela preferiu deixar aquilo de lado, dando mais razão a lógica de Jeniffer.

Alguns minutos depois, Jeniffer resolver finalmente deixá-la em paz por um momento, prometendo que se veriam logo pela manhã e que conversariam mais. Mas Adélia não queria que ela fosse embora, argumentando que estava cedo.

Quando a mulher saiu, deixando a porta bem fechada atrás de si, Adélia jogou-se em sua cama, encolhendo-se até conseguir sentir suas coxas apertarem sua barriga. Toda aquela conversa com Rafael e com Jeniffer a havia deixado esgotada. Por mais cansada que se sentisse, ela insistia em manter seus olhos abertos, enquanto assimilava tudo na mente.

Talvez todo aquele receio que Rafael tivesse em falar de si mesmo, sempre mudando de assunto, tivesse a ver com o que Jeniffer acabara de lhe confessar. Ele devia se sentir muito mal por não conhecer a mãe, e por isso evitasse o assunto. Adélia sentiu muita pena dele, perguntando-se como teria sido sua infância sem o apoio materno que Jeniffer poderia ter lhe dado. Ela o conhecia muito pouco para afirmar que as coisas teriam sido diferentes, mas gostava de imaginar que aquilo poderia ter acontecido.

Ela se identificava com Rafael. Ele havia crescido sem conhecer sua mãe, e ela sem conhecer seus pais de sangue. Aquilo não a incomodava tanto, só lhe causava curiosidade. Mas não ter conhecido seus pais, sua mãe que lhe dera a luz ou o homem que seria seu pai, ainda lhe causava um vazio. Será que Rafael se sentia daquela mesma forma? Vazio, sempre achando que lhe faltava algo?

Adélia sentiu vontade de chorar. Nunca havia conhecido outra pessoa que fosse órfã, e nunca estivera tão próxima de uma.

Claro, ela tinha Thiago e Suzane, e ela os amava tanto que aquele vazio que sentia não lhe causara mal algum. Mas, durante aquele momento, ela quis esquecê-lo, só para poder estar mais perto de Rafael. Ela se sentiu mal por aquilo, mas guardou aquele sentimento de “estou-traindo-meus-pais” para mais tarde.

Ela sentou-se em sua cama, sentindo uma vontade súbita de falar com ele. Não iria contar o que Jeniffer acabou de lhe confessar; queria apenas vê-lo. Caminhando lentamente até a escrivaninha, ela pegou um pedaço de papel e uma caneta de tinta preta, pronta para escreve-lhe algo importante.

Ela brincou com a caneta, apoiou sob os lábios e depois a usou para coçar a cabeça, pensando no que dizer. Seu coração estava acelerado com a expectativa de finalmente conversar com alguém que – pelo menos ela esperava – não fosse julgá-la por ser meio “ingrata” – era assim que Adélia se sentia quando aquele vazio a tomava, fazendo seu peito de apertar.

Ela tinha tudo, não é? Tinha seus pais e um apartamento humilde e confortável. Qualquer criança órfã desejaria aquilo profundamente.

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Adélia bufou, irritada consigo mesma. A ansiedade que antes sentira para falar com Rafael estava se dissipando, dando lugar a aquela culpa que pesava acima de seu coração. Estava quase feliz...

Ela encarou a folha em branco diante de si, agora sem a menor ideia do que dizer. Ela passou o dedo indicador pelo papel ainda vazio, sem palavra alguma rabiscada nas linhas perfeitamente traçadas, pensando se ainda era uma boa ideia enviar-lhe um bilhete. Fechando os olhos por um momento, ela tentou concentrar-se no que sentiu antes, na emoção que inundou seu peito.

Adélia rabiscou rapidamente algumas palavras incompreensíveis, relendo o bilhete apenas uma vez para verificar a ortografia.

Espere, o que ela estava pensando? Era só escrever um bilhetinho sentimentalista e então eles se tornariam amigos para sempre?

