Fazia calor naquela tarde. Sem muito o que fazer naquela imensa casa dos Watson, e também cansado de receber olhares desconfiados dos empregados da casa e também da senhora Watson, Grigori decidiu passar a tarde no jardim, que ficava nos fundos da casa. Ontem, fizera a mesma coisa. Procurava por insetos no jardim, ou mesmo sujava os dedos procurando por minhocas na terra, apenas para vê-las se contorcendo por terem seu abrigo descoberto pelos dedos do menino levado. Por mais simples – e mesmo idiota – que tal ato fosse, Grigori ainda se sentia um pouco mais distraído por fazê-lo.

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Porém, ao chegar ao jardim, ele acabou por avistar Emily, a filha mais velha de Watson, que estava sentada em um banco, apenas balançando as pernas. Provavelmente, ela estava sem ter o que fazer, assim como ele. O menino pigarreou, para anunciar sua presença, mas a menina sequer lhe deu atenção.

-Olá.

-Olá. – ela disse, secamente, parecendo prestar mais atenção no balançar de seus pés do que nele.

-Er... Você não tem amigos? – questionou Grigori, ao notar que ela estava sempre sozinha.

A menina emburrou o rosto.

—Apenas as meninas do colégio. Meu pai não gosta que eu faça amizades aqui, na cidade, com qualquer pessoa. Apenas com filhos de seus amigos, que são todos chatos. E você?

—Eu tinha um irmão, que era meu melhor amigo. Quero dizer... Eu tenho um irmão. Ele se chama Georgi. Costumávamos brincar de pique esconde...

Por um bom tempo, Grigori conversou com Emily sobre sua vida na Rússia. Contou um pouco sobre sua vida no orfanato, sobre as ruas de São Petersburgo e as viagens de trem por locais que ele sequer sabia o nome, até chegar à Sussex. A menina escutava a tudo maravilhada, e também com um pouco de inveja por sua vida ser sempre um marasmo, onde nada de excepcional acontecia. No fim, ela nada tinha de interessante para contar.

O encontro de ambos no jardim começou a se tornar mais frequente. Todas as tardes, naquela semana, Grigori aparecia, sentava ao lado dela e contava histórias que vivera. Nos últimos dias, chegara até a arrancar risos dela – algo que o deixou bastante satisfeito.

—Então, você irá ficar de vez? – ela perguntou.

Como sempre, Emily estava sentada no banco do pequeno jardim que seus pais cultivavam nos fundos de casa. Ela, sempre tão agitada, não gostava muito daquele lugar ou de admirar o monótono crescimento das flores, como faziam suas irmãs mais novas. Mas quando estava sozinha com Grigori, ela gostava de estar ali. Assim, poderia falar qualquer coisa que quisesse em privado. Ainda mais porque Grigori era o único menino que ela tinha contato.

-Parece que sim. – disse o menino, ainda sério. – Mas acho que terei de voltar ao meu país, e provavelmente ajudar Mr. Holmes em uma missão.

Nos últimos dias, Grigori tinha escutado, ainda que escondido, a uma conversa entre Watson e Holmes, a respeito da ida do detetive para a Rússia, apesar de quase nada saber a respeito. Sherlock Holmes jamais contara o porquê de sua viagem, sequer convidara o menino, mas para impressionar – e também irritar – Emily Watson, Grigori sentiu-se permitido a dar uma exagerada. Apesar da pouca idade, ele se sentia com tantas responsabilidades quanto um adulto, apesar de não tê-las.

Como ele imaginara, Emily ficou indignadamente surpresa.

-Papai jamais me levou para ver um paciente. – ela lamentou. O menino riu, satisfeito porque conseguiu deixa-la com uma pitada de inveja com sua mentira.

-Talvez porque você seja uma menina.

Emily ficou estarrecida e levantou-se, com raiva.

-Isso não te faz melhor do que eu.

Grigori riu, deixando a menina mais irritada.

