O Lado Escuro da Lua

Capítulo Cinquenta e Três


O Lado Escuro da Lua – Capítulo Cinquenta e Três

Eram duas horas da manhã. Do lado de fora, carros zuniam pelas ruas, garotos gritavam e uma ou duas prostitutas se escoravam nas portas do ateliê. (Que estavam bem trancadas, Anna havia garantido, parecendo estranhamente à vontade com sua vizinhança questionável.)

Os dois estavam sentados em um canto, as roupas manchadas de tinta, Anna ainda segurando seu pincel. Havia prendido seus cachos loiros em um nó malfeito, a pontinha de um deles toda tingida de azul. Olhavam para a parede, porque ela era agora uma obra de arte.

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Começara logo após da saída de Apolo, com Anna anunciando que, se o ignorasse, Logan iria embora. É claro que ele não fora. Puxara um banquinho para junto da parede e começara a rabiscar seu nome nela, sabendo que isso deixaria a loira fora de si. Mas, mesmo quando terminara seu sobrenome, a garota ainda não havia lhe dirigido o olhar.

Frustrado, então, riscara a popa de um navio. Não planejava desenhar, mas já estivera trabalhando naquele projeto em Cape Cod, e aquela loira maldita era tão irritante, e para merda com ela e seu nariz franzido, para o inferno com aquela parede, aquele ateliê, que se danasse o quadro dele que ela nunca pintaria...

Antes que desse por si, Anna estava bem atrás dele, observando seu desenho com atenção.

– Você desenha?

A ideia era tão absurda que o fizera gargalhar.

– Não.

Como sempre, a loira psicótica não tinha o menor senso de humor. Ela continuou observando seu navio, as sobrancelhas claras agora juntas, os olhos tempestuosos.

– Você risca forte demais. Tem que ser mais suave, três ou quatro linhas para acertar e acabar com uma só. – O que, é claro, não fizera o menor sentido. Nada do que a garota dizia fazia, sinceramente. – E você está usando um pincel muito grosso para esse tipo de desenho. Aqui – e ela limpara o próprio pincel no suéter que vestia, nenhum pouco incomodada com a mancha que deixaria ali. – Tente esse.

Logan gargalhara de novo.

– Estou riscando a sua parede, você não deveria me bater com aquela régua?

– Eu sei escolher minhas próprias vítimas sozinha, obrigada. – E, então, só para tornar tudo ainda mais estranho, ainda mais depois de todo aquele discurso de "você nunca, jamais, verá um quadro seu aqui etc psicotismo etc", Anna abrira um pequeno sorriso. – Eu não suporto essas paredes brancas, elas me aprisionam aqui, e iria pintá-las uma hora de qualquer jeito. Já que vai ficar mesmo por aqui, você poderia me ajudar.

E Logan estendera a mão e aceitara o pincel.

Agora, olhando, assim, o efeito era grandioso. Ele havia pegado a escada que a garota mantinha no depósito, e a tinta quase chegava ao teto. Havia de tudo. Anna havia lhe ensinado sobre tintas, cores, pincéis largos, chanfrados, tintas à óleo e à base de água, mas sua principal lição fora: pinte. E ele havia feito. Um sol de laranja e amarelo, barcos e até um porto. E também um dragão que – tinha que admitir – Anna havia aprimorado drasticamente.

A parte da garota dispensava comentários. Havia um grande anjo segurando uma bandeja de cupcakes retorcidos, e suas asas eram das cores do arco-íris. Havia também um táxi, uma supernova e um gato.

Nada daquilo fazia sentido, ainda mais quando posto lado a lado. Era uma bagunça de cores diferentes e traços que não combinavam, mas Logan percebeu que adoraria algo assim no próprio quarto. Nas paredes, no teto, no chão.

A música ainda tocava, e dessa vez era Philip Philips. Enquanto pintava, Logan mal havia prestado atenção ao som – estivera ocupado demais rindo, sujando-se sem querer de tinta e dizendo besteiras até que Anna finalmente sorrisse, os dois como crianças.

– Foi divertido – acabou dizendo, depois do curto silêncio.

Anna era menor do que ele. Sentada ao seu lado sem a menor postura, ficava pelo menos um palmo mais baixa.

– É. – Suspirou. – Foi bom saber que você não é de todo vazio e inútil.

Antes de defender sua honra, Logan cedeu à curiosidade.

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– Eu não fiz nenhuma obra de arte.

Anna deitou a cabeça para trás para rir, como a criatura cheia de maldade que era.

– Com certeza não – lhe disse. Olhando para a parede, contudo, sua expressão era suave. – Eu já disse, Arte não tem nada ver com beleza.

Aquilo ainda não fazia o menor sentido, e foi isso que Logan lhe disse.

– Então eu posso assoar o nariz, pôr numa moldura legal e virar um artista famoso?

Anna deu uma risadinha maliciosa. Ergueu o pincel que ainda segurava, mas, pela primeira vez, Logan não viu aquilo como uma ameaça.

