O Mapa Cor-de-Rosa

Funeral e Nascimento


Tínhamos, nas mãos, o diário. Se mo é permitido dizer, não o queria abrir. Graças a este confidente uma mulher morreu. Que outros acontecimentos ocorrerão por causa dele? Que surpresas estarão escondidas em cada linha de cada página?

O funeral da dona deste foi do mais só e moribundo que já assisti. Além dos mordomos e criados, nenhum familiar ou amigo se dignou a aparecer. Um dos mordomos disse-me que toda a população que a conhecera se tinha afastado dela, porque achavam que se tinha tornado uma inimiga do governado, do país.

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Porém, daquilo que ouvidos da boca de Esmeralda não distinguimos nenhum rancor, nenhuma raiva, mas sim preocupação e esperança. Por isso, achámos melhor cumprir o último pedido da senhora- que o seu diário fosse, pelo menos, lido e analisado por nós.

Com este pensamento, abrimos a primeira página do livro.


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“5 de maio de 1907

Querido diário,

Prazer em conhecer-te. Primeiramente devo dizer-te que só te estou a usar porque a minha tia me obrigou.”

Ok, isto não está a resultar.

Já estou farta que a minha tia pense que isto vai ajudar-me a ter mais autoconfiança. Raios a partam. Ela deve achar que tenho tempo para escrever toda a minha vida.

Tentei outra vez.

“O meu nome é Esmeralda Thompson e sou a tua nova dona. Tenho 17 anos e sou órfã de ambos os meus pais desde os meus seis anos. Desde então, tenho sido criada pela minha tia Anabela.”

Desisti. Se teria de contar a minha história, teria que haver algo de interessante para contar.

–O que estás a fazer aí sentada? Entras daqui a dez minutos!- gritou a minha tia, furando-me os tímpanos.

–Já vou!- gritei ainda mais alto. Sempre me disseram que quem fala mais alto na casa, é quem merece mais respeito.

Vesti as meias pretas de vidro, o top preto de alcinhas e os calções bege (dá jeito termos uma costureira pessoal 24 horas por dia), tudo destinado a aumentar o volume do meu peito e mostrar as pernas.

Desci as escadas até avistar as minhas companheiras. Coloquei-me em posição. Depois só ouvi um microfone:

– E aqui está o grupo de bailarinas que vos vai animar a noite. Uma salva de palmas para elas.

Quando a banda começou a tocar, o pano subiu, devagarinho, mostrando a todos aquilo que éramos- umas doces e jovens raparigas que, por dinheiro, tinham-se encaminhado no caminho errado da vida.

Começámos a dançar, e tenho que admitir que não éramos propriamente más. Toda a gente gostou. Mas isso também não me suscita confiança ou orgulho, já que até a banda, que não toca mais do que duas notas, eram aplaudidos.

Deixam-me explicar-vos: quem está neste café, não vem pela música, pela dança, nem pela comida…vêm sim para ver aquilo que esta sociedade (e as suas esposas) não permite: o fruto proibido - o corpo de outras mulheres.

Se a dança permitir aos olhos distinguir um bom par de coxas, umas mamas consideráveis e um bumbum aceitável, eles aplaudem. Se não…somos baleadas com comida (literalmente).

Pronto admito, isto é pouco melhor que um bordel. Mas o que posso fazer? É esta a minha casa desde os meus seis anos. Estou até agradecida por estar aqui e não na rua, como tantos estão.

Depois do espectáculo acabar, desci o palco e dirigi-me ao bar.

Pedi, com gentileza e paciência, um licor fraco a Ambre, a detestável bartender.

- Deves pensar que eu sou burra ou o carago! Achas que eu te daria um licor enquanto estás no teu turno?- gritou-me ela, por cima da música.- Helena ficaria furiosa!

Helena, dona do bar e minha tia, estava ocupada a colar as mamas ao peito de alguns espectadores.

- Anda lá, Ambre!- pedi-lhe.- Ela não está a ver!

Teria que ser rápida. Se alguém me visse aqui, algum admirador da nossa dança, estava definitivamente lixada. É difícil convencer um homem excitado a nos deixar em paz.

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- Ambrinha querida!- chamaram uns homens. Ela sorriu e acenou-lhes.

- Vai-te embora, Esmeralda. Estás a estragar-me o negócio!- disse-me a bartender.- Quero ver se arranjo companhia para a noite!

Ao ver-me sem resposta, gargalhou.

- Não te preocupes, querida!- alertou-me.- Enquanto estiver nos braços de um homem, lembrar-me-ei de ti, fria e sozinha na tua cama.

Voltou a rir-se e dirigiu-se para a sua “vitima”, o inocente que passaria a noite num pesadelo. Como eu tinha dito, ela é detestável.

Ela tinha razão. Não tinha aconchego para as noites. Mas, ao contrário dela, não andava à procura dele. Respeitava-me demasiado para andar a abrir as pernas para todos.

Levantei-me do banco do bar. Parece que não ia conseguir a minha bebida. Parece que não ia conseguir a única coisa que me faz suportar esta vida.

–Aaahh!- ouvi um grito feminino.

Avistei um homem forte, com cerca de trinta anos, certamente já cansado, ao lado dele uma rapariga. Reconheci-a. Era uma delas bailarinas que dançava comigo.

– O que é querida?- perguntou-lhe.- Não gostas que te acariciem no c*?

Voltou a tentar tocar-lhe. Ele tinha uma expressão de desejo e divertida. Ela gritou mais uma vez.

Sem me ter apercebido, já me encontrava ao lado dela, tentando separá-la do homem.

Puxei o meu braço para trás e, com toda a força que reuni, bati-lhe. Sorri, ao vê-lo caído no chão.

–Ela já disse que não te queria.- gritei-lhe. – Rapazinhos como tu, que se fazem de homens, enojam-me.

O homem levantou-se e colocou-se numa posição de ataque. Voltei a puxar o braço para trás. Só não lhe bati mais uma vez, porque uma mão parou o movimento da minha.

– É esta a rapariga que pretendo comprar!- disse o dono da mão.

Encarei o homem. A resposta afiada que tinha preparado não me saiu da boca, ficou suspensa no ar.

– Que achas do meu plano, querida?- perguntou-me o ruivo, com o maior dos sorrisos.