-Eu sou mais forte que você.

-E eu, mais esperta.

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-É o que você diz.

-É o que é verdade.

-Mentirosa.

Para total estarrecimento de Grigori, Emily se sentou sobre a cabeceira de uma mesa, que ficava no jardim.

-O que foi?

-Glupo (Boba). Você nunca mais vai se casar agora.

-Quê?! – Emily riu, ainda sentada na mesa. – Que absurdo é esse agora?

-É errado uma menina se sentar sobre a mesa. Dá azar, ela jamais conseguirá se casar se fizer isso.

-E quem disse que eu quero me casar? – ela disse, cruzando os braços. Grigori ficou ainda mais estarrecido.

-Você é louca! Todas as mulheres devem se casar. Você quer acabar seca, sozinha e sem marido? Sem filhos?

-Não vai fazer falta pra mim. – ela deu de ombros.

-Seus pais me parecem felizes. Você deveria seguir o exemplo deles e...

-Não são os meus pais. – cortou Emily, com rispidez, saindo de cima da mesa. – Ao menos, Molly não é minha mãe.

-Oh. – ele disse, sem parecer surpreso. Emily ficou incomodada com sua reação quase simplória. Afinal, ela sempre gostava de provocar as pessoas. Mas o que tem de errado com esse garoto? Por que eu nunca consigo surpreendê-lo?

-O que foi? Parece que já sabia disso.

—Já imaginava. Você não se parece com nenhum dos dois. Presumi que fosse parecida com sua mãe. Claro, Dr. Watson poderia não ser seu pai, mas eu percebi o tratamento que ele te dá, como igual. Já Mrs. Watson te trata diferente de suas irmãs... E o curioso é que você me perguntou se eu era um bastardo de Mr. Holmes, e no entanto...

-Sim, eu sou uma bastarda. Satisfeito?

Grigori percebeu que Emily estava magoada e pediu desculpas.

-Você sabe o nome de sua mãe? – ele perguntou, ainda que timidamente.

-Rose. Só isso, e mais nada. E eu só sei porque eu ouvi escondida, atrás da porta do escritório, o meu pai comentar alguma coisa com Mr. Holmes sobre ela.

-Sua mãe deve ser uma mulher muito bonita.

De repente, ficou um silêncio estranho no jardim. Tanto Grigori quanto Emily pareciam estáticos, sem palavras, como se cada um esperasse a reação do outro e não estivesse entendendo o que estava acontecendo para ambos sentirem suas bochechas arderem e o coração mais disparado.

-Er, eu quero dizer... Afinal, Dr. Watson deveria acha-la muito bonita. – cortou Grigori.

-Sim, claro. – respondeu Emily, com uma sensação de alívio estranha brotando de seu peito.

O que diabos há comigo?

-Você já tentou investigar? – desconversou o menino.

Emily pareceu temerosa.

-Meu pai guarda tudo de valioso que possui em seu escritório. Eu tenho certeza de que há algo de minha mãe na gaveta de sua escrivaninha, porque ele sempre a mantém trancada e parece incomodado quando fico olhando demais para ela. Aliás, minha presença desde o ano passado foi proibida ali. Tenho certeza de que foram minhas perguntas sobre minha verdadeira mãe que o levou a tomar a decisão de trancar a porta de seu escritório. Ele fica no segundo andar. A única maneira de acessá-lo é pela janela, mas... É muito alto, e além de quê, eu sou uma menina.

Grigori franziu a sobrancelha.

-Mas você acabou de me dizer que uma menina é capaz de fazer as mesmas coisas que um menino.

Emily ficou irritada, cruzando os braços.

-O que você quer, seu pervertido? Que eu suba pelas paredes usando um vestido e que assim possa ver minhas calçolas?!

-Não, não! – negou Grigori, sentindo um rubor leve tomar suas bochechas. – Jamais iria sugerir algo assim! Mas afinal, onde fica essa janela?

