O Deus Sem Nome e o Galho de Álamo

Embarcamos a caminho da morte... De novo



Quando voltei ao chalé de Apolo já era quase uma da manhã, e eu carregava uma mochila nas costas, que Quíron havia dado para cada um de nós, cheia de coisas para a missão.



Tentei entrar no chalé sem fazer barulho, mas quando virei, lá estavam meus seis meio-irmãos, de pijamas e sentados de pernas cruzadas em suas camas, conversando com caras preocupadas. Assim que me viu, Dylan correu até mim e segurou meus ombros.


–ONDE VOCÊ ESTAVA, MELROSE LEONARDS?- perguntou, me sacudindo.

–Calma, Dylan. Calma! Respira fundo, relaxa. Eu estava resolvendo umas coisas para a missão.

–Sem nos avisar? Sabe o quanto eu estava preocupado?- ele estava voltando para a sua cama agora, tentando se acalmar. Achei fofo ele ter ficado tão preocupado, como se me conhecesse há décadas, e não há semanas.

–Olha, eu estou bem! Não aconteceu nada.

–É, mas eles cancelaram o caça-bandeira- disse Bridget- e não conseguíamos te achar em lugar nenhum. Achamos que tinha sido sequestrada, ou sei lá.

–É, eu sei. Desculpem, não vai acontecer de novo. Mas eu preciso contar uma coisa. Eu recebi a profecia.

Eles pararam para me ouvir, esquecendo da preocupação, e eu os contei tudo, desde a parte em que chame Tanner (eles não ficaram muito felizes com isso), até a parte da viajem para Washington.

–Partimos amanhã de manhã, às sete.

–Você parece nervosa- comentou Daniel- tudo bem?

–Tudo, só acho que não é a coisa mais animadora do mundo, né.

–Mas, mudando um pouco de assunto- disse Todd- o que tem nessa mochila?

–Não sei, ainda não abri.

–Então está esperando o que, maninha? Vamos ver seu “kit-missão”!


Dei de ombros e espalhei o conteúdo da mochila em minha cama: Um cantil de néctar, um saco plástico “abre fácil” cheio de quadradinhos de ambrosia, uma camiseta extra do Acampamento, uma lanterna, um isqueiro, duzentos dólares em notas de cinquenta, e uma bolsa de tecido cheia de dracmas de ouro, a moeda dos deuses.



–É isso- falei, recolocando tudo na mochila- vocês podem ir dormir, eu também já vou.


Coloquei a mochila em baixo da cama, e fui até o banheiro trocar o vestido pelo pijama, e depois me deitei.

Já fazia algum tempo que eu não era assombrada pelos pesadelos, mas naquela noite, tive um particularmente estranho.


Em meio a muitas folhagens havia um trono. Em meus livros, os tronos do Olimpo eram descritos como sendo todos diferentes (eu podia afirmar, já havia sonhado com aquilo), e os de Hades e Perséfone como sendo de mármore negro, e ébano mas, com toda a certeza, nenhum se comparava àquilo. Um trono feito de um mármore do vermelho mais intenso que você pode imaginar. Sentado nele, havia um homem, mas eu não conseguia vê-lo, de fato, pois a visão estava muito embaçada. Acho que eu devia assinar o canal Sonho HD, pois os meus estavam com problemas de transmissão: sem som, imagem ruim...



Eu podia ouvir duas vozes, uma do Homem e outra de uma mulher que eu não via em lugar nenhum. Estavam conversando.


–Eles estão vindo, Milorde. Estão atrás de você- disse a mulher.

–Deixe que venham!- respondeu o homem- Aposto que não chagam na metade do caminho.

–Não tenho tanta certeza disso, Milorde.

Ele falou o nome dela, mas eu não consegui entender-, está questionando minha sabedoria?

–Não, senhor! Nunca! Apenas achei que gostaria de saber que querem encontra-lo.

–POIS ACHOU ERRADO!- gritou ele- e mesmo que consigam chegar aqui, você acha que teriam alguma chance?

–Não senhor, nenhuma.

–Exato. Vou mandar uma surpresinha para eles. Avise o laboratório que eu quero um. O mais horrendo que conseguirem. Ouvi dizer que a menina é filha de Apolo. Melhor ainda. Vou poder acabar com ela como nunca pude fazer com seu pai.

–Mas eu achei que você e o Lorde Apolo fossem amigos- e depois de um tempo, acrescentou:- , senhor.

–É, eu também pensei. Mas isso foi antes de ele concordar em me expulsar do Olimpo! Agora, saia daqui! Deixe-me pensar.


