O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia

IX.3 Um verdadeiro saiya-jin enfrenta o medo.


Uma explosão.

A luz feriu o olhar de Vegeta que teve de fechar os olhos, encandeado.

O som da explosão.

No meio de uma nuvem de fumo negro apareceu Goku, os braços cruzados sobre a cara para se proteger. Tinha a roupa em farrapos. O ataque de Keilo tinha sido demasiado forte.

As faíscas estalaram na aura dourada que rodeava o seu corpo onde começavam a aparecer as primeiras marcas – queimaduras, nódoas negras, raspões. Lentamente, Goku baixou os braços e fitou Keilo que, por cima dele, também o fitava com o mesmo olhar grave. Encontravam-se os dois a bailar nos céus.

O combate endurecera desde que tinham aumentado o seu poder até ao nível dois dos super saiya-jin. Goku, no início, gostara da maneira como Keilo se empregara na luta. Mas agora compreendia que aquela fúria inicial não fora mais que um prenúncio das verdadeiras capacidades do lendário super saiya-jin. Keilo melhorava a cada golpe recebido, a cada ataque flamejante defendido. Chegara mesmo a utilizar o jogo preferido de Goku – deixara que o adversário tomasse a iniciativa para avaliar a potência, para depois atacar com confiança por saber do que o outro seria capaz.

Goku não o deveria subestimar como fizera quando lutara com ele transformado em super saiya-jin, nível um. Keilo não era um super saiya-jin qualquer, nisso Vegeta tinha razão.

Olhou de relance para o príncipe. Continuava com o mesmo aspeto angustiado.

Emoldurado pelo belo céu azul da manhã, onde vagueavam algumas nuvens brancas, Keilo baixou os braços.

- Gostaste da minha surpresa?

Se Goku sentia-se cansado, Keilo não parecia estar muito melhor.

- Gostei! – Respondeu, dando à voz a força que já não sentia.

- Muito bem. Aqui vai mais uma surpresa.

Keilo gritou. Levantou os braços com um gesto rápido e logo dois aros azuis apareceram a rodear-lhe os pulsos, que subiram até às palmas das mãos, voltadas para cima. Ficaram a pairar aí, com um zumbido elétrico. Keilo enviou-os como quem lança um disco.

Goku esquivou os aros, elevando-se de maneira a que o ataque lhe passasse por baixo. Viu o saiya-jin sorrir unir dois dedos em cada mão que começou a agitar com precisão. Os aros descreveram uma curva e dirigiram-se rápidos para onde estava, que percebeu instantaneamente o que significavam os dedos a desenhar figuras geométricas. Era assim que comandava a trajetória dos aros.

Keilo soltou uma gargalhada ao ver Goku afastar-se pelos ares, a toda a velocidade.

- Não fujas! De nada te adianta fugires porque, mais cedo ou mais tarde, o meu ataque vai alcançar-te.

Os aros moveram-se em vários ângulos retos, sempre atrás do alvo. Sem diminuir a velocidade, Goku mergulhou de cabeça em direção ao lago. Como era de prever, os aros seguiram-no. Passou rente à superfície, abrindo um sulco nas águas, formando uma vaga de cada lado, coroada de espuma. Olhou para trás, os aros continuavam no seu encalço. Fez uma inflexão, começou a subir, deixando para trás a água fria do lago. Ao voltar a cabeça para cima, abriu a boca de espanto. Nos céus havia uma nuvem de aros! Distraíra-se por um segundo e não reparara que Keilo criara mais argolas de energia.

- Vamos, Kakaroto! Foge destes agora!

Estacou imediatamente. Gritou e criou em redor de si uma esfera invisível que o protegeu dos aros que choveram sobre ele. Uma primeira vitória, pensou. Mas, ao fazer desaparecer a capa protetora, ouviu um zumbido aproximar-se. Voltou-se alarmado. Um aro tresmalhado apanhava-o e envolvia-lhe o tronco e os braços. Um instante depois ficava também com as pernas presas com um segundo aro. Estrebuchou irritado.

A rir, Keilo aproximou-se dele.

- És meu, Kakaroto!

Goku olhou-o com raiva.

- Estás agora à minha mercê.

- Não cantes vitória ainda!

Keilo socou-o na cara. O sangue espirrou do nariz de Goku. Mal teve tempo de sentir a dor, porque um soco no estômago deixou-o sem fôlego.

- O que é que me vais fazer? – Perguntou o saiya-jin com ironia. – Gostaria muito de saber…

Goku inspirou fundo, preparou-se para se libertar dos aros. Keilo afastou-se. Goku sentiu um arrepio quando deparou com uma mão aberta em cima da cara. Sentiu o poder imenso do saiya-jin a reunir-se naquela mão, sem qualquer freio ou limitação. Keilo atacava-o. Cerrou os dentes.

