O Maior Amor

Capítulo 25


Por Hadany

Todos sabem que o maior orgulho de um rei é jamais voltar atrás em sua palavra. Todavia, foi exatamente isso o que meu tio fez. Como eu fui tola em acreditar que meus argumentos haviam de fato convencido o soberano a aceitar o pedido de Moisés. Deixei a sala do trono com a certeza de que este confronto finalmente havia terminado e que teríamos paz outra vez. Mas, não! Esta guerra está longe de acabar! E algo me diz que a atitude do grande faraó Ramsés II irá desencadear coisas muito piores do que o tormento que as rãs nos causaram ou a sensação de morte iminente que tivemos durante a praga de sangue.

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—Você está tensa. — Tany observa.

—Está me distraindo. — Reclamo enquanto miro a flecha para o alvo.

—Se continuar assim, não vai acertar nem o próprio pé. — Minha irmã fala. — Tente relaxar ou essa flecha não vai chegar ao alvo, assim como as outras.

—O que acha de ficar no lugar daquele alvo? Assim eu te acerto e você cala essa sua boca. — Falo sem paciência, mas logo me arrependo de minhas palavras. Respiro fundo, exausta. — Me desculpe, Tany. Não queria falar assim com você.

—Tudo bem, eu sei porque está assim. — Ela olha para mim. — É por causa do que aconteceu, não é?

—Estou me sentindo uma completa idiota! De nada adiantou ter discutido com o rei por horas. — Falo, fracassada. — Ele não cumpriu com a palavra que deu a própria sobrinha, que deu a Moisés.

—Mas, isso não é culpa sua.

—Tem razão, não é. — Novamente faço mira para o alvo, mas desta vez disparo a flecha e ela acerta-o em cheio. — Mas, se meu tio estivesse no lugar daquele alvo, eu me sentira muito menos inútil do que estou me sentindo agora.

—Hadany, você foi a única que teve coragem de enfrentar o rei e convencê-lo a mudar de ideia, mesmo que depois ele tenha voltado atrás em sua decisão. — Tany consegue prender meu olhar ao seu. — Somente você conseguiu dissipar dos olhos de nosso tio o orgulho que o estava cegando, fazendo com ele enxergasse com clareza e sensatez.

—Mas, não foi o suficiente! Bastou se ver livre das rãs para que o rei se deixasse guiar novamente por sua teimosia, não percebendo que está colocando em risco todo o reino. — O silêncio toma o campo de treinamento, somente o vento se faz presente ao redor de mim e de minha irmã. — Se lembra de quando nosso tio nos ensinava a manusear o arco e flecha?

Flash back on

—Muito bem, Tany. — Meu tio elogia minha irmã ao vê-la acertar a flecha bem no centro do alvo. — Sua vez, Hadany.

—Assim? — Pergunto ao me colocar na posição que ele ensinou.

—Assim. — Ele fala ao se abaixar a minha altura e com suas mãos colocar meus braços na posição correta para disparar a flecha. — Agora, acerte a flecha bem no meio do alvo.

—Eu consegui! — Comemoro sorridente ao ver minha flecha atravessar o alvo.

—Minhas sobrinhas são as melhores guerreiras do Alto e Baixo Egito. — Ele nos olha com um sorriso nos lábios.

—Mas, nunca poderemos ir a uma guerra. — Tany fala.

—Isso é bom. É um privilégio que somente as princesas e rainhas têm. — Meu tio nos coloca a sua frente, de forma que pode olhar para nós duas ao mesmo tempo. — Se algum dia nosso reino se envolver em uma guerra, será dever de vocês pedirem proteção aos deuses para mim e para os homens que estarão lutando no campo de batalha.

—Mas, se o senhor estiver na guerra, quem irá governar o Egito? — Pergunto.

—Se eu deixasse essa tarefa nas mãos de vocês, governariam o Egito em minha ausência? — Ele responde com outra pergunta.

—Sim. — Minha irmã e eu respondemos juntas.

—Mas, até lá, já estarão crescidas e o trono será pequeno para que se sentem juntas, como fazem agora. — Ele ri. — Uma terá que se sentar e a outra ficará de pé ao seu lado, mas as duas terão o mesmo poder sobre o reino.

—Hadany se senta no trono e eu fico ao lado dela. — Minha irmã afirma.

