- Explica lá a situação!- exigiu, sério, o ruivo.

Castiel obrigou-me a acompanhá-lo até a um bar situado a poucos metros do barco. Assegurou-me que era um sítio sossegado e que não seríamos abordados por mais gentinha embriagada.

Sinceramente, pouco me importava o ambiente do bar. Neste momento, a única coisa que a minha alma desejava, mais do que beber a água que saíra do meu corpo durante a pressa, era arranjar, rapidamente, uma solução inteligente e segura para o problema da minha irmã. Para tal, o local onde abordávamos o assunto era pouco, ou nada, importante.

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Bebi rapidamente a água que me tinham colocado à frente. Estava fresca. Ou será que era eu que estava demasiado quente? Febril, até? Encostei-me à cadeira dura que me suportava. Estava cansado. Retirei o suor que ainda prosseguia o labirinto da minha testa arqueada e suspirei.

- A que horas tens de estar na nau?- perguntei-lhe. Castiel, como grumete que ainda era, tinha algumas regras a cumprir: uma delas acerca da hora de retirada das ruas.

- Não te preocupes com isso.- pediu-me ele.- Conta-me o que se passou.

Eu não estava preocupado. Pelo menos não com ele. Pelo menos não com o castigo que ele levaria assim que chegasse, atrasado, ao barco. Não estava nada preocupado. Afinal quem irá sentir as dores não sou eu, é ele. O ruivo que se preocupe. Eu já tenho coisas suficientes a darem-me cabo dos miolos.

- Raúl apareceu esta tarde no bar, enquanto a minha irmã ainda não tinha chegado das vendas da feira.- comecei.- Ordenou falar com a minha tia e pediu-lhe que eu estivesse presente durante a conversa.

Lembrei-me quando a detestável loira falsa (foi Helena quem lhe pintou o cabelo), a Ambre, entrou no meu quarto sem bater à porta. Estava habituadíssimo à sua falta de maneiras. Suponho que tenha sido pela existência dessa ausência que todos os seus namorados se fartem dela, sei lá, cinco minutos depois de a terem conhecido.

“Pirralho, a tua tia chamou-te!”, tinha-me dito ela enquanto segurava um cigarro cubano. Cubano? E depois queixasse de não ter dinheiro. Um cigarro daqueles custa mais que três quilos de batatas. E as batatas não estão propriamente baratas…

Quando questionei-a sobre o que a minha tia me queria, Ambre respondeu-me “ Sei lá. Estou cansada das pernas. Mexe esse rabo gordo e vai lá abaixo.” Pergunto-me se ela alguma vez se viu ao espelho. Até o cu de um rinoceronte cabia melhor nas calças dela, que deixam maior parte das nádegas à mostra. A loira dizia-se cansada mas não devia estar acordada há muito tempo. Suprimi uma gargalhada.

Ao descer as escadas, vi aquele velho pedófilo. Teria subido, secretamente, as escadas de novo e escondido debaixo da cama (e tentar omitir as lágrimas e dores que me surgiam todas as vezes que o via) quando a minha tia chamou-me e obrigou-me a sentar ao lado dele.

- Sabes do contrato que a minha irmã teve que assinar quando tomou a minha custódia?- perguntei, Castiel acenou.- O contrato consistia no compromisso de uma vida boa para mim. Para tal, eles acordaram que eu tinha que viver num ambiente saudável, onde as boas maneiras me fossem incutidas.

Continuei:

- O contrato é um conjunto de regras que têm de ser cumpridas. Assim que três regras são quebradas, o acordo é deixado sem efeito e a minha irmã fica sem a minha custódia.

O ruivo fitou-me, interessado.

- A minha tia reportou uma ocasião onde eu “sucumbi ao mal” e coloquei-lhe a língua de fora. A minha irmã não tem dado notícias do meu crescimento ao orfanato, nem muito menos tem autorizado a minha visita àquele sítio.

Esta tarde, a minha tia descobriu que a minha irmã não tinha cumprido essa regra do contrato e ficou extremamente chateada. Não argumentei com ela. Se eu não soubesse o porquê de Esmeralda proibir que eu pise aquele chão que tantas feridas me cravou na alma, também apoiava Helena. Afinal, era aquele acordo que definia o meu futuro.

