O Conto do Chá de Lótus

Chá de Lótus - O Legado


Não precisei justificar minha fala pausada, ou minhas tosses secas e cada vez mais sanguinolentas. Também não necessitei que me servissem um copo de água, já que o meu estado de saúde deixou de ser apenas de um bêbado, as pessoas em volta começaram a se preocupar e eu ganhava tempo para salvar os outros enquanto ficava sem tempo de vida. Decidi que me entregaria, só não sabia como fazê-lo sem colocar em risco almas inocentes. Agir rápido seria fundamental porque Jiao já começara planejar minha saída sem chamar a atenção.

Tain quando reconheceu que eu estava passando mal disse que chamaria socorro, Syneah se identificou como policial e não permitiu, tranquilizou dizendo que minha companhia tinha técnicas de cura e estava me levando para um lugar mais calmo. O velho barman acreditou e ainda pensou maliciosamente sobre as minhas pretensões românticas com meu par fatal. Acreditando nas palavras da capitã, manteve a descrição e se afastou. Logo notei que seus companheiros de mesa haviam se retirado do local, o homem negro do balcão também não estava mais a vista. Quem se apresentou para me ajudar era a dupla que sentava ali perto. De perto consegui reparar que havia um simbolo redondo preenchido de verde e circulado em dourado. Aquela confirmação veio tarde. Pela minha cabeça a preocupação com os meus companheiros de farda me assombrava mais do que minha passagem para mundo espiritual.

– Sargento, você está bem? Posso fazer alguma pelo senhor? - A voz que apareceu subitamente perto da minha mesa era de Zhen Yao, investigador, dividia a operação de investigação sobre os supostos casos Dai Li. A presença dele ali poderia significar minha morte, assim como a dele.

– Claro, nos ajude a levá-lo lá para fora. Ele está tendo uma reação alérgica, foi culpa minha ao oferecer minha bebida a ele. - Jiao estava convencida que foi a culpada por aquele momento. A meia verdade em sua fala foi certeira. Mesmo sob meus protestos, Yao levantou meus braços e começou a me levar para fora do Chá de Lótus.

Yao era prestativo, mas não o considerava meu parceiro, muito menos um amigo. Seria ele a saída para salvação de todos naquele lugar. Já estava em movimento quando olhei pela última vez os quadros que veria na vida. No reino da Terra me lembraria do Rei Bumi e sua técnica precisa de dominação e da chefe Toph que não perderia tempo lamentando a beira da morte. O quadro que pouco reparei era da sucessora e filha da fundadora da polícia de Cidade Republica que inspirou nossa Força em Bah Sing Se, Lin Beifong que era retratada a frente de todos os membros de farda que chefiava. Estava séria, em posição de luta com as ligas de metal prontas para atacar o inimigo, poucos tinham sua coragem. Pela Nação do Fogo, a imagem que me causava antipatia era do príncipe Zuko. Sua imagem estava idealizada em drama, estava afastada de um grupo de pessoas distantes, mas vestidas com trajes reais. Julguei ser a família dele, seu pai e causador da grande cicatriz em seu olho, Ozai, sua irmã Azula e sua mãe que foi embora sem se despedir. Zuko parecia caminhar na direção contraria, em busca de um objetivo que lhe causava dor. Ao seu lado, a imagem da heroína Kira. Nunca se soube o nome de família, as músicas dizem que seu pai foi assassinado e nada se canta sobre a mãe. Seu amor pelo príncipe renegado a fez forte. Dobradora de fogo e lutadora com técnicas de bloqueio de Chi, Kira tem uma cidade ao sul das ilhas de fogo com seu nome após proteger os habitantes de seguidos saques, o feito que mais se destaca é o retratado no quadro que Tain afirmava ser muito simbólico. A cidade teria sido vitima de um ataque do próprio exército vermelho, uma horda de quatro mil homens tinham a intenção de atacar os civis para treinar para lutar nas guerras futuras. Sozinha, o desenho de Kira mostra homens correndo, desnorteados sem conseguir controlar as labaredas que aquela mulher lançava contra eles. Envolta sobre um circulo de chamas, com o braço esquerdo levantado, punhos cerrados criavam línguas de um fogo laranja-avermelhado intenso. O braço direito estava esticado, aberto e tinha a mão espalmada que detalhavam outra lenda de sua personalidade, a capacidade de controlar as direções que seu poder tomaria sem destruir todo o cenário. Uma faixa comprida de fogo saia de sua mão como uma cabeça de dragão que perseguia e matava os soldados. Nomear a cidade com o nome de sua heroína parecia ter sido uma homenagem pequena pelo seu legado.

Já estava quase na saída quando agarrei o pescoço de Yao e falei em seu ouvido o mais claro possível: Homens de terno, agentes Dai Li. Usei a pouca força que tinha dobrar a terra, de maneira sutil, sem causar uma grande erosão no cenário empurrei-o com o braço e usei os pés para terminar o movimento, Yao foi arrastado como se tivesse rodas em seus sapatos. Voltou para o salão. Perdi ele de vista porque cai no chão, não sentia mais forças para suportar meu peso e me manter equilibrado. Segundos depois, uma mão feminina me levantou e me colocou dentro de um satomóvel grande para que pudesse cair deitado em sua traseira. Antes da porta ser fechada, pude ouvir um murmuro vindo de dentro do grande salão, os seguranças entraram aflitos acompanhados de oficiais de policia que estavam por perto.