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—Eu prefiro que seja o contrário. — Discordo.

—Vocês terão muito tempo para decidir até que uma guerra de fato aconteça.

—De novo aqui com minhas filhas, Ramsés? — Minha mãe pergunta ao entrar no campo de treinamento.

—Não posso mais passar algum tempo com minhas sobrinhas, Henutmire? — Ele devolve a pergunta de minha mãe com um sorriso.

—É claro que pode, mas não ensinando a elas como manusear armas. — Minha mãe argumenta. — Elas são apenas crianças, podem se ferir.

—Não se preocupe, mamãe. — Falo na tentativa de desfazer a expressão séria de seu rosto. — Tio Ramsés é o melhor guerreiro de todo o Egito. Se ele nos treinar, nunca vamos nos machucar.

—Assim espero. — Ela fala.

—Por que não tenta, Henutmire? — Meu tio oferece um arco e uma flecha a minha mãe.

—Enlouqueceu? — Ela o olha com incredulidade. — Eu sequer sei segurar isso.

—Eu ensino você. — Ele novamente oferece o arco a minha mãe, mas ela rejeita. — Vamos, Henutmire! Onde está a coragem da princesa do Egito?

—Minhas filhas herdaram por completo. — Minha mãe responde.

—Mas, aposto que ainda restou um pouquinho que seja aí dentro de você. — Meu tio insiste e coloca o arco nas mãos de minha mãe.

—Está bem. — Ela concorda e nos animamos com isso. — Só uma vez.

Flash back off

—Nossa mãe só acertou o alvo na quinta tentativa. — Tany sorri ao se lembrar daquele dia. — E ficou brava porque ao invés de ensiná-la, nosso tio ria da falta de jeito dela.

—Às vezes eu me pergunto onde está o Ramsés de nossa infância. Aquele tio amoro e divertido que fazia de tudo para nos ver sorrindo, mesmo que fosse a coisa mais absurda do mundo. — Falo, contemplando o céu azul acima de mim. — O poder o transformou completamente.

—O poder tem esse efeito nas pessoas, Hadany. — Ela fala. — São poucos os que não se deixam corromper por ele.

(...)

—Bom dia, altezas. — Anat sorri falsamente assim que nos encontramos no corredor. — De onde estão vindo?

—Desde quando isso interessa a você? — Falo com grosseria.

—Vejo que a princesa acordou com péssimo humor esta manhã. — Ela fala com cinismo. Começo a entender porque a simples presença dessa mulher consegue tirar do sério minha mãe e minha irmã.

—Anat, hoje não está sendo um dia dos melhores. Então, por favor, não teste minha paciência. — Peço.

—O que é isso em seu rosto? — Tany pergunta e então eu noto marcas avermelhadas se destacarem na pele clara da esposa de Seth. — Não precisa responder, está claro que alguém lhe esbofeteou.

—Esse alguém é sua mãe, princesa. — A sacerdotisa revela. — Fui até seus aposentos agradecer o vinho que vossa alteza me mandou de presente e ela me respondeu com um tapa.

—Posso afirmar que motivos para isso não faltaram. — Minha irmã encara Anat.

—Talvez. — Ela não recua diante do olhar intimidador de Tany. — Mas, seria sábio de sua parte pensar bem antes de colocar uma rã em meu vinho, ou qualquer outra coisa. Eu sou muito desatenta e posso acabar colocando algo na bebida da irmã do soberano, por acidente.

—Tany! — Seguro minha irmã ao ver que ela partia para cima de Anat. — Não vale a pena.

—Eu já lhe disse que se algo acontecer a minha mãe, acontecerá dez vezes pior com você. — Tany fala com firmeza. — Espero ter sido bastante clara, sacerdotisa.

—Certamente foi, alteza. — Ela sorri ao nos fazer uma reverência e se retira em seguida.

—Você colocou uma rã no vinho de Anat? — Indago, incrédula da atitude de minha irmã.

—Apenas a cabeça. — Ela responde. — E é uma pena que ela não tenha engolido.

—Você perdeu o juízo, Tany? — Exclamo, mas de forma serena. — Decapitar um animal sagrado. Não teme a fúria da deusa Heket?

—Se eu soubesse que as rãs estariam todas mortas pela manhã, teria deixado para presentear a sacerdotisa de Seth hoje.