Ela estava se precipitando!

Como ela poderia ter tanta certeza de que Rafael não a rejeitaria se ela tentasse tocar no assunto? E se ele ficasse irritado demais por ela estar tocando em um assunto tão pessoal? Ele propôs que fossem amigos, mas algo lhe dizia que aquele não era o assunto mais adequado para começar uma relação amigável com ninguém.

Adélia recuou de sua escrivaninha, deixando o papel rabiscado e a caneta de lado, voltando para sua cama sentindo-se arrasada consigo mesma, por ter sido tão boba.

—Eu contei para ela - a mulher revelou, encarando fixamente o seu reflexo no espelho. Ela desfez o nó no topo da cabeça e fechou os olhos quando sua cascata negra desmoronava sobre seus ombros, encobrindo-lhe quase tudo. Suas pupilas estavam dilatas e suas bochechas rubras.

O velho atrás de si entrelaçou os dedos por entre os fios soltos dela, desfazendo os nós. Ele parou por um momento, encarando seus olhos refletidos no espelho. Ambos ficaram em silêncio, antes que ele o quebrasse.

— Confia nela? Uma garotinha emotiva e impulsiva? – Foi tudo o que disse, fazendo uma careta no final.

Jeniffer deu de ombros, desviando o olhar para o reflexo do homem no espelho.

O quarto simples onde vivia estava escuro demais, iluminado somente por uma lâmpada barata e a luz da lua vinda da janela fechada. Tudo o que tinha era uma penteadeira/cômoda com um espelho oval embutido na parede, uma cadeira velha e sua cama. Fora isso, o quarto era vazio, frio e pequeno.

—Isso faz parte.

—Não seja tola - ele murmurou, passeando com uma escova as mechas longas, desfazendo os cachos. - Ela é só uma garotinha. E se ela contar para Adam?

A mulher se virou para encarar o velho, com um olhar semicerrado. Embora sua voz soasse muito mais calma do que esperava, ela não confiava nele. Não confiava em sua serenidade quando acabara de revelar que estragara completamente seus planos. O problema era que ambos haviam trabalhado muito em cima daquilo. Até mesmo Jeniffer se sentia mal por desobedecê-lo, mas estava na hora de seguir as próprias regras.

—Deixo-o saber que estou aqui. - Disse, ferozmente. Adam… O nome dele lhe dava enjôo e raiva. - Deixo-o saber que sei cumprir com minhas palavras. Deixe que volte...

—A questão não é só Adam - o velho avisou. - Em meio a todo esse caos de ódio e vingança, parou para pensar em seu filho?

—Eu o amo, pai - ela confessou, levantando-se e caminhando em direção à janela. Ela a abriu, fechando os olhos quando a brisa fria afastou os fios de cabelo de seu rosto. - E é justamente por isso que estou aqui, sabe disso.

—Não é o que parece.

A mulher o encarou, pendendo a cabeça levemente para o lado.

—Não acredita em mim?

O velho suspirou, sentando-se na cadeira onde outrora era seu lugar.

—Acredito, Marion

—Jeniffer - ela o corrigiu rapidamente.

Ele piscou algumas vezes, antes de continuar.

—Acredito, Jeniffer,— respondeu, secamente - que sua sede de vingança ainda a cega. Está aqui por Adam, e não por Rafael. Diga-me, o seu filho já não sofreu o suficiente?

Jeniffer desviou o olhar para a janela, que dava para uma parte feia do jardim, onde plantas desconhecidas cresciam ao redor, estragando a vista.

—Amo meu filho mais que tudo - ela pegou uma mecha de cabelo e a enrolou no dedo indicador, distraída. - E Adam o está destruindo. Não vou deixar que isso aconteça. Não mais.

—Não confio em Adélia - o velho repetiu, ranzinza. – Na primeira oportunidade vai contar tudo para Rafael.

Jeniffer revirou os olhos.

