Água

Já é de noite, hora de dormir. Eu, Peter e Drew já bolamos tudo. Uma pessoa a menos essa noite. Tris. E depois, resolvemos as coisas com Christina e Will. São fortes concorrentes também. Logo estarei salvo dos sem facções.

Quando entramos no quarto, Tris já está dormindo. Seria fácil somente enfiar uma faca nas costas dela, mas os outros iniciandos estão entrando também. Nos deitamos e esperamos todos dormirem.

Minutos depois, Tris se levanta e sai. Dou o sinal para Peter e a seguimos.

Ela está perto do bebedouro, se esgueirando nas sombras. Não sei porquê. Ela está completamente distraída. Peter nos dá outro sinal com a cabeça.

Eu me aproximo e de uma vez cubro a boca dela. Ela se debate e eu a impeço de gritar. Drew e Peter amarram suas mãos e a vendam. Ela se debate muito, tentando se soltar, mas eu não deixo. Poderia deixá-la ir e encarar as consequências. Mas não, não posso voltar atrás. Ela morde meu dedo.

-Ai!- sussurro um pouco alto.

- Fica quieto!- diz Peter.

Continuamos a empurrá-la até o abismo. Pelo cheiro de sabão onipresente em mim, ela já deve ter descoberto que sou eu. E Peter, pela sua voz fina. Drew, acho que não. Quando chegamos ao abismo, a levantamos até suas costas dobrarem na grade. Se a soltarmos, já era. Poderíamos soltá-la e pronto. Mas não, Peter tem que aproveitar a situação. Ele apalpa os seios dela.

- Tem certeza que tem dezesseis anos, Careta? Parece que só tem doze!

Drew ri. Eu acompanho a risada para não parecer fraco quanto à essa situação. Lanço um olhar pra Peter do tipo "vamos logo com isso" e ele devolve um olhar "espera, cara. vamos nos divertir". Depois sorri e a aperta.

-Acho que encontrei alguma coisa!

Drew ri de novo, mais alto. Mas eu não achei graça. Por um motivo bobo, como eu disse antes: Se eu não posso tê-la, ninguém pode. Nem que "tê-la" seja tocar nela...desse jeito. Percebi que ainda gosto dela. Como fui idiota. Não quero machucar alguém que amo, assim como não machucaria meus pais. Vou defendê-la, com tudo que posso.

-Para com isso!- digo, e solto a boca de Tris. Assim que o faço, ela se debate e morde o braço de Drew. Ele revida com uma cotovelada em sua testa. Já vi que agora, o único jeito de matá-la seria espancando-a. E eu não vou participar disso, e não quero me meter na briga para salvá-la. Sou egoísta. Sou medroso.

Drew a empurra no chão e Peter sai correndo em direção a ela para ajudar no espancamento. Ela tenta arrancar a venda dos olhos, mas Peter dá um chute em suas costelas. Ela tosse e libera a mãos. Peter continua, agarrando seu cabelo e batendo sua cabeça no chão, ela fica tonta.

O que estou fazendo parado aqui?, penso.Tenho que ajudá-la. Mas se eu ajudá-la, corro risco de (1) ser espancado, (2) ser morto, (3) ser morto depois, por vingança.

Ela está caída de lado, com um corte pequeno na cabeça. Uma listra de sangue corre por suas sobrancelhas até o chão. Duvido que ela esteja escutando os gritos de Drew e Peter. Peter está acusando Drew de deixá-la morder o braço e se libertar. Drew, não tão forte quanto Peter, apanha. Fica caído quase igual a Tris. A pequena Careta conseguiu arrancar a venda. Nesse momento, corro para longe para evitar seu olhar triste. Olho para trás e vejo-a se levantando. Me apoio em uma porta e vejo a pancadaria de longe. Não é possível que ninguém acordou, penso. Alguém venha e acabe com isso, por favor. Lágrimas escorrem de meus olhos, tristeza.

A última coisa que vejo é Peter levantando-a pelo queixo, deixando-a ofegante. A última coisa que ouço é o grito de Quatro. Sei que ele chegou para resgatá-la. Ele sabe da minha amizade com Tris. Não quero ser chamado de covarde por ele. Ele me assusta.

Volto para o dormitório, sem saber o que aconteceu com os meninos. Não quero saber, mesmo. Fui hipnotizado pelo ódio, e ele não vai me deixar dormir esta noite. Passo horas com os olhos arregalados, sem saber o que vai me esperar amanhã.

Nunca deveria ter me juntado a eles.