-É aquela. – aponto Emily. – Espere... O que está pensando em fazer, Grigori?

Grigori trazia no rosto uma feição endiabrada. No fundo, estava se divertindo de ver que Emily era realmente limitada que ele em algum aspecto. E aquela era a oportunidade perfeita dele superá-la em alguma coisa. Mesmo que fosse algo tão simples, quando um mero escalar de paredes.

Ignorando os riscos, o menino começou a procurar por fresas de tijolos, onde pôde colocar seus pés e também agarrá-los com os dedos, auxiliando sua subida. Quando terminando de subir o primeiro andar, ele ainda pôde olhar para Emily, que observava sua escalada um tanto aflita, levando a mão na boca em apreensão.

-Meu Deus! Cuidado, garoto!

-Shiu! – gesticulou o menino, fazendo a menina se calar no ato. – Quer que alguém mais escute?

-Não.

-Então, fique quieta.

O menino continuou, procurando não olhar para baixo. Já tinha escalado algumas paredes e árvores em sua infância, mas nada se comparava a fazê-lo ali, sendo prestes a ser pego pelos donos da casa. Por mais que não estivesse com a intenção de roubar nada de valor, Grigori sabia que o que estava fazendo era errado. No entanto, ver Emily aflita e sendo derrotada em alguma coisa valia o sacrifício e risco.

Quando finalmente alcançou a janela, Grigori entrou sem dificuldades, pois a janela estava destrancada.

Emily estava certa. Aquele era, de fato, o escritório do Dr. Watson. Havia livros e papéis pela mesa, além de tinteiro e uma variedade de canetas. Observando a escrivaninha, Grigori encontrou a tal gaveta trancada. Tal como imaginava, trancada.

Tirando do bolso de seu colete um grampo, que costumava utilizar para praticar seus pequenos delitos, Grigori começou a forçar a fechadura, até conseguir abri-la. Com grande satisfação estampada no rosto, ele pôde ver o conteúdo da gaveta. Um punhado de papéis, e só. Como não sabia uma só palavra de Inglês, o menino decidiu enfiar nos bolsos tudo que pôde.

-E então? – perguntou Emily, um tanto ansiosa, enquanto o menino terminava de descer.

-Achei algumas coisas. Dê uma olhada.

Sentados à grama, as crianças analisavam pelos papéis. Alguns, Emily percebeu, eram recibos de depósitos bancários, dentre papéis financeiros. Papai irá ficar furioso se perceber que tudo isso desapareceu, pensava a menina.

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À medida que os papéis eram analisados, a menina começou a crescer em frustração. Temia que todo o risco e perigo tinham sido em vão, e que no meio de toda aquela papelada não houvesse nada relacionado à sua misteriosa mãe, mas um papel, por fim, trouxe alívio a ela.

-Rose Willians... Só pode ser minha mãe! – disse a menina, contente.

-O que é isso? –questionou Grigori, uma vez que não entendia uma só palavra de Inglês.

-Um envelope rasgado e vazio... No nome de Rose Willians, do bairro de... Nossa, mas esse lugar é incrível! É inacreditável que minha mãe more por lá!

-Você sabe onde fica? -perguntou Grigori.

-Sim. Fica nos arredores de Westminster. Somente pessoas de boa condição vivem ali... Quem diria, então minha mãe é uma mulher de posses... Inacreditável! Fico me perguntando porque meu pai decidiu ficar com a pobretona da minha madrasta, ao invés dela.

Grigori parecia desconfiando.

-O que fará, então? Procurá-la?

-Sim. Vou dizer a ela que sei de toda a verdade, que não adianta mais o meu pai escondê-la de mim. Tenho certeza de que ela irá me aceitar para viver com ela! Oh, fico imaginando que vida maravilhosa eu terei em Westminster... Tenho certeza de que viverei como uma verdadeira princesa por lá! Não tenha duvidas, garoto. Eu irei encontra-la.