Acho que o tempo dos sonhos é muito relativo, pois aquela conversa não parecia ter tido mais de cinco minutos, mas quando acordei com o barulho estridente do despertador, eram sete em ponto. Ainda deitada, levei a mão até a testa, e ela voltou completamente encharcada de suor. Só então me sentei para olhar em volta. As camas estavam arrumadas, e o chalé estava vazio. Olhei o relógio novamente. 07:01. Ainda era muito cedo para todos terem saído. Levantei-me, colocando os pés descalços no chão frio de madeira, peguei as roupas que havia separado na noite anterior e tomei um banho rápido.



Me vesti, e prendi os cabelos ainda molhados em um rabo-de-cavalo, pois não sabia quando o lavaria de novo. Nojento, mas verdade. De baixo da cama, tirei minha espada, a bainha e a mochila, e do fundo da gaveta de minha mesa de cabeceira, uma bolsa de couro cheia de sicles, nuques, e galeões e minha varinha.


Coloquei a bolsa dentro da mochila, a varinha no cós do short jeans, e ajustei a espada na cintura, amarrando meu moletom favorito por cima do cinto da bainha. Andei até o espelho, que ficava pendurado na parede do fundo do chalé. Eu estava vestida do jeito que eu mais gostava: Camiseta, short, all star preto, moletom na cintura e cabelos presos. Eu me sentia confortável, achei que seria apropriado para a missão, mas a pessoa que me encarava do vidro espelhado não se parecia comigo. Quero dizer, era eu, mas não era, ao mesmo tempo. Agora eu tinha um pequeno roxo abaixo do olho, formado por um punho raivoso, e uma cicatriz enorme no braço, feito por uma quimera. Meu rosto também parecia diferente, mais duro, mais sarcástico (ainda mais do que já era). Meu estomago era comprimido pelo sentimento de medo, e ansiedade.

Ouvi um barulho vindo da porta, o que interrompeu meus pensamentos. Eram meus irmãos. Ainda estavam de pijamas, e se amontoavam na frente da porta dourada. Dylan segurava uma mochila, que parecia exatamente igual a minha, preta, de lona a prova d’água, mas estava vazia.

–Bom dia- falei, sem muita animação, e indiquei a mochila com a cabeça- O que é isso aí?

–É o nosso presente para você- disse David- Ou achou que ia partir sem nenhuma lembrança nossa?

Andei até eles, e peguei a mochila. Era exatamente igual à minha.

–Humm, obrigada, mas...

–Vamos, bote suas coisas aí!- Aria estava super animada, eu pude perceber.

Não entendi o porquê daquilo, mas fiz o que pediam, e coloquei a mochila nova nas costas.

–Era para isso me levar voando até Washington, ou o quê?

–Não, não era- explicou Dylan- Imagine estar andando por aí, procurando por Dárion e, de repente MONSTRO!

Senti um peso estranho e repentino em minha mão direita e, quando a olhei, o arco mais bonito na existência havia simplesmente aparecido ali. Era dourado e reluzente, como se tivessem o banhado com o sol, e tinha a forma de duas asas unidas.

–Ah, Deuses! O que é isso?- perguntei, sorrindo para eles.

–Você devia sentir suas costas- sugeriu Bridget, e levei a mão aonde devia estar minha mochila, e senti a ponta de umas trinta flechas, pelo menos.

–Nossa, isso é demais!

–É- concordou Dylan- E são flechas sortidas. De metal, bronze celestial, explosivas, sonoras, com cordas... Enfim, de todos os tipos.

–E para onde vão minhas coisas?

–E eu é que sei? A aljava vai voltar a ser mochila quando não precisar mais das flechas, e o arco vai desaparecer.

–Então eu só tenho que gritar “MONSTRO” com um vóz ridícula que isso vai aparecer?

–Não, tudo vai aparecer quando você precisar, também. É bem prático, na verdade.

Concordei com a cabeça, examinado o arco, que depois de alguns minutos acabou sumindo.

–Obrigada. Mesmo, eu adorei.

Examinei o relógio. 7:20. Eu já estava atrasada, e falei isso para eles, então trocamos abraços de despedida. Quando fui abraçar Dylan, o único que faltava, ele sussurrou em meu ouvido:

–Você vai conseguir, Rose- ele parecia estar tentando convencer mais a si mesmo do que à mim- Você vai voltar para nós.

Aquilo partiu meu coração. Me afastei um pouco, e olhei em seus olhos, tão azuis quanto os meus.

–Eu vou- isso era uma promessa, e eu pretendia cumpri-la.

Saí pela porta, deixando meu chalé para trás, onde, segundo as tradições do Acampamento, começariam a costurar minha mortalha. Eu não queria que tivessem a chance de usa-la.