—Em quê está pensando? — Pergunto ao notar o olhar estranho de minha irmã.

—Precisamos saber mais sobre o passado de Anat. — Tany responde.

—O quê?

—Se não quiser me ajudar, não vou ficar chateada com você. — Ela fala. — Mas, preciso vasculhar a história dessa mulher.

—E por quê faria isso?

—Para descobrir os segredos que ela esconde. Não preciso de todos, preciso apenas de um que seja o mais terrível. — Os olhos de minha irmã brilham com a possibilidade de Anat ter algo sujo de seu passado a esconder.

—Eu não entendo para quê serviria conhecer um grande segredo de Anat.

—Para tê-la em minhas mãos. Ela faria o que eu quisesse sob a ameaça de ter seu segredo revelado. — Tany explica sua intenção. — E assim não poderia mais atormentar a vida de nossa mãe com esse desejo absurdo de vingança.

—É uma solução eficiente. — Acabo por concordar com seu raciocínio. — Mas, como descobriremos mais sobre Anat? Ela nasceu em Aváris, foi criada lá.

—Começaremos por Paser, que é tio dela.

Por Henutmire

—Entrando novamente sem ser anunciada, Henutmire? — Ramsés fala assim que atravesso as portas da sala do trono. — Já até imagino o que a trouxe aqui.

—Eu juro que estou tentando achar uma explicação para a sua atitude, mas não encontro. — Falo solenemente, sem deixar de olhá-lo com seriedade. — O que você quer afinal? Nos matar?

—Ora, por favor! As rãs são inofensivas, não matariam ninguém. — Meu irmão não dá ao assunto a devida importância. — Além disso, já nos livramos delas.

—Só nos livramos das rãs porque você disse a Moisés que deixaria os hebreus oferecerem sacrifício ao seu deus no deserto.

—Sim, eu disse. Mas, pensei melhor sobre essa decisão. — Ele me olha. — Os escravos são minha propriedade e não vão a lugar algum!

—Você não percebe que com essa teimosia coloca todos nós em risco? — Esbravejo, sem temer a reação de meu irmão. — O deus dos hebreus certamente enviará outra praga e todo o Egito sofrerá ainda mais.

—QUE ENVIE QUANTAS PRAGAS QUISER! — Ramsés torna sua voz mais alta do que a minha, mostrando que ele é o rei e eu apenas sou a princesa. — Eu não irei me curvar diante da vontade de uma divindade de escravos, sem rosto e sem nome.

—Essa divindade de escravos, como você diz, irá castigar o Egito até que você se convença e deixe os hebreus partirem. — Afirmo com toda a certeza que possuo. — Espero que você não tenha que ver sua própria família morta para se dar conta disso.

—A família real é protegida pelos deuses, nenhum mal pode nos atingir. — Ele fala, seguro de que somos imunes e invencíveis.

—Lembre-se disso quando estiver sofrendo grandemente por causa de uma praga enviada por esse deus. — Minhas palavras assustam meu irmão, posso ver isso em seus olhos.

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—Quando estiver chorando a morte de alguém que ama, ele se dará conta do grande erro que cometeu. — A voz de Hadany se faz presente e então vejo minha filha dentro da sala da trono.

—Como entrou aqui sem que eu a visse, Hadany? — Ramsés olha com seriedade para a sobrinha.

—O soberano nunca me vê, mesmo que eu esteja bem diante de seus olhos. — Ela responde.

—Isso não é verdade, minha sobrinha. — Meu irmão discorda. — Eu mantenho meus olhos em você desde que crescia no ventre de sua mãe.

—Então, por que me julgou invisível quando decidiu voltar atrás em sua palavra? — Hadany pergunta, mas recebe o silêncio de Ramsés. — Agora se dá conta, soberano das duas terras? Eu estou aqui, mas o senhor não me vê. — Ela faz uma breve pausa. — Talvez seja a intensidade da luz real que me ofusca.

As palavras de Hadany fazem com que uma lembrança invada minha que memória... A lembrança da última conversa que tive com meu pai.

Flash back on

—Desculpe interromper, mas é justamente essa mistura de rei com pai que me deixa mal. Há muito tempo que eu não consigo ver o meu pai atrás do rei. — Minhas palavras fazem com que meu pai tire seu olhar de mim e dirija-o para o nada. — Talvez seja a intensidade da luz real que me ofusca.