-Posso ir com você?

-Contanto que vista sua melhor roupa... Quem sabe. Afinal, você me ajudou. Vou pedir a ela que te dê algum trocado por isso.

Embora tenha sentindo um tom subitamente mais arrogante em Emily, Grigori ficou animado. Queria conhecer mais a cidade de Londres, e aquela era uma oportunidade perfeita. Agitado, imediatamente o menino se levantou.

-Espere aqui. Não vou me demorar

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-Já estamos chegando?

Grigori perguntava, cansado. Estava andando há um bom tempo. Embora Emily tenha quebrado o porquinho de sua irmã mais nova para pagar um cabriolé, nenhum deles aceitava os dois passageiros, tanto pela idade quanto pela quantidade de xelins. Sem opção, os dois tiveram de prosseguir até Westminster à pé.

-Fique calmo. Tenho certeza de que valerá a pena. Minha mãe deve ter uma mesa farta de chá e biscoitos para te oferecer quando chegarmos lá.

-Isso é o que me motiva. – assinalou Grigori.

Após mais de quinze minutos, finalmente as duas crianças chegaram à Westminster. Fazendo algumas perguntas por alguns comerciantes, Emily acabou por perceber que sua mãe morava em um local mais... Afastado das pessoas abastadas. Mas ainda assim, aquela era uma área nobre, afinal. Mesmo que ficasse praticamente no bairro vizinho.

-Ali está. Número 5.

-Tem uma senhorita na porta. – ressaltou Grigori. – Será que ela é a sua mãe?

-Não sei. – disse a menina, ansiosa. Dando um forte suspiro, Emily finalmente atravessou a rua, sendo acompanhada por Grigori.

-Boa tarde.

-Tarde. – disse a mulher, com um forte hálito de bebida. A julgar por seu olhar, ela não era acostumada a cortesias ou cumprimentos.

-Er... Acaso a senhora conhece Rose Willians?

-E se conhecer? – ela disse, com profundo desinteresse.

-Bom, eu... Eu sou filha dela. – disse Emily.

A mulher arregalou os olhos.

-Você?! – ela questionou. Após uma rápida analisada continuou. – É... Você lembra mesmo a dona Rose...

Dona Rose... Então, essa mulher é empregada de minha mãe...

-Margareth! – gritou, dali mesmo, a senhora, de um modo nada educado. – Vá chamar a Dona Rose! Diga que ela tem uma visitinha especial aqui.

Enquanto esperava por Rose Willians, a mulher ainda acrescentou.

-Sabia que troquei muita frauda sua, garota?

-Er... É mesmo?

-Sim... Você usava uma frauda de pano bem vagabunda. A julgar por seu vestido, vejo que tem boa vida. É mesmo uma menina de sorte por sua mãe ter te...

Antes que a mulher pudesse continuar a frase, a própria Rose Willians apareceu.

-Abigail? O que diabos você quer dizer com “visitinha especial!?

Emily arregalou os olhos. Agora, ela pôde entender de quem tinha herdado os cabelos ruivos, algo que nem seu pai e nem suas meias-irmãs possuíam. Na verdade, aquela mulher, bem diante de si, lembrava muito a si mesmo. Havia algo enérgico em sua atitude, e também uma forma petulante e zombeteira de tratar as pessoas.

-Rose... Essa menina... É a Emily. – completou a mulher.

Rose, que até então sequer tinha dado atenção às duas crianças diante de si, virou seus olhos diretamente para Emily, pela primeira vez. Ainda parecia descrente.

-Que Emily? – perguntou, com pouco caso.

-A sua Emily.

Rose virou-se mais uma vez para a menina. Em poucos instantes, seu olhar despretensioso e relaxado se tonou tenso.

-Por Deus... Emily! O que faz aqui?! Como John pôde ter deixado você chegar até mim?!

-Ele não deixou. Eu descobri por conta própria.

De repente, Rose lançou um olhar cúmplice para Emily.