– Realmente espero que a Arte Moderna não tenha chegado ao fundo do poço desse jeito. – Ela moveu o pincel no ar, parecendo desenhar. – Mas tudo pode acontecer, suponho. Desde que você quisesse dizer alguma coisa com a sua secreção nasal, sim, seria Arte.

– O que eu poderia dizer com um negócio desses?

Anna encolheu os ombros, ainda concentrada em seu desenho.

– Uma reflexão sobre a condição primitiva e animal do ser humano, ou um protesto contra as galerias de hoje em dia que colocam em cartaz qualquer artista que pague... ou talvez você conseguisse ver o rosto de Jesus no catarro. Eu sei lá.

Mesmo se recusando a acreditar, Logan riu.

– Pode admitir, você também acha isso ridículo. Olha o que você fez, isso é Arte – argumentou, apontando para a supernova em infinitos tons de roxo e azul na parede. – Não aquele cara que expôs um mictório e ficou famoso por isso. Até eu tiro uma foto de um mictório.

Talvez pelo elogio, ou porque realmente concordasse com a estupidez de tudo aquilo, Anna abriu o sorriso mais verdadeiro que Logan já havia visto nela, mesmo que não desviasse a atenção do seu desenho invisível.

Curioso, Logan se pôs a observá-la sem se incomodar em ser discreto. (Anna sempre fora boa em ignorar sua atenção e sua presença, de qualquer forma. O que era, é claro, uma das coisas que sempre detestara nela – lado a lado com todo o resto.)

Para começar, os assuntos que ela trazia à tona sobre os quais ele não sabia de nada. Na verdade, não entendia nada. E ele estava acostumado a dominar a conversa, especialmente quando garotas estavam envolvidas, e ficar quieto contra a própria vontade enquanto Anna verbalmente expunha seu grandioso cérebro era uma experiência enraivecedora.

Além do mais, quando ele acontecia de saber alguma coisa, ela usualmente tomava o partido contrário e arrumava os melhores argumentos possíveis. Logan detestava perder, e até discussões sem importância eram dignas de consideração nesse quesito.

Afinal, já havia mesmo até dito ao seu primo que Anna era a pior parte de suas viagens a Boston. Sentado ao seu lado daquele jeito, contudo, não podia evitar notar que ela era apenas uma garota. O que mais poderia ser, honestamente? Tinha o quê, a idade de Apolo? Ele nem sabia.

Tinha dois diplomas a mais do que ele, falava mais de cinco línguas, era provavelmente capaz de explodir um pequeno país. Pintava como uma profissional e aprendera a tocar violino enquanto ele ainda corria pelo parquinho. Mas era só uma garota. Tinha pernas finas, não mais que um metro e setenta, cabelo loiro descuidado e vestia sempre suéteres largos e cachecóis de crochê em cores vivas. Nada além de uma garota.

Logan observou seu perfil, Anna ainda muito ocupada com seu desenho, e perguntou-se como, depois de mais de quinze anos a conhecendo, não havia se interessado por ela antes.

– Eu tive uma ideia – disse, decidido. – Vamos jogar.

O canto dos seus lábios finos subiu um pouquinho.

– Não vou tirar a roupa para você.

– Não é esse tipo de jogo, sua nerd pervertida.

Anna o olhou de lado, tempestuosamente séria por um segundo.

– Não me chame de nerd. – Então abaixou o pincel, voltando a relaxar contra a parede. – E que tipo de jogo é, então? Eu vou ganhar qualquer coisa que envolva matemática ou conhecimento em geral, então poupe o seu ego.

A pior parte era que ela provavelmente iria, então Logan engoliu em seco o arranhão em seu orgulho.

– Não é o tipo de jogo que se ganha.

As sobrancelhas loiras se juntaram.

– Então não é um jogo.

Havia diferença entre jogo, competição e brincadeira? Logan detestaria se ela lhe explicasse, naquele tom de voz superior, que um jogo sempre precisaria de um vencedor, do contrário seria [insira aqui qualquer outra palavra]. Respirou fundo.

– É uma brincadeira, tanto faz, não importa o nome. Só que não tem ganhador.

– Então qual é o propósito?

– O propósito de um jogo seria ganhar, para você? – Logan percebeu, achando graça. Pelo menos isso temos em comum. – Não, super gênio. O propósito é se divertir.

– Não me chame de super gênio. – Ela comprimiu os lábios, e, por algum motivo, Logan se lembrou do lado de Anna que ele não suportava. – E eu não acho que eu vá me divertir com você.

Logan a ignorou, considerando como as últimas horas haviam sido divertidas. (Na verdade, teria dito isso a ela se não receasse receber algo péssimo e destrutivo em resposta.)

– Não é nada muito elaborado, só um jogo de perguntas e respostas pessoais.

– Não vamos rodar uma garrafa, também?

– Estamos em dois, não faria sentido – Logan respondeu, antes de perceber que estava sendo caçoado. Recobrou a paciência. – Vamos lá, você não pode ser tão chata assim.

Anna levou um tempo o avaliando antes de responder.

– Acho que posso sobreviver. - Abriu, então, um pequeno e perigoso sorriso. - Mas eu começo.

{...}