—Gostei da ironia. — Quase posso ver um sorriso nos lábios de meu pai. — Mas, gostaria também que acreditasse no meu amor. Um amor paterno, que é grande demais.

—Eu estou muito magoada, pai. — É o único que consigo dizer.

—Como deus vivo na terra, como o amado de Ptáh, estou sempre certo e não posso ser contestado. — Meu pai fala, agora olhando novamente para mim. — Mas, vejo que como pai eu falhei. Lamento muito... — Ele toma minhas mãos nas suas e deposita um beijo em cada uma. — Pode me perdoar? — O nó que se forma em minha garganta e o fato de não saber se posso e se quero perdoar o meu pai fazem com que meu silêncio seja a resposta a sua pergunta. — Filhinha querida... Quando a mágoa permitir, você sabe onde me encontrar.

Flash back off

—Será possível que vocês não entendem? — A voz de Ramsés me traz de volta de minhas lembranças e então eu noto que uma lágrima escapou de meus olhos e agora rola por meu rosto. — Estou fazendo o que é melhor para o reino e para manter o equilíbrio da ordem cósmica.

—Continue se importando apenas com o maldito equilíbrio da ordem cósmica e verá o reino perecer do alto de seu trono! — Hadany fala, furiosa. Ela dá as costas ao rei e se dirige para fora da sala do trono.

—Volte aqui, Hadany! — Meu irmão ordena, mas minha filha não o obedece. — Você não pode falar comigo dessa maneira, menina! Sou seu tio, seu rei! — Ramsés esbraveja, mas sua fúria não detém os passos de Hadany. — Não me faça ir atrás de você. Eu sei onde te encontrar.

—É um palácio cercado por altos muros, majestade. Todos sabem onde encontrar todos. — Hadany diz com calma impressionante ao passar pelas portas, sem se importar de sair da sala do trono sem a permissão do rei.

—O que ensinou a sua filha, Henutmire? — Ramsés me lança um olhar pleno de reprovação.

—Tudo o que você não ensinou ao seu filho e que nosso pai não ensinou a você. — Respondo.

—Com licença, soberano. — Um oficial invade a sala do trono, impedindo que Ramsés fale qualquer coisa sobre o que eu disse.

—O que significa isto? — Meu irmão esbraveja. — Como ousa entrar aqui dessa forma?

—Outra praga, majestade. — O oficial responde.

—Tem certeza? — O rei pergunta e o homem afirma que sim. — O que é dessa vez?

—Piolhos. — O oficial responde e de longe se pode notar o temor em sua voz. — O hebreu tocou com o cajado no chão e o pó da terra se tornou em piolhos por todo o reino.

—Que hebreu era esse? — Pergunto ao oficial.

—Eu não sei, senhora. — Ele responde. — Mas, ele estava acompanhado por Moisés.

—Arão... — Concluo comigo mesma ao ouvir a resposta do oficial.

(...)

—E eu achando que não poderia haver tormento pior do que as rãs. — Sinto todo o meu corpo coçar por causa dos piolhos.

—Não coce com tanta força, Henutmire. — Hur tenta me ajudar de alguma forma.

—Você não tem ideia de como isso incomoda. — Falo e meu marido dá um passo a frente em minha direção. — Não se aproxime, Hur! Não quero que pegue piolho também.

—Preferia que eu fosse o atingido, não você. — Meu marido me olha penalizado ao se dar conta do meu desespero. — É horrível te ver nesse estado e não poder fazer nada.

—O único que pode fazer alguma coisa é Ramsés. — Me afasto de Hur. — Se meu irmão não tivesse voltado atrás em sua palavra isso não estaria acontecendo.

—Mãe! — Hadany entra em meus aposentos, acompanhada por Leila, e vem correndo até mim. — Como a senhora está?

—Estou péssima, minha filha. — Respondo. — Me faltam mãos para me coçar.

—Todos no palácio estão infestados, senhora. — Leila diz. — Quer dizer, todos menos os hebreus.