A luz brilhante e quente rodeou Goku numa bola amarela. Ouviu-se outra explosão, que lhe abafou o grito. Muito fumo e faíscas, um tremor de terra. O sorriso de Keilo ficou mais perverso iluminado pelo seu ataque energético.

Em seguida, a bola amarela atravessou a atmosfera deixando atrás um rasto, como um pequeno cometa, levando Goku enclausurado na sua energia, desfazendo-se na floresta das cercanias. As copas das árvores atingidas ficaram queimadas, os ramos partiram-se, as folhas das pernadas espalharam-se.

Vegeta vira o ataque e ficara apreensivo. Keilo ganhara. De seguida, viria por ele…

No meio dos arbustos desfeitos, Goku levantou-se a apoiar a cabeça dorida. O sangue escorria copiosamente do nariz, da boca e da testa. Perdera a túnica que vestia, que não era mais que uns pedaços de tecido presos no cinto branco.

- Que força – suspirou.

Não se alongou nas lamentações. Sentiu que Keilo andava perto. Endireitou-se, focou-se no ki do adversário para determinar com exatidão onde iria aparecer. Tinha conseguido sobreviver à bola amarela, libertara-se dos aros, mas tinha perdido grande parte da energia e da frescura. O confronto estava a tornar-se mais duro.

Aqueles pensamentos foram esquecidos quando saltou instintivamente para fugir do pontapé que vinha apontado às suas costas.

O saiya-jin aterrou de frente para ele. Os dois entreolharam-se longamente. Estavam agora entre as árvores.

- És mais duro do que eu pensava! – Riu-se Keilo. – Ainda estás vivo depois do meu ataque.

- Já te tinha dito que tenho muitas surpresas para ti.

- Sabes qual é a tua sorte, Kakaroto?

- Qual?

- O nosso combate não é a sério.

Goku engoliu em seco. Não quis acreditar naquilo, soou-lhe à bazófia natural de todos os saiya-jin. Olhou para cima e descobriu Vegeta através da folhagem das árvores. Vegeta era pródigo nessa bazófia, uma das suas armas para amedrontar o adversário. Mas também lhe dissera que Keilo era o lendário super saiya-jin e que era invencível e parecera ter dito aquilo com uma convicção inabalável. O importante era não se deixar abater, levar por suposições ou guiar-se pela dúvida. No entanto, era um facto que os golpes de Keilo tinham mais força do que antes e eram também mais dolorosos.

- O nosso combate ainda não terminou – disse Goku a sorrir.

- Tens razão, isto não pode ficar por aqui. Ainda não estou totalmente satisfeito… Quero brincar mais um pouco!

- Ainda bem, porque eu também quero continuar a brincar contigo.

Um raio fino e arroxeado vinha apontado para a sua cara. Goku desviou-se inclinando o pescoço. Logo a seguir, veio outro raio. Keilo disparava-os com o dedo indicador espetado, num ataque trivial e repetitivo. Goku desviou-se de todos. Os raios furaram os troncos grossos das árvores atrás deles, deixando-os marcados com múltiplos buracos, muito pequenos, tantos quantos os raios disparados.

Goku correu para Keilo. Desapareceu. O saiya-jin nem estranhou. Quando Goku reapareceu, pronto para desferir-lhe um murro, Keilo, com a mesma mão que disparara os raios, parou-lhe o punho. Com rapidez e sem aviso, Goku atingiu Keilo no abdómen com o joelho. Este inclinou-se para a frente, sufocado, soltando-o e Goku derrubou-o com o murro que tinha preparado antes. Saltou-lhe para cima, de mão fechada em riste, Keilo rebolou para o lado e desviou-se do segundo murro, que foi acertar no solo húmido da floresta. Em seguida, Keilo tentou um pontapé, mas Goku esquivou-se.

Levantaram-se os dois ao mesmo tempo.

Passaram para uma luta corpo-a-corpo. Os golpes sucediam-se, intensos e violentos. Não havia um segundo de pausa. Combatiam com a raiva dos super saiya-jin, arrastando arbustos, pedras e até árvores que caiam vítimas dos seus murros e pontapés falhados.

Goku descreveu uma volta sobre si mesmo. O pé passou a escassos milímetros da cabeça de Keilo, que se agachou e mais uma árvore caiu com estrondo. O braço de Keilo vinha apontado ao queixo, num uppercut. Goku saltou para trás, num mortal. Antes de alcançar o chão com os pés, disparou duas esferas de energia que por pouco acertavam em Keilo. Uma explosão abriu uma cratera mais adiante.