—Ela não vai contar – garantiu, quase irritada. Ela massageou as têmporas, sentindo seus ouvidos pulsarem com a tensão.

O barulho de uma gaveta de abrindo a distraiu, e ela ficou observando enquanto seu pai puxava um maço de cigarros de dentro dos seus pertences pessoais, analisando a caixinha com curiosidade.

— Está muito segura disto. Poucas semanas com a garota e já acha que a conhece o suficiente? – Ele guardou a caixa dentro de seu blazer, encarando-a fixamente, advertindo-a em silêncio. – Confesso que estou curioso. O que fez para convencê-la a não contar? – Ele fez uma pausa, franzindo os olhos já enrugados. – Se é que a convenceu.

—Apenas disse as palavras certas – confessou.

—Ah.

O velho andou pelo cubículo, com as mãos escondidas nos bolsos, analisando as paredes mofadas do ambiente. Ele ficou em silêncio, agonizando ainda mais a paz da mulher.

—Ela não vai contar nada – repetiu, sentindo a pressão em seus ouvidos piorar.

—Me desculpe filha, pela desconfiança em seus planos mais que imbecis. Já fez tanta merda que não me surpreenderia se esse seu plano desse errado. – Ele respondeu, seco. Sua expressão mudou completamente, transformando-se em preocupação e irritação. – Se ela contar para Rafael... Por Deus, não consigo nem imaginar o que aconteceria. – Ele virou-se para ela, apontando-lhe um dedo enrugado e torto. – Se alguma coisa acontecer com ele eu juro, Marion, que eu vou matá-la.

Ela riu secamente, aproximando-se dele sorrateiramente.

Se alguma coisa acontecer com ele. – Ela disse, agarrando seu dedo e o contorcendo. – Como se ele estivesse livre para ser desgraçado por meras revelações. Como se seu destino já não estivesse definido. – Ela fez uma pausa, respirando fundo. Seu pai cheirava a medo e ao maço de cigarros que guardara no bolso. – Como ficou tão emotivo, papai?

Seus olhos estavam arregalados e úmidos, mas ele não soltou um som de agonia enquanto ela contorcia vagarosamente seu dedo.

—Ela é minha. – Sussurrou, com um rosnado baixo e seco. Seu pai ainda estava quieto, mas ela decidiu libertá-lo, levando sua mão enrugada até os lábios e beijando-a suavemente. – Não se preocupe com aquela alma.

—Me preocupo com ele — ele disse menos seguro de si. – Deveria deixá-lo em paz. Deveria acabar logo com isso e deixá-lo ser livre para...

Morrer? – Ela rebateu, com um sorriso, como se aquilo não significasse nada. – De que lado está, papai? Pensei que o amasse demais para deixá-lo partir.

—Está enganada – rosnou, pressionando-a até suas costas baterem na parede atrás de si. – Eu o amo demais para deixá-lo continuar com isso. – Seu tom de voz estava aumentando na medida em que ele perdia o controle. – Convivo com ele a mais tempo do que você. Eu o vi crescer, o vi sofrer a cada momento em que sua maldição se impregnava em tudo e em todos ao seu redor. Eu o vi perder a esperança. – Ele suspirou pesadamente, recobrando o fôlego. – Eu o assisti desistir de si mesmo porque não se suporta. Tudo por sua culpa. Todo esse sofrimento, essas desgraças, por sua culpa.

Uma lágrima escorreu pela bochecha da mulher, quente como a raiva que lhe queimava por dentro. Ela quis empurrá-lo, chutá-lo para fora de seu quarto, mas não conseguiu se mexer.

—Desistiu dele – ela concluiu, com a voz embargada. Lentamente, seu pai estendeu a mão até seu rosto, enxugando a única lágrima com a ponta do dedo. Ambos se encararam naquele momento; ele, com um olhar pessimista e ela irritada e magoada. – Saia daqui.

Foi tudo o que conseguiu dizer.