Quando Raúl lhe explicou a "regra das 3 regras”, Helena tremeu. Ela não era totalmente burra ao ponto de ainda não ter percebido que aquele local, o orfanato, por alguma razão, tinha deixado graves cicatrizes em mim e em Esmeralda. Assim, tentou recuar o relatório das minhas más maneiras (a minha língua tramada como ela tinha referido). Mas, foi em vão. Além de Raúl não acreditar em pessoas que recuem nas suas palavras…

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- Duas regras estão quebradas: a das boas maneiras e a das visitas/relatórios regulares. Só faltava uma.- suspirei.- E aparentemente eu já a quebrei.

… ele já tinha uma terceira acusação contra mim.

- O que queres dizer com isso?- perguntou o ruivo.

Comecei a explicar o que tinha sucedido assim que Esmeralda entrou no estabelecimento.

**Christian FlashBack-On**

- A que devo a honra da sua presença, Raúl?- perguntou a minha irmã, com um sorriso falso nos lábios. Não consegui fitá-la. Tinha medo de lhe demonstrar o medo que sentia. E, afinal, era ela a mais corajosa entre nós. Era ela que tinha de lutar. Era ela que não podia ter medo. E não seria eu que lhe iria incutir medo.

- Sente-se Esmeralda.- Raúl apontou para o lugar livre ao seu lado, mas a minha mana sentou-se no outro lado da mesa, o mais longe dele. “Decisão ajuizada”, pensei, enquanto ria da expressão de “cachorro abandonado” presente na face do homem.

Para aliviar a sua depressão, Raúl tossiu e inquiriu, como se nada tivesse acontecido.

- Como está o seu noivo?

A face de Esmeralda tornou-se num ponto de interrogação. Demorou-se um pouco a relembrar-se, mas colocou um sorriso e desabafou:

- Castiel está bem, obrigada.- vi o quanto lhe custou afirmar o nome dele. Suspirei. Ela tinha um sorriso na face, mas os olhos, com a pergunta do director do orfanato, tinham ficado lacrimosos, tristes com a ainda recente discussão entre ela e o seu “noivo”. na mente

A expressão de Raúl mudou de súbito. Mostrou uma seriedade que tinha desaparecido desde o momento em que ela tinha entrado por aquela porta. Eu sabia que ele tinha sentimentos por Esmeralda. Mas a minha irmã nunca os retornaria a um homem como aquele. Como é que eu tinha tanta certeza? Porque temos o mesmo sangue, o mesmo sangue que faz com que tenhamos o mesmo bom gosto (em tudo).

- Esmeralda?- começou ele.- Sabe que já tem duas regras quebradas, não sabe?

Ela acenou com a cabeça, surpresa. Eu conhecia aquela cara. Era aquela cara que ela fazia quando algo não lhe estava a soar bem, quando algo não ia correr bem. “Estás totalmente correta, mana”, pensei, “Completamente correta!”.

- O seu irmão ontem quebrou a última.- anunciou. A minha irmã olhou-me, chocada.

- O que aconteceu?- perguntou Helena.

- O talhante apareceu-me na secretária do orfanato. Disse-me que um presunto tinha sido roubado por um dos meus rapazes. Fiquei chocado, como é de prever. Mostrei-lhe as fotografias de todos os meus estudantes e ex-estudantes, e ele acusou a foto do Christian como sendo a do culpado.

A minha irmã cortou-o:

- O talhante pode ter feito confusão. Ninguém pode verificar, com todas as certezas, que foi Christian.

- Eu também pensei nisso, menina Esmeralda. Eu não viria cá apenas com essa minúscula prova.- começou Raúl.- Questionei a sua tia acerca de ter visto ou comprado ou mandado comprar algum presunto nos últimos dias e ela negou tal ideia. Porém assim que verificou, a meu comando, as estantes da cozinha encontrou um grande pedaço de carne.

Voltámo-nos para a nossa tia.

- É verdade.- admitiu Helena.- Eu perguntei a todas as meninas e elas não sabiam do presunto. Mas ele estava bem ali.

Esmeralda suspirou e fitou-me.

- Christian?

- Sim.- respondi, ao ouvi-la chamar-me.

- Diz-me a verdade.- pediu-me.- Roubaste o presunto?

- Não.- respondi. Eu tinha estado com Iris, a preparar a saída de Esmeralda e Violette para a feira. Nunca me aproximei de nenhum talho. Muito menos teria a indelicadeza de roubar algo.