- Kakaroto, o que mais tens para mim? – Berrou Keilo ofegante.

Goku também estava ofegante. Sorriu, no entanto. Nunca daria parte de fraco perante um adversário que tinha o jogo escondido.

- Queres mais?

- Sim, quero mais! Mostra-me essas tuas famosas surpresas que Zephir não me soube mostrar!

Keilo sumiu-se. Goku não o conseguiu seguir e quando o tornou a encontrar, era tarde demais. O saiya-jin surgiu no flanco esquerdo e derrubou-o com um potente pontapé. Aterrou de encontro ao tronco de uma árvore, que ficou rachado com o embate. Bateu aí com as costas e caiu.

Tonto, Goku colocou-se novamente em pé. Não iria passar ao nível seguinte dos super saiya-jin. Ainda não… O melhor para o fim. Além disso, o combate não era a sério, segundo as palavras de Keilo. E para um combate a brincar não estava nada mal. Era preocupante, contudo, pois Keilo dava mostras de ser mais forte do que ele naquele nível de poder e talvez fosse esse o segredo da lenda.

Goku tentou novo assalto. A sua energia tinha diminuído, perdera concentração. Por isso, Keilo não teve dificuldades em esquivar todos os seus golpes. E quando o apanhou, no mesmo flanco esquerdo desprotegido, tornou a derrubá-lo com um segundo pontapé que o apanhou no estômago. Goku caiu de joelhos, agarrado à barriga.

A mão de Keilo agarrou-o pelo pescoço, levantou-o à força. Goku sentiu-se afogar, o outro não o deixava respirar. Aflito, lançou as mãos ao braço que o garrotava.

- Estás a dececionar-me, Kakaroto.

Quis falar, mas não conseguiu. Foi um alívio quando o saiya-jin o atirou pelos ares. Mas já não se sentiu tão aliviado quando viu que mais um raio de energia o ia atingir. Com um gesto rápido e um pouco desajeitado, Goku desviou o raio com uma palmada.

Keilo saltou, a persegui-lo. Goku preparou o melhor dos seus ataques.

- Ka-me-ha-me

Keilo desapareceu novamente. Desta vez, não iria ter sorte com essa técnica. Goku voltou-se imediatamente para trás e disparou:

- Ha!!!

O raio azul embateu em cheio em Keilo. A Kamehame explodiu com estrondo.

Uma tontura assaltou Goku. A cabeça pendeu, a visão turvou-se. Arquejou a tentar recuperar o fôlego. Por pouco não se estatelava na floresta e ele compreendeu que não estava em condições de prosseguir. Precisava de um intervalo, alguns minutos para recuperar a sua energia e tentar novamente neutralizar o saya-jin de Zephir. Reparou em Vegeta. Permanecia no seu estúpido estado de sonambulismo, a observar o combate com uns olhos vazios. Foi para junto dele.

- Vegeta… Preciso que tomes o meu testemunho – disse a arfar.

Com um gesto lento, o príncipe encarou-o.

- Vegeta, estás a ouvir-me?

- Eu não posso lutar contra Keilo.

- Não sejas idiota. Também dizias a mesma coisa de Broli e, no final, enfrentaste-te a ele e acabámos por derrotá-lo, todos juntos. Lembras-te?

- Keilo não é Broli. Muito diferente de Broli.

- Mas eu… eu já não aguento muito mais.

- Keilo é o super saiya-jin lendário.

- Mas tu também és um super saiya-jin.

A nuvem que a Kamehame provocara começava a dissolver-se e já se conseguia ver o vulto de Keilo.

Vegeta descaiu os ombros.

- Eu… eu não posso.

- Preciso da tua ajuda, kuso! Senão, não o vamos conseguir derrotar. – Goku segurou Vegeta pelos braços, abanou-o, disse-lhe: – Eu poderia transformar-me em super saiya-jin, nível três, mas não lhe quero revelar que alcanço esse nível. E se Keilo também chega ao nível três e se for mais forte do que eu? Lenda ou não, imagem ou real, o que sei é que Keilo é um super saiya-jin muito estranho. No nível um é muito mais fraco do que eu, mas no nível dois, supera-me.

Vegeta negou com cabeça. Goku irritou-se. Empurrou-o.

A mancha negra no centro da névoa tomou forma, o ar clareou totalmente, afastando os derradeiros resquícios da explosão. Keilo estava preparado para o contra-ataque. Não havia tempo a perder, mas Vegeta insistia na apatia.

- Vegeta! Bakana!

Goku desfechou-lhe um potente murro.

- Reage!!!

O príncipe ficou igual. Nem o sangue que começou a sair-lhe da boca o fez despertar.

Um ataque.