—Você e sua irmã mais uma vez estão sendo poupadas da praga por terem sangue hebreu. — Falo, olhando para Hadany. — Mas, nós, os egípcios, não vamos aguentar por muito tempo. — Sinto minha pele arder como se uma brasa acesa estivesse sobre ela. Não penso em mais nada, apenas no breve alivio que arrastar minhas unhas sobre minha pele branca, agora completamente avermelhada, pode proporcionar.

—Está sangrando. — Hadany fala e é então que eu noto meu braço direito ferido por minhas unhas. — A senhora está se machucando, mãe.

—Tia Henutmire! — Mayra entra desesperada em meus aposentos. — Eu não aguento mais! Está coçando muito!

—Calma, Mayra. — Hadany tenta ajudar a prima, passando suas mãos com leveza em seu corpo para aliviar a coceira provocada pelos piolhos de forma que não a machuque.

—Por quanto tempo isso vai durar? — Minha sobrinha pergunta.

—Eu não sei, minha menina. — Respondo, sem conseguir deixar de me coçar um só instante. — Eu não sei.

—Esses bichinhos vão sugar todo o meu sangue e fazer com que eu arranque minha pele. — Mayra protesta, enquanto suas mãos percorrem seus braços com rapidez, na tentativa de aliviar o tormento causado pelos piolhos.

—Vou ver se encontro algo que alivie, senhora. — Leila fala.

—Tenho uma solução melhor. — Todos me olham, esperando que eu diga que solução é essa. — Leila, prepare trajes de banho para mim, minhas filhas e minha sobrinha.

—Como quiser, senhora. — Leila se retira para fazer o que pedi.

—Hadany, chame sua irmã e me esperem no jardim. — Peço, enquanto tento coçar meu pescoço com mais leveza para não me ferir ainda mais. — Chame Uri também, ele irá conosco.

—Onde nós vamos? — Minha filha questiona.

—Não faça perguntas, Hadany! — Começo a ficar nervosa com a coceira que os piolhos provocam e deixo isso transparecer em minha voz. — Faça apenas o que eu disse e seja rápida.

—Está bem. — Hadany então deixa os aposentos.

—Henutmire, o que vai fazer? — Hur pergunta sem entender.

—Nós vamos sair do palácio, tia? — Mayra pergunta. Eu me penalizo ao olhar para a menina, que não para de se coçar.

—Sim, Mayra. — Falo. — Nós vamos ao Nilo.

Por Anat

Eu nunca, nem por um instante sequer, desejei estar no lugar do faraó e ter sobre mim a enorme responsabilidade de governar um reino. Mas, agora tudo o que eu queria era estar no trono, plena de poderes sobre todo o Egito, somente para deixar que os hebreus partam de uma vez para o deserto e ofereçam sacrifício a esse deus invisível, que certamente está se divertindo com o que sua praga está nos causando. A sala de meu tio está tomada por pessoas desesperadas, que buscam algum alívio para a tormenta causada por esse bichinhos minúsculos, que parecem grudar em nossa pele e sugar todo o nosso sangue. Uma dessas pessoas sou eu.

—Eu espero que os piolhos atormentem bastante o soberano das duas coroas. — Alon fala. — Quem sabe assim ele não se convence e atende o pedido do filho da princesa.

—Eu só quero que isso acabe logo, Alon. — Falo. — Olhe para mim, já estou toda machucada de tanto me coçar.

—Não passe as unhas com tanta força.

—Como se isso fosse possível. — Tento me conter, mas é praticamente impossível não usar a força. — A coceira que esses bichos nojentos provocam é insuportável.

—Talvez seja essa a intenção do deus dos hebreus. — Ele sugere. — Algo tão insuportável que faça o rei mudar de ideia.

—Então, é bom que ele mude de ideia logo. — Vejo sangue começar a brotar de meus braços, mostrando que me feri ao usar minhas unhas para me coçar. — Eu não vou suportar por muito tempo.

—Nenhum de nós vai suportar. — Alon se coça com certo desespero.

—Passem isso no corpo para afugentar os piolhos e aliviar a coceira. — Meu tio nos entrega um pequeno pote com uma espécie de unguento dentro.

—Isso vai resolver? — Alon pergunta.

—Receio que por pouco tempo, meu rapaz. — Meu tio responde, enquanto usa suas mãos para se coçar.