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Fui andando até o topo da Colina Meio-Sangue, onde Will e Tanner já me esperavam, embaixo do pinheiro de Thalia. Will usava calças largas, tênis preenchidos com pés falsos, uma touca cinza para esconder os chifres, camiseta do Acampamento e suas muletas, para disfarçar seu caminhar estranho, além de uma jaqueta, para quando estivesse frio. Tanner não estava tão diferente assim. Também usava a camiseta laranja, calças jeans e jaqueta, um tênis all star branco e a mochila preta nas costas. Ele também tinha alguma coisa na mão direita. Aquilo era desodorante spray?

–Ah, Adams- comentei-Você não precisa passar desodorante! Fique assim mesmo que os monstros nem chegarão perto.

Ele fingiu uma risada.

–Nossa, Rose, você é tão engraçada!- então tirou a tampa da embalagem, que se alongou dos dois lados, virando uma lança de um metro e meio, completamente feita de prata, e com uma ponta de quinze centímetros de bronze celestial, que estalava e sibilava com faíscas muito azuis.

–Nossa!- até mesmo eu tive de admitir que aquilo era bem impressionante.

–Cara- exclamou Will- Onde você conseguiu isso?

–Meu pai me deu quando fiz quatorze anos, uns cinco meses atrás. Eu não sei bem o porquê do presente, sempre achei que ele não gostasse muito de mim. Eu não faço bem o padrão dos outros filhos dele.

–Porque não? Por que você é um molenga?- debochei- Ou por que você tem cérebro?

–Você nunca dá um tempo?- perguntou ele, irritado. É, ele estava com raiva, mas eu não ligava.

–Será que vocês podem parar com isso? –pediu Will- Vão acabar se matando!

Revirei os olhos. Talvez eu tivesse sido um pouquinho dura de mais, mas não iria pedir desculpas, não mesmo.

–Vamos, Melrose!- Disse Will, me cutucando com o cotovelo e sorrindo- Animação!

–Will, será que da pra parar de me chamar por esse nome ridículo?

–Eu não sei por que você não gosta- intrometeu-se Tanner- Acho um nome bonito.

–Como alguém em sã consciência acharia esse nome bonito? É estranho, e a maioria das pessoas pronuncia Merlose. Acho que é complicado de mais para a civilização falar Mel-rose!

–Pelo menos devem existir apenas umas quatro mil Melroses no mundo- bufou Will- Enquanto Williams... Sabia que existem, pelo menos, quatro milhões de Williams?

–Não pode ser! São muitos!

–Pois é. Um dos nomes mais comuns do mundo, minha cara. E Você, Tanner?

–E eu o que?

–O que acha do seu nome?

–Bom, sabe... normal. Acho que Tanner é mais um sobrenome que um nome. Quando eu era criança, costumava pensar que o sobrenome do meu pai era Tanner. Mas parece que meu pai não tem um sobrenome. Acho que Tanner é, com toda certeza, melhor que Ares Júnior!

Esse comentário nos fez rir, e nós ficamos assim por um tempo, jogando conversa fora, sentados na grama e olhando o Acampamento do topo da colina. Quíron chegou pouco tempo depois, trotando e segurando um saco de papel, como um embrulho para viagem.

–Bom dia- disse, e entregou-me o embrulho. De dentro dele tirei três muffins de blueberry e três caixas de suco de morango. Eu não havia percebido o quão faminta estava até ver a comida.

–Obrigada, Quíron- falei, e dei um sorriso para ele, pois ele trabalhava muito para cuidar de todos nós, e acho que raramente o agradeciam por isso.

Eu realmente não sei com que tipo de magia haviam enchido aquele bolinho tão extremamente delicioso, mas logo depois de come-lo, me senti completamente satisfeita, mesmo que fosse pequeno.

–Nós vamos embora, agora?- perguntou Tanner, e um arrepio percorreu minha espinha. Eu não queria ir, não queria deixar o Acampamento por que, sinceramente, eu estava com medo. Com medo do que poderia acontecer, com medo da profecia e irremediavelmente com medo dos monstros e do tal Deus Sinistrão, que usa frases do tipo “Está questionando minha sabedoria?”.

–Sim, vocês vão agora. Argos vai leva-los até a rodoviária, e a viagem deve durar quatro horas e meia. Tentem não chamar muita atenção, e permaneçam unidos.

–Ouviram isso?- Disse Will, dirigindo-se à Tanner e a mim- Unidos. Como um time.

–Sim, Will- falei- Nós entendemos.

Um homem grande e forte apareceu por trás de nós. Tinha cabelos longos e oleosos que cobriam parte de seu rosto, como cortinas.

