O Melhor Amigo

Capítulo 2 – Não há Como me Soltar


Capítulo 2 – Não há Como me Soltar

Já tem quase uma semana que estou nessa casa, e cada dia que acordo desejo do fundo do meu coração voltar para minha cidade. Nada aqui me agrada, a cama onde durmo que por sinal era de uma das meninas, meu quarto que não é meu até o cheiro da casa me incomoda, sinceramente é uma tortura viver aqui.

Levanto da cama bem tarde, já havia passado da hora do café da manhã, na verdade evito o máximo ter que sair do quarto, prefiro ficar com fome a ter que olhar para o rosto deles, principalmente o da minha mãe. Ela sempre passa por mim e da um sorriso, como se tudo tivesse sido esquecido, até parece que eu esqueci que ela me trocou por essa família e largou meu pai a própria sorte. Nunca vou perdoar ela, e nem pretendo fazer parte desta família, vou agüentar até fazer a maior idade e depois vou embora daqui.

Abro lentamente a porta do quarto e vou devagar para o banheiro não quero chamar a atenção, aqui nessa casa existem dois andares e tem banheiro nos dois, porém se eu descer posso encontra com algum deles então prefiro usar o daqui de cima mesmo que seja menor. Assim que chego ao banheiro vejo que a porta está fechada, bato com delicadeza e pergunto – tem gente?

– sim – quase gritando. Deve ser uma das meninas.

– Ta bom eu volto depois.

– Não precisa eu já to saindo – dessa vez responde normalmente.

Antes que eu falasse algo ela sai, de fato era uma das meninas, como as duas andam iguais, não consigo bem distinguir quem é quem, já tinha visto gêmeas antes, mas não com tanta semelhança. Nem pergunto quem é assim que ela saiu, eu entrei tranco à porta e rapidamente começo a me banhar enquanto fico pensando na minha antiga vida. Era uma das melhores partes do dia, quando entrava de baixo do chuveiro e de olhos fechados me imaginava em outro lugar, visualizava em minha mente a minha antiga casa, meus antigos amigos e principalmente meu pai. Que saudade que tenho dele.

Havia passado a manhã toda em meu quarto, o que faço há quase uma semana, porém à tarde por volta de meio dia sempre desço pra almoçar, não consigo agüentar um dia inteiro com fome, sempre desço as escadas devagar sem fazer muito barulho, por algum motivo tento não chamar muita atenção nessa casa, se pudesse faria tudo sem ser notado, mas infelizmente não posso.

Assim que desço, vejo uma das irmãs já sentada enquanto minha mãe estava na cozinha terminando os preparativos para o almoço.

– Boa noite mocinho – me disse minha mãe com um tom de deboche. De uns dias para cá ela vem fazendo isso quando saio do quarto tarde.

Fiquei olhando para ela por uns segundos e depois ignorei o comentário sarcástico dela e me sentei.

– “Sol” vem almoçar – grita minha mãe para minha irmã Solene que estava na sala assistindo desenho.

Agora percebi que, quem estava na mesa era a Mellíssa, parecia estar com fome, como de costume não falou comigo, em quase uma semana aqui pouco falei com os membros desta casa, o Sr Marcos passa o dia no trabalho, quando ele sai estou dormindo, quando ele volta já estou indo dormir, As gêmeas alternam entre assistir televisão e brincar na rua, já que estão de férias da escola e minha mãe passa o dia assistindo novela ou no telefone com alguma amiga, algumas vezes passa no meu quarto para me oferece um lanche ou me perguntar alguma coisa, o que eu quase sempre ignoro.

– Não to com fome agora mãe – diz Solene parecendo chateada por ter que sair da frente da televisão.

– Ta, mas você vai comer mesmo assim – disse minha mãe aumentando um pouco o tom de voz.

Solene esbravejou um pouco, mas se sentou, ao contrario de melissa não parecia está com fome.

Depois de alguns minutos a comida já estava na mesa e todos já se alimentando, Mellíssa comia quieta assim como eu, enquanto que Solene ficava conversando com minha mãe sobre algo haver com o pai dela. Sinceramente detesto comer aqui, na caca do meu pai ficávamos na sala mesmo comíamos assistindo televisão, não tinha formalidades, ficávamos no sofá mesmo, era muito bom, como sinto falta do meu pai.