—Se ao menos pudéssemos fazer rituais aos deuses para pedir que contenham essa praga. — Falo ao me lembrar que os sacerdotes, incluindo eu, estão impossibilitados de fazer rituais ou qualquer outra função sacerdotal devido ao fato de não estarmos dentro dos padrões de higiene exigidos por causa dos malditos piolhos.

—O deus dos hebreus está atacando nossos deuses. — Meu tio fala. — E para ser sincero, eu temo o que ainda pode acontecer se o soberano continuar irredutível.

—Fale com ele, meu tio. — Sugiro. — Além de sumo sacerdote, o senhor é sogro do rei. Convença-o a aceitar o pedido de Moisés.

—O soberano não tem dado ouvidos a ninguém, Anat. — Meu tio fala com certa tristeza. — A princesa Hadany foi a única que conseguiu fazê-lo mudar de ideia, e ainda assim o rei deixou seu ego falar mais alto e agora estamos sentindo na pele as consequências disso.

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Por Henutmire

As águas sagradas do Nilo refrescam minha pele ao tocar nela e me trazem grande alívio sobre o tormento causado pelos piolhos. O mesmo parece acontecer com Mayra, pois a menina que antes estava a ponto de enlouquecer de tanta coceira agora se diverte com Tany dentro da água. Hur, Uri e Leila permanecem na tenda que nós mesmos erguemos às margens do rio, mas com seus olhares atentos sobre as quatro princesas. Quatro princesas... Acho que eu nunca havia parado para pensar que nosso reino possui quatro princesas e apenas um príncipe.

—Se sente melhor? — Hadany pergunta ao se aproximar de mim.

—Muito melhor, minha filha. — Sorrio. — Se não tivéssemos vindo para cá, não sei se aguentaria por muito tempo e muito menos sua prima.

—Às vezes penso que é injusto que eu seja poupada, enquanto a senhora e Mayra são atigindas pelas pragas. — Minha filha fala, brincando com a água que bate em sua cintura. — Nem a senhora, nem ela merecem esse sofrimento.

—Não é questão de merecer ou não, Hadany. Mayra e eu somos egípcias e as pragas são destinadas aos egípcios. — Faço com que ela olhe para mim. — Eu tenho mais é que agradecer ao deus dos hebreus por preservar você e sua irmã, mesmo que não sejam puramente hebreias.

—Mas, eu não gosto de ver minha mãe sofrendo sem poder fazer nada. — Hadany me abraça.

—Não se preocupe comigo, meu amor. — Acaricio seu rosto delicado. — Prometo que serei forte para suportar e resistir a qualquer praga que vier sobre o Egito.

—Se me fizer essa promessa não poderá descumprir, aconteça o que acontecer.

—Tem a minha palavra. — Falo com segurança e isso faz minha filha sorrir. — Hadany, aquilo que disse a seu tio...

—Eu disse tantas coisas, mãe.

—Talvez seja a intensidade da luz real que me ofusca. — Repito as palavras ditas por minha filha na sala do trono, mas que também foram ditas por mim há anos atrás. — Uma vez eu disse a mesma coisa a meu pai, mas não me lembro de ter contado isso a você ou a quem quer que seja.

—De fato eu nunca havia ouvido essa frase antes para que pudesse repetí-la na frente de meu tio. — Hadany fala. — Apenas usei de ironia, sem ao menos perceber, para demonstrar como me sentia.

—Seu avô gostou da ironia. — Sinto meu coração se entristecer ao recordar aquele dia. — Eu sequer podia imaginar que aquela seria a última vez que eu o veria com vida.

—Foi a última conversa que teve com meu avô?

—Sim, ele me procurou para pedir perdão. Mas, eu estava tão magoada que não consegui perdoá-lo naquele momento. — Respondo, nostálgica. — Mal sabia eu que aquela era uma despedida e que nunca mais o olhar de meu pai se encontraria com meus olhos azuis, que ele tanto amava.

—Olhos que os deuses deram um pedaço do céu para ser sua cor. — Hadany consegue me fazer sorrir ao repetir algo que eu dizia a ela e a Tany quando eram crianças. — Acha que meu avô iria gostar de mim?

—É impossível não gostar de você, minha filha. — Ainda sorrindo, abraço minha filha mais uma vez. Todavia, sua pergunta me fez lembrar o quanto meu pai relutou em aceitar Moisés como neto. Seti não queria que eu lhe desse um neto hebreu, mas na verdade eu lhe dei três.