-Bem vejo que tem meu sangue e meu gênio, garota. E quem é esse menino? Já é algum namoradinho seu?

Grigori ficou indignado, assim como Emily. As duas crianças ficaram completamente ruborizadas pelo comentário inusitado.

-Não! –gritaram os dois em uníssono. Grigori pôs-se a gaguejar, deixando escapar o seu sotaque, mas Emily completou.

—Ele é só um amigo!

-Ainda. – disse Rose, piscando levemente. – Venha, não é bom você ficar por aqui. Entrem, mas por favor, fechem os olhos.

-Por quê?- questionou Grigori, curioso.

-A curiosidade matou o gato, menino. Agora, fechem os olhos.

De olhos fechados e sendo guiados por Rose, as duas crianças caminharam pelo ambiente. Só puderam sentir um leve cheiro de bebida e perfume barato, além de aromas de cigarro de todo tipo. Havia o som de um piano, a tocar uma melodia alegre que nenhum deles conhecia, que quase ocultava as discretas risadinhas e suspiros suspeitos que ambas as crianças conseguiam escutar pelo local.

-Diversificando seu negócio, Rose? Eu adoraria uma prova... – disse uma voz masculina.

-Nem ouse. – interrompeu Rose, com rispidez.

Após andar pela escuridão por alguns minutos, ambos escutaram uma porta sendo aberta. Após darem alguns passos, foram liberados a abrirem seus olhos. Ainda com a visão turva por manterem seus olhos fechados por longos minutos, as duas crianças puderam avaliar bem o local. Havia uma espécie de sofá, com uma mesa de centro repleta de cinzeiros. Acima da lareira, estava o retrato de um homem imponente, grisalho e de óculos. Havia também uma mesa repleta de bebidas, que logo capturou a atenção de Grigori.

-Já bebe, menino?

-Sim. – disse o menino, sem se escandalizar.

-Quer um pouco?

-Grigori... – alertou Emily, sendo ignorada por ele, que aguardava enquanto Rose lhe enchia um copo de uísque.

-Um pouquinho de água, para não deixa-lo embriagado.

-Obrigado, senhora. – disse o menino, após pegar o copo. Puxa, a mãe da Emily é muito legal.

-Quer um pouco? – perguntou Rose, recebendo um gesto negativo de Emily.

-Obrigada pela oferta, mas eu não bebo.

Rose sorriu.

-Bem vejo que é uma mocinha muito educada. John fez um bom trabalho em dar-te uma educação decente. Agora, vejo que a esposa dele... Como era mesmo o nome dela? Enfim... Vejo que sua madrasta não foi muito competente em te entregar o “amor materno” que ela me prometera, uma vez que você ainda tem algum interesse em me conhecer mesmo após todos estes anos.

-Molly sempre deixou claro que não era a minha mãe. – disse Emily, com franqueza.

-Ela fez mal. Eu entreguei você ao seu pai quando ainda tinha um ano. Você sequer poderia se lembrar de mim. Ela poderia muito bem ter mentido.

-Por que você me entregou ao meu pai?

Foi a vez de Rose beber uísque.

-Eu e seu pai ficamos juntos por um tempo, mas não nos casamos. Digamos que... Digamos que eu não era bem-vista por causa de meu passado. E eu também cometi alguns erros... Nossa união não deu certo. Iríamos seguir nossas vidas, mas acabei engravidando. E na época que descobri a gravidez, seu pai já estava cortejando Molly, já tinha planos de se casar. E eu e você estávamos no caminho.

Rose bebeu mais um gole. Com dois goles, tinha terminado por completo o copo, que vazio, tornou a ser ocupado por mais uísque.

-Então, eu era um estorvo, é isso? Um empecilho? – perguntou Emily, angustiada.

-Não. Seu pai sempre quis você. O problema era eu. Um bebê une duas pessoas pelo resto da vida, e seu pai não queria me ver novamente. Mas não era justo ele me privar de sua presença, por isso, eu pedi uma casa em troca. Esta casa.