–Ah, sim. Rose- disse Will- Esse é Argos, chefe da segurança do Acampamento Meio-Sangue.

Estendi a mão para apertar a de Argos, mas ele apenas levantou a sua própria, mostrando-me a palma, que tinha um olho bem no meio.

–Claro, entendi- falei- Você é o Argos, o homem dos mil olhos, certo? É um prazer, Argos.

Ele enrubesceu por trás dos olhos em suas bochechas, acho que porque não devia ser muito legal ter olhos pelo corpo todo, e que as pessoas costumavam trata-lo mal no passado. Era bom conhecer alguém simpático para variar.

Quando já estávamos a caminho da perua branca que nos levaria até a rodoviária, Quíron me chamou. Olhei para ele, depois para os meninos.

–Vocês podem ir indo. Me juntarei à vocês num minuto.

Me dirigi até o ponto em que Quíron estava, em silêncio.

–Bom- ele começou- como colocou, tão eloquentemente, se irmão Dylan na reunião, você tem poderes muito raros e especiais, Rose. No entanto, acho melhor não usá-los durante missão, especialmente a magia. Acho que não queremos problemas com o ministério, ou a central de obliviadores batendo à porta da Casa Grande no meio da noite. Não sei você, mas eu gostaria de manter a memória de Tanner intacta.

–Mas e num caso de emergência? Então eu posso usar a varinha?

–Com certeza, assim como o Orfelismo. Mas apenas para emergências.

–Eu entendi.

–Muito bem. Então pode ir.

Eu dei um abraço de despedida em Quíron. Nunca fui muito sentimental, mas eu sabia que as chances de não vê-lo novamente eram grandes. E não, eu não estou sendo pessimista.

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Estávamos comprando as passagens na rodoviária lotada, cheia de gente indo trabalhar, estudar, se mudar e coisas assim. Não era tão diferente de um aeroporto. Haviam muitas chegadas, e muitas partidas. Acho que, afinal, a ignorância é mesmo uma benção. Todos aqueles mortais apressados, correndo de um lado para o outro, sem saber da existência de deuses, monstros e galhos roubados.

–Para com isso, Rose!- sussurrou Will em meu ouvido, provavelmente porque eu olhava para tudo e para todos com uma cara desconfiada e nervosa. Se alguém percebesse isso, pensaria que, na melhor das hipóteses, sou uma ladra qualquer e, na pior, algum tipo de psicopata, serial killer, ou sei lá.

Tanner terminou de pagar as passagens e andou até nós. Me devolveu o dinheiro, e nos entregou nossos tickets. Andamos em silêncio até o ônibus, e nos acomodamos na fileira de três cadeiras, eu no corredor, Tanner no meio e Will na janela, o que não era um posicionamento muito sábio já que eu e o Senhor Não Sou Igual Aos Outros Filhos De Ares poderíamos acabar nos matando.

–Tudo bem- falei- então é isso. A equipe Rose Leonards e Os Dois Bocós vai recuperar o Galho de Álamo.

–Porque o nome da equipe tem que ser “Rose Leonards e Os Dois Bocós”?-perguntou Will- Acho que está muito mais para William Greenwood e os Dois Bocós!

–Que tal Os Três Bocós?- sugeriu Tanner.

–Então você admite ser um bocó, Adams?

Ele deu de ombros.

–Acho que todos têm seu lado bocó. Não tenho problemas com isso.

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Em menos de dez minutos, Will estava dormindo. Eu havia pegado um livro qualquer de mitologia para ler – Se o chalé de Atena descobrir que levei o livro deles para uma missão vão ter uma ataque cardíaco-, mas não conseguia me concentrar direito, então fechei-o com frustração. Tanner examinou meu perfil.

–Você parece nervosa- comentou- Eu não a culpo. Também estou assustado.

–Você não parece assustado.

–É, fui treinado para isso. Parecer calmo em momentos de pressão, mas por dentro estou gritando como uma criancinha.

Franzi o cenho, sem olhar para ele. Eu o admirava por dizer aquilo. Talvez ele não fosse como os outros filhos de Ares, afinal.

–Humm, obrigada- murmurei baixinho- por vir comigo, eu quero dizer. Acho que eu não havia agradecido.

Ele abriu seu sorriso torto.

–Não precisa agradecer, Rose Leonards- ele deu ênfase em meu nome, como se, de repente, fosse divertido dizê-lo – Estou feliz por ter vindo. Próxima parada, Washington, certo?

Ele foi dormir depois disso mas, é claro, estava errado. Completamente errado. Nossa próxima parada não seria Washington, de jeito nenhum.