A minha irmã assentiu e disse a Raúl:

- Eu confio nele. Se o meu irmão diz que não roubou é porque não roubou.

Raúl suspirou.

- Peço desculpa Esmeralda.- começou.- Mas eu tenho várias testemunhas que referem que viram Christian com um presunto na mão.

A sala encheu-se de silêncio.

- Esta é a terceira e última regra quebrada. Amanhã Christian voltará ao orfanato.- anunciou o homem.

- O quê?- gritou a minha irmã, pálida.

- Ahahah.- riu-se Helena.- Só pode estar a gozar, Sr. Raúl. Por ter roubado um presunto? Não pode esquecer o assunto? Afinal, não foi nenhum crime…

O violador de crianças interrompeu-a.

- Dona Helena, isso está fora de questão. Hoje é um presunto. No futuro pode ser um banco, pode ser milhões de juros pagos pelos cidadãos.

Fitei a minha irmã. A respiração dela estava descontroladamente rápida. Uma veia palpitava-lhe na testa. Os olhos estavam lacrimosos. Estava seriamente a pensar numa solução.

- Não, não, NÃO!- gritou ela.- Eu vou!

- O quê?- perguntou Raúl.

- Eu vou em vez de Christian.- afirmou ela.- Afinal esta situação é totalmente minha culpa. Se eu fosse mais responsável, se eu lhe tivesse dando mais educação…

- Não…!- tentei gritar, mas a minha tia colocou a sua mão à frente da minha boca, impossibilitando-me de falar.

O semblante do homem explodia de uma felicidade escondida, maligna.

- Afinal Sr.Raúl, eu sou-lhe mais prestável que ele, não sou?- perguntou Esmeralda.

- Não foi o que acordámos.- tentou esconder a alegria que sentia.- Mas Esmeralda tem razão.

Raúl levantou-se e dirigiu-se para a porta.

- Estarei aqui amanhã, de madrugada, para a vir buscar.- anunciou ele.- Esteja pronta, Esmeralda.

Assim que ele saiu, eu exclamei.

- Tenho de fazer algo!

**Christian FlashBack-Off**

- Só tu a podes ajudar.- pedi a Castiel, que estava preocupadíssimo.- Por favor, és a única esperança dela.

Num suspiro, Castiel afirmou, confiante:

- Vou ver o que posso fazer.

*********************************************

Pov-On: Esmeralda

“Querido Diário,

Voltarei àquele sítio.

Não estou arrependida.

Não estarei arrependida.

Afinal, é pelo meu irmãozinho…”

Fechei o diário, com força. Olhei para Raúl que me esperava. Entrei na carruagem onde ele se sentava, ansioso. Dei uma última olhada à minha “casa”. Deixei escapar uma lágrima.

- Adeus!- murmurei.

- Esperem!- ouvi uma voz. Fitei o dono da voz. Quando as minhas retinas descobriram a cor dos seus cabelos, saí da carruagem, com um pouco de dificuldade por causa do meu longo vestido, e corri na sua direcção.

Ele abriu os braços e envolveu a minha cintura. Prendi os meus à volta das suas costas e encostei o meu ouvido ao seu coração que batia incessantemente. Ele cheirava bem, um cheiro agradável e raro: esperança.

Afastou-me um pouco e deu-me a mão. Fez um sinal para o homem de fato e óculos que o seguia (só reparei nele agora) e dirigiram-se à carruagem que ainda me esperava.

- Não.- puxei-o para trás.- Por favor, Castiel.

Eu não queria entrar, de novo, naquele transporte. O ruivo puxou-me para si e beijou-me o cabelo.

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- Não te preocupes.- murmurou-me ao ouvido.- Eu protejo-te!

Relutante, segui-o. Raúl ao ver-nos a sair do veículo e curvou-se perante os homens altos (já que o psicopata não tinha mais que um metro e sessenta).

- Sr. Castiel, que honra!- começou ele, até o ruivo o interromper.

- Dr. Faraize.- pediu ao caixa de óculos que o seguia. Este abriu a grande mala aborrecida que trazia e, dali, retirou um papel. Dr. Faraize, com as mãos a tremer, ofereceu ao "doente" o documento.

Raúl perdeu toda a cor das bochechas, assim que percebeu do que se tratava.

- Isto é…?- começou ele.

- …Um pedido para levar este caso a tribunal.- terminou Castiel, explicando o que se tratava.