– Você me daria um último desejo Jiao, vai manter sua palavra? - Falei ofegante, minha voz ainda era arrogante e desdenhada.

– Sargento, sinto muito, aprecio sua inteligência, mas você me causou um certo infortúnio. - A voz dela permanecia firme, mas seu semblante perdeu a forma delicada. Seus olhos estavam me perfurando. Ela estava com raiva. - Seu desejo de ser um herói será realizado.

Estávamos dirigindo rápido, tentei me localizar por meio da dobra e vi que andamos quase seis quadras do Chá de Lotús, não parecíamos estar sendo seguidos. Olhei para o banco do motorista e o rapaz de franja estava no volante, ao seu lado o grandão careca, sem a faixa na cabeça revelando minha suspeita, um dominador de combustão. Respirei fundo e aproveitei a bondade de não terem me algemado e juntei as mãos e abri rapidamente, aquilo desgastou, mas deu certo. Uma fenda se abriu na frente do carro obrigando a um desvio rápido. Syneah estava do meu e utilizou suas pulseiras de ferro para segurar minhas mãos. Jiao gritou:

– Os pés... - A rápida percepção dela não foi suficiente para me impedir um golpe de misericórdia. Consegui criar um aclive no lado do motorista, aproveitando o peso do gigante a gravidade tratou de nos fazer virar. As janelas se partiram e eu cai sobre Jiao, perdi a consciência.

Quando acordei, sentia vontade de vomitar de tanta dor. Minha visão era turva e não conseguia distinguir a quantidade de luzes e sons que nos cercavam. Sabia que estava suspenso pela gola da minha camisa. Me senti um animal esperando para ser cortado, processado e distribuído no mercado, porque não estavam me segurando, eu estava suspendo por uma liga de ferro dominada por Syneah. Ouvia vozes.

– Esta noite marca o retorno do Dai Li como forma de protestar contra vocês, traidores da coroa e dos verdadeiros protetores do Reino da Terra. - a voz era de Jiao, que gritava como uma palestrante sem microfone. Sua voz perdeu a afinação, mas não a convicção.

– Solte-o, agora! - dizia uma outra voz masculina, era familiar que me chegou a tranquilizar, pensei ser Yao, só que ele não lideraria uma equipe de buscas.

Eu comecei a entender a situação depois que escutei o rapaz da franja dizer a Jiao:

– Eles são muitos, vamos acabar com isso. - O mesmo tom grave que me lembrava aquela conversa no banheiro, horas antes ainda no bar.

Jiao olhou para mim e fez um movimento leve com os braços, como se fosse uma dominadora de água. A platéia de oficiais e civis nas janelas dos prédios ouviram meu grito de dor. Como se meus órgãos estivessem se rebelando contra mim. Minhas mãos ainda presas não tinham força para me fazer dobrar um pedaço sequer de terra, ou metal para me defender. A dor aumentava a pressão do meu sangue nas veias, minha cabeça iria explodir a qualquer momento. Ouvi as histórias da dor que o Avatar Korra tinha sentido quando foi capturada por Zaheer e ficou com o corpo envenenado. Jiao conseguiu resistência para conseguir passar certa quantidade de seu corpo para o meu. Agora, sempre que precisou, ela fazia a dobra do metal liquido e fazia todo bairro saber da minha morte.

Percebi que aquilo logo acabaria quando Jiao sinalizou para o grandão se posicionar na minha frente, de costas para os policiais que ainda estavam sem reação, tentando negociar um fim sem mortes. A equipe de patrulha seguia o protocolo à risca, sem revidar, assistiram o meu fim para que pudessem reagir, não os culpo por serem obedientes a lei. Não tinha caminho de volta, eu morreria e ela seria o mártir pela causa dela. Audiência era o que Jiao precisava atacando um soldado de alta patente que tinha aparecido nos jornais recentemente.

– Mate-o, Ippa. - Falou Jiao.

Escutei pela ultima vez o belo som da voz de minha assassina. Descobri o nome do gigante que seria o meu carrasco, reparei que Syneah esperava o disparo da combustão no meu peito para arquitetar o plano de fuga da líder dos novos agentes Dai Li. Não conseguia pensar em outra coisa se não passar a eternidade na biblioteca de Wan Shi Tong. Levaria o conhecimento dele a leitura de expressão corporal e oferecia meus serviços para tomar conta de seu conhecimento. Talvez pudesse ajudar o Avatar que nasceria a pouco devido a idade avançada de Korra. Não tinha certeza se Tain colocaria um quadro meu ao lado de Toph, Lin ou qualquer outro chefe de policia. Pela primeira vez, minha mente aceitou a realidade e decidiu ficar sem fazer nada.

O raio de combustão não era visível, três pequenos círculos de fumaça trilharam o caminho do ar aquecido que provocaria uma explosão no meio do meu peito. A dor foi interrompida, minhas vistas escureceram sem ver a fuga de Jiao e Syneah que dominavam as técnicas de movimentação dos antigos agentes da guarda secreta do rei. Deixei de sentir minhas pernas, braços e qualquer conexão com o ambiente que um dobrador de terra têm. Fui ao chão imaginando como seria retratado pelas histórias no futuro, mas deixei esparecer esse pensamento para depois, agora caminhava para o mundo dos espíritos onde passaria a eternidade sem fazer nada de produtivo, ao lado dos personagens que eu admirava desenhados nas paredes do Chá de Lótus.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.