(...)

Dizem que nada melhor do que um novo amanhecer para fazer com que se esqueça os maus momentos do dia anterior. Hoje certamente é um desses dias. Da mesma forma que veio, a praga se foi. Não nego que isso deu a todos no palácio um enorme alívio, pois ninguém suportava mais aquele tormento. Porém, não posso cruzar meus braços e estampar um sorriso em meu rosto por estar livre dos piolhos. Preciso agir antes que o deus dos hebreus envie outra praga, tão ou mais terrível do que esta.

—Posso entrar? — Pergunto ao entrar nos aposentos da rainha.

—Já entrou, Henutmire. — Nefertari me olha com reprovação. — O que deseja?

—Preciso de sua ajuda, Nefertari. — Falo sem rodeios. — Talvez você seja a única pessoa capaz de fazer meu irmão mudar de ideia.

—Se refere ao pedido de Moisés?

—Sim. — Respondo. — Converse com Ramsés, convença-o a deixar os hebreus irem ao deserto.

—É você quem deveria conversar com Moisés. Se ele continuar insistindo com esse pedido sem cabimento, isso pode lhe custar a própria vida. — Minha cunhada demonstra que não está disposta a me ajudar. — Seu filho não deveria enfrentar o deus vivo dessa maneira.

—O único deus que me parece estar vivo é o de Moisés.

—Como ousa dizer tamanho absurdo, Henutmire? — Nefertari esbraveja.

—Por acaso você ainda não percebeu que os nossos deuses estão sendo incapazes de nos proteger? — Elevo meu tom de voz, tentando fazer com que ela entenda a gravidade da situação. — Se não fizermos alguma coisa, o Egito vai ruir.

—E o que espera que eu faça? — Ela pergunta, mas vejo em seu olhar que não se importa nem um pouco com o que eu disse.

—Fale com Ramsés, mostre a ele que sua atitude está fazendo nosso povo sofrer e colocando todos em risco. — Tento manter a calma, em vão. — Você é a rainha, ele tem que escutar você.

—Eu não vou fazer o que me pede! Aceitar o pedido de Moisés seria o mesmo que afirmar a superioridade dessa divindade invisível e se curvar diante de escravos. — Nefertari afirma, cega em sua soberba. — O Egito é a nação mais poderosa da terra e...

—Não continuará sendo se essa situação não mudar! — Esbravejo, interrompendo a rainha. — Se Ramsés não ceder, em breve não haverá mais reino para ser governado. Não haverá mais rei, não haverá mais rainha... E então você terá que descer desse pedestal onde você mesma se colocou, Nefertari.

—Como ousa falar assim comigo? — O tom de voz de minha cunhada é pleno de insatisfação. — EU SOU A RAINHA! — Ela grita, já que este é o único argumento que possui diante de minhas palavras.

—Sim, e eu sou apenas a princesa. — A serenidade de minha voz deixa Nefertari desconcertada. — Eu poderia me ajoelhar e implorar sua ajuda, mas jamais espere isso de um descendente de Seti. São os outros que se ajoelham perante nós, não o contrário. — Pego em seus braços, ainda com marcas avermelhadas causadas pela intensa coceira. — Vê as marcas? São consequência da teimosia do seu marido, que está se deixando levar pelo mesmo orgulho que você.

—Já chega, Henutmire.

—Seu filho poderia ter morrido em uma dessas pragas. — Continuo a falar, mesmo que a grande esposa real não queira mais me ouvir. — Falo de Amenhotep porque você só se importa com ele, mas Mayra também está sofrendo e ela é apenas uma criança.

—Não foi Ramsés que começou esse conflito. — A rainha me dá as costas e se afasta.

—Mas, só ele pode fazer com que pare. — Argumento. — Basta atender o pedido de Moisés.

—Você só está pensando em defender o seu filho, não é mesmo? — Ela tenta me atacar.

—Sim, estou. Assim como você deveria pensar em defender os seus. — Faço com que suas palavras se voltem contra ela mesma. — Aliás, como soberana das duas terras, você deveria defender os filhos do Egito.

—Não me acuse de não cumprir com meus deveres como rainha.