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Emily ficou horrorizada.

-Você me vendeu?!

Rose riu alto, da reação escandalizada de Emily.

-Você é só uma garotinha, incapaz de entender a vida e suas mazelas. Eu não tinha sua boa vida, repleta de conforto e com a garantia de ter sempre um prato de comida na mesa. Precisava usar essa situação ao meu favor.

—Você só me usou... Para melhorar de vida...

—O que acaso pensou, garota? Que eu estive todos estes anos sofrendo porque optei por deixa-la com um homem de boas condições? Que tipo de futuro você teria comigo? Ou melhor, que tipo de futuro eu teria com um bebê ao meu lado? Uma criança só atrapalharia minha vida, meu ganha-pão.

Largando o copo de uísque na mesa, Grigori interferiu.

—A senhora está sendo muito dura.

—A vida é dura, garoto. – respondeu Rose. – Dura, cruel e exigente. Na sua idade, Emily, eu fiz coisas que nem você, nem seu pai e sua madrasta poderiam imaginar, em troca de moedas. Dê-se por satisfeita, garota, por John ter tido a hombridade de te aceitar. Muitos homens não o fariam.

—E o que teria feito, então?! – esbravejou Emily, às lágrimas. – Me lançado a um orfanato?

—Se ele tivesse recusado, provavelmente. Enfim, essa conversa está ótima, mas eu tenho muitos clientes para cuidar. Irei chamar um cabriolé para vocês. Fiquem aqui. Se derem um passo para fora daquela porta, eu juro que cortarei as orelhas de vocês.

Após Rose sair do recinto, Grigori virou-se para Emily.

—Emily, a sua mãe... Eu acho que ela é uma... Uma...

—Eu sei o que ela é, Grigori. Algo que tem tantos nomes que nem ouso dizer. Céus, como eu fui estúpida! Agora eu entendo porque meu pai não quis que eu sequer a conhecesse!

—É por isso que eu prefiro não saber nada sobre meus pais. Eu tenho meu irmão Georgi, e assim está bom. Não preciso de mais ninguém.

—Acho que posso entender seus motivos. O problema é que está ficando tarde e o papai logo dará pela falta da gente. Tomara que esse cabriolé chegue logo.

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-Estou com fome.

Cinco e quarenta, observava Emily com preocupação o relógio-cuco que adornava aquela sala. Quase duas horas haviam se passado desde que Rose saíra da sala. Um cabriolé em Westminster não deveria ser tão difícil assim de se conseguir! O que, afinal, estava causando tanta demora no retorno dela?

Grigori também estava preocupado. E faminto. Infelizmente, não havia nada naquela mesa além de uísque, algo que não mata a fome. Inquieto, o menino começava a andar pelo ambiente, à procura de alguma distração.

-Será que o homem deste retrato é seu padrasto? – questionava o menino, curioso.

Emily riu, com desânimo.

-Uma mulher como minha mãe jamais teria um marido. Provavelmente é algum cliente importante.

-Emily, a sua mãe está demorando... E daqui a pouco irá anoitecer. Não é melhor a desobedecermos e sairmos logo daqui?

-Honestamente, Grigori? Eu não tenho medo da ameaça dela, mas do que posso acabar vendo do outro lado daquela porta. – disse Emily, com desgosto.

-Podemos pular pela janela... – disse Grigori, tentando abri-la. – Ah, está trancada.

-Tente arromba-la, então. – pediu Emily.

Quando o menino se preparava apara abri-la, a porta se abriu. Ficaram momentaneamente aliviados, por pensar que seria Rose, avisando do cabriolé, mas ambos ficaram sérios e preocupados ao notarem que a pessoa presente ali era nada mais, nada menos, que o homem do retrato.

Acompanhado de alguém que Grigori também conhecia.

-V-V-Você?!