Goku voltou-se e viu Keilo avançar com a rapidez que o caracterizava. Recuou para se afastar, para que Vegeta não fosse atingido. Duas esferas vinham apanhá-lo. Goku aparou-as com as mãos, desfazendo-se em chispas e em vapor. Quando procurou por Keilo, este sumira-se.

- Mas… onde está ele?

Goku concentrou-se, mas não foi a tempo. Keilo apareceu atrás e prendeu-o, passando os braços por debaixo dos seus ombros. Gritou, esperneou, detestava sentir-se preso. Como era hábito sempre que a vantagem lhe pertencia, Keilo desatou a rir.

- E agora, Kakaroto?

- Solta-me!

- O que é que pensas fazer?

- Solta-me!…

Ouviu os seus ossos estalarem, os tendões a rasgarem e a força a esvair-se, como água a escoar-se por um ralo. Goku perdia energia às golfadas, quase a perder a consciência. Fez um enorme e desesperado esforço para não abandonar o estado de super saiya-jin. Era importante não desistir, mas não sabia o que fazer mais para continuar e que armas poderia ainda utilizar para se colocar novamente em vantagem.

Deixara-se apanhar como um principiante. As pálpebras caíram-lhe sobre os olhos desfocados. Confiara demasiado e perdera-se nessa confiança. Goku cerrou os dentes.

***

O sangue era quente, espesso, com aquele sabor que se habituara a reconhecer depois de tantos combates. A sua vida tinha sido uma sucessão de batalhas que ganhara, na maioria das vezes. Tivera de as ganhar, senão não estaria ali hoje. Vegeta fechou os olhos, a provar o sangue.

Ele era o príncipe dos saiya-jin. Era um soldado de elite do seu povo, a máquina assassina perfeita. Agora, tantos anos depois, tinha a tendência para esquecer esses pormenores que tinham sido tão importantes numa determinada altura da sua vida – quando ser mais forte do que Kakaroto era tudo o que interessava.

Dentro dele, sentiu de novo esse desejo. Ser mais forte do que Kakaroto! Ninguém, a não ser ele, deveria eliminar Kakaroto!

Era estranho recordar-se daquilo naquele momento, depois de tanta coisa passada e de tanta coisa mudada. Talvez porque ali, perto dele, existia a última lembrança do seu planeta natal e do povo orgulhoso ao qual pertencia. Keilo, o mito dos saiya-jin.

Keilo lutava contra Kakaroto. Ganhava. Apesar de ter seguido o combate como se o tivesse a visionar num pesadelo distorcido, Vegeta percebera-o claramente. Keilo era superior.

Ninguém tinha o direito de tocar em Kakaroto! Muito menos Keilo. Vegeta fixou os punhos, agora cerrados. A raiva corria-lhe nas veias com o sangue, alimentando o coração que batia cada vez mais apressado, como se o oozaru adormecido que guardava na alma se quisesse libertar com um urro de desfazer os céus.

Vegeta despertava, rasgando o pesadelo.

Kakaroto, um soldado de terceira categoria, enfrentava-se a Keilo.

Vegeta franziu a testa.

Kakaroto ousara combater o lendário super saiya-jin e ele, o príncipe, recuara amedrontado?

- Não!!

***

Preso pelos ombros, Goku desfaleceu. A aura dourada dos super saiya-jin baixou o fulgor. Os cabelos perderam o tom alaranjado e o rosto recuperou parte das feições. Abandonou o nível dois e descaiu para o nível um dos super saiya-jin.

- Então, Kakaroto? Já terminaste? – Troçou Keilo, apertando-o com maldade.

Nisto, duas mãos agarraram Keilo pelos tornozelos. Um puxão forte fê-lo soltar Goku e com um segundo puxão foi lançado para baixo. Caiu na floresta, desaparecendo entre as árvores.

Cabisbaixo, Goku pairava no ar à deriva, o corpo a estalar dorido. Não conseguiria ripostar um ataque e sabia que o combate estava perdido, mas esperou pelo adversário. Iria cair de pé… Keilo surgiu enraivecido, subindo nos ares como uma flecha. Estacou próximo.

Goku levantou a cabeça, estranhando a demora. Keilo não costumava conceder tempo, nem espaço antes de qualquer investida. Descobriu-o por cima dele, no habitual porte altivo.

- Ve-Vegeta…

O príncipe não se voltou. Interpelou Keilo que limpava o sangue do rasgão que abrira na testa.

- Brinca agora comigo – disse.

Transformou-se em super saiya-jin, nível dois. O rosto sério abriu-se num dos seus sorrisos presunçosos. Com uma mão chamou Keilo, que rosnava zangado.

Goku sorriu. Vegeta entrava em ação.