Enquanto eu viajava em minhas lembranças à medida que comia, escutava de relance a conversa de minha mãe com Solene, as duas estavam discutindo algo sobre o Sr Marcos está chegando muito tarde, nem sei por que estava prestando nisso, esse homem foi o pivô da separação da minha mãe e meu pai, não gosto nem de vê-lo, se não fosse por ele, meu pai e minha mãe teriam ficado juntos.

– Filho você quer um pouco mais de suco? – me pergunta minha mãe sorrindo.

– Não obrigado – respondi secamente. Não gosto quando ela me chama de filho, mesmo com o meu suco acabando prefiro não pedir mais só pelo gostinho de contrariá-la.

– Hei mãe. Eu ainda quero – diz Solene cortando o assunto. Acabo de perceber algumas diferenças entre Solene e Mellíssa. Solene é mais elétrica fala bastante e como se não parasse um minuto, já Mellíssa é mais quieta, desde que cheguei poucas vezes escutei a sua voz, assim como eu passa o dia no quarto, às vezes fica na “TV” e algumas vezes, sai para brincar, mas é bem raro.

– Hei você ta gostando do meu quarto? – me pergunta Solene ainda pondo seu suco.

– Filha! – interrompe minha mãe em tom de desaprovação. Acho que não gostou da forma que Solene falou.

– O que foi mãe? – se irrita.

– Não deve falar assim com seu irmão.

– Irmão? Eu nem sabia que tinha irmão.

– SOLENE – minha mãe deu um grito que ecoou na cozinha toda. Pela primeira vez vi minha mãe com cara de brava.

Tudo tinha ficado bem estranho, o grito que minha mãe deu gelou totalmente o clima do local, eu e Melissa ficamos quietos, nenhum pio foi dado por alguns segundos.

– Ah! Porque ta brigando comigo? Você nuca tinha me dito que eu tinha um irmão e de repente perco meu quarto... Só falei não posso falar não? – Disse Solene quase gritando. Nesse momento eu fiquei muito sem graça, pela primeira vez percebi que estava incomodando nessa casa e que ninguém queria minha presença aqui.

– Menina... Isso não é coisa que se diga – repreende minha mãe. Evitando me olhar, e da forma que ela estava evitando o contato visual realmente parecia que ninguém aqui sabia de mim.

– Você também disse que não queria ele aqui... Eu ouvi você dizer para o papai – insiste Solene segurando o choro.

Depois de ter escutado aquilo eu não agüente, me levantei de vagar e mesmo querendo gritar com as duas, apenas comecei a caminhar rumo à saída da cozinha.

– Filho vem cá – disse minha mãe um pouco chorosa.

Como é de costume meu apenas ignoro aquilo que me fere, e foi o que eu fiz, sai da cozinha voltei para o quarto e fiquei sentado na cama olhando para a janela esperando o dia passar.

Naquela mesma tarde minha mãe passou pelo meu quarto e fez Solene se desculpar comigo, o que pra mim foi irrelevante, dava pra ver nos olhos dela que não estava nem um pouco arrependida do que disse. Um pouco depois, minha mãe veio outra vez tentando explicar as coisas, fez o mesmo discurso sobre não querer que eu a perdoe, e disse mais uma vez que queria que tivesse amizade entre nós, isso me entristeceu, mas com tudo que aconteceu hoje essas coisas que ela me disse não me afetaram muito.

Após ela sair, fiquei no quarto olhando para fora, gostava da visão da janela, olhar para o horizonte me fazia sentir estar um pouco mais perto da minha verdadeira casa, tinha liberdade e um pai maravilhoso, brigava comigo às vezes para que eu estudasse, mas fora isso era bem carinhoso comigo, mesmo quando tinha suas crises de tristeza. Ele me mostrou algo muito bonito, luzes e uma incrível quantidade de fogos, lembro que me deitei na grama para vê, era um festival comum em minha cidade, mas no fim isso tudo não passava de lembranças, de algo que nunca mais terei.

Acordo um pouco tonto, tive um pesadelo, eu estava me afogando e não conseguia nadar, bem na verdade eu não sei nadar então nisso ao menos o pesadelo não estava errado. Quando eu tentava subir era puxado para baixo por anzóis. Meu pai gostava muito de astrologia e espiritismo e me dizia que os sonhos podem nos revelar coisas ou dizer o estado de nossa mente, sempre fui bom em decifrar sonhos, e o meu eu entendi muito bem, eu estou preso, não há como me soltar.