—Mas, é exatamente o que está fazendo, Nefertari! — Altero minha voz, mas logo trato de me acalmar. — Se nós que somos nobres padecemos com essas pragas, tente imaginar os egípcios que vivem fora do palácio. Se Ramsés não ceder, elas vão continuar.

—Moisés falou algo para você sobre outra praga? — Minha cunhada pergunta, me encarando.

—Não, eu ainda não tive a oportunidade de estar com meu filho desde que tudo isso começou. — Respondo. — Mas, o que acha que vai acontecer? Que o deus dos hebreus vai desistir?

—Talvez sim, quando esse deus sem rosto entender que o rei não vai se dobrar e que os nossos deuses são muito mais poderosos.

—Não seja tão tola, Nefertari. — Acabo por rir da ingenuidade da rainha. — Nenhum de nossos deuses conseguiu conter ou impedir o que nos atingiu. Nossas divindades estão sendo derrotadas a cada nova praga. O que falta para que você compreenda o que de fato está acontecendo? — Recebo silêncio como resposta. — Seu dever como rainha é zelar pelo reino. Convença Ramsés, ou o Egito será destruído.

(...)

"Salve o Egito, minha filha. Assim, decidirá o seu destino e o de todos."

—Eu estou tentando, pai. — Falo, olhando para o vazio. As palavras ditas por meu pai naquele sonho não saem de minha cabeça. Agora, compreendo com clareza porque ele pedia para que eu salvasse o Egito. — Eu juro que estou tentando.

—O que disse, meu amor? — Hur pergunta.

—Nada, apenas deixei meus pensamentos saírem em voz alta.

—Paser me disse que pretendia ir a vila conversar com Moisés. — Meu marido se senta ao meu lado. — Sabe se ele foi mesmo?

—Sim, ele veio falar comigo antes de ir. — Respondo. — Como eu não consegui a ajuda de Nefertari e menos ainda consegui conversar com Ramsés, Paser espera conseguir algum tipo de negociação com Moisés.

—Eu duvido muito que seu filho vá desistir da missão que lhe foi dada.

—É o que eu também penso, por isso fico ainda mais preocupada. — Falo. — Tentei de todas as maneiras abrir os olhos de meu irmão, mas o seu orgulho parece ser mais forte do que tudo.

—Você fez o que pôde, Henutmire. É melhor não continuar insistindo em convencer o rei a ceder. — Hur aconselha. — Ele é seu irmão, mas sabe como o soberano se torna uma pessoa irracional quando provocado.

—Eu não sou ingênua a ponto de acreditar que Ramsés seria incapaz de me fazer mal. — Suspiro. Me dói reconhecer que meu próprio irmão não hesitaria em fazer mal a seu próprio sangue. — Mas, entendo o que quer dizer. Se eu insistir, posso irritá-lo ainda mais e aí sim ele não escutará nada do que digo.

—Sei que quer ajudar Moisés, que quer salvar o Egito, mas precisa ser prudente. — Ele me olha, sério.

—Eu sei o que faço e irei agir com cautela. — Tento tranquilizar meu marido. — Não se preocupe comigo, meu amor.

—Não pode me pedir isso. Você é a mulher que eu amo, é a razão que eu tenho para viver. — Ele fala, me fazendo sorrir. — Metade de mim está em você.

—E a outra metade?

—Em nossas filhas. — Hur então se aproxima de mim. — Henutmire, quando nos casamos eu prometi que cuidaria de você e te protegeria. Eu não suportaria que o rei ou qualquer outra pessoa lhe fizesse mal.

—Não sei o que seria de mim sem você, meu amor. — Meu sorriso parece ser ainda maior ao ver o rosto de Hur tão próximo do meu.

—Tudo o que eu sempre quis foi fazê-la feliz.

—Eu não quero te perder nunca. — É apenas o que digo ao sentir meu coração ser novamente tomado pela infeliz angústia de perder Hur.

—Você nunca vai me perder. — Suas palavras são seguidas pela união de nossos lábios. Dessa forma, Hur afirma mais uma vez o quanto me ama e que jamais me deixará. Talvez seja tolice de minha parte dar importância a esse pressentimento de que algo irá nos separar. No entanto, confesso que essa sensação vem se tornando mais forte a cada dia, mesmo que eu tente me convencer de que nada fará com que isso aconteça.