O Caminho da Andorinha

Um Preço A Se Pagar


Iorveth acordou com um sobressalto, fazendo cair e tilintar no chão sua espada, que ele havia deixado recostado à parede ao seu lado, em caso de uma emergência. Apenas um pesadelo, tranquilizou-se o elfo, ao perceber que estava no quarto de Turiel. Seu olhar voltou-se para Saskia, ainda dormindo tranquilamente, com a cabeça recostada ao travesseiro. Ao perceber que a guerreira se descobriu enquanto se mexia em seu sono, Iorveth tornou a cobri-la outra vez.

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Há quanto tempo ele esteve dormindo? Iorveth não tinha certeza. A noite já havia caído e seu quarto estava completamente escuro. Sem dúvida, dormiu por algumas horas, dando brechas para que seu cansado corpo aproveitasse bem o pouco conforto daquele banco de madeira. O elfo resmungou. Deveria mesmo estar ficando velho, afinal já não tinha a mesma energia que antes e seu organismo reclamava da falta de comodidade e conforto. Tudo culpa de sua aconchegante e tranquila vida de casado nas Montanhas de Mahakam. Se voltasse aos tempos de guerrilha, certamente passaria o mesmo sufoco que um elfo novato nos Scoia’tael, ele concluiu.

Pegando sua espada do chão, Iorveth a colocou outra vez atada em sua cintura, até que ouviu passos. A porta se abriu, revelando Turiel.

—Este quarto está completamente escuro e as janelas estão abertas. Essa friagem não fará bem algum a Saskia. – resmungou Turiel, tentando passar uma indiferença que simplesmente não existia. A elfa estalou seus dedos e imediatamente todas as velas do quarto se acenderam. Embora soubesse que ela era uma feiticeira, Iorveth ainda se espantava com seus gestos de Magia. Talvez porque Turiel agia de modo tão simples que o fazia esquecer o que ela realmente era.

—Eu adormeci. – admitiu Iorveth.

—Fez bem. Está exausto. Se quiser, posso arrumar umas cobertas no chão. Serão bem mais confortáveis do que esse banquinho, tenho certeza.

Apesar de tê-lo perguntado, Turiel não esperou resposta alguma da parte de Iorveth. Voltou-se a um baú e retirou dele dois cobertores pesados, que certamente a elfa deveria usar no inverno. Um deles, inclusive, tinha pele de urso. Certamente, um urso abatido por Elendil, concluiu Iorveth em uma lembrança agridoce. Como se adivinhasse seus pensamentos, Turiel suspirou.

—Eu sempre evito usar este cobertor. – ela disse. Não era necessário entrar em detalhes das razões que a levavam a isto, sabia o elfo. Sua dor pela morte de Elendil dificilmente seria superada.

—O jantar já está pronto.

—Separarei um prato para mim e para Saskia. – disse Iorveth.

—Não. Venha jantar conosco ao redor da lareira. O calor do fogo fará bem nesta noite fria. Não quero outro moribundo em minha casa. – disse Turiel, numa tentativa de justificar sua decisão. Sabendo que não tinha escolha, Iorveth aceitou. Só esperava que aquela pequena dh’oine não resolvesse fazer muitas perguntas.

Estando já longe das vistas de Turiel, antes de fechar a porta Iorveth deu um suave beijo na testa de Saskia, que estava dormindo um sono tão profundo que sequer se moveu com seu gesto.

Logo que abandonou o quarto de Turiel, Iorveth foi recepcionado pelo calor acolhedor da lareira. Havia três bancos próximos dela. Turiel e a jovem dh’oine já estavam sentadas, cada qual com sua tigela, ainda vazia. Um caldeirão fumegante estava próximo da lareira. O elfo aspirou levemente seu cheiro. Cenoura, cebola, algumas ervas que ele desconhecia e carne de cervo. Havia também pão e uma jarra com suco de framboesa. Nada mal, ele pensou.

—Estávamos à sua espera. – disse Turiel, enquanto Iorveth puxava um banco para si. O elfo percebeu que a jovem sequer o olhava nos olhos, o que o fez duvidar de que ela tentaria arrancar alguma coisa de si. Menos mal, ele pensou.

Com a concha de madeira, Iorveth pôs uma quantidade generosa de sopa em seu prato. Estava com fome e na estrada dificilmente teria acesso a uma comida quente e deliciosa como aquela. Turiel e a jovem e calada dh’oine separaram cada uma as suas porções. Os três começaram a comer em silêncio, aproveitando o relaxante calor da lareira sob seus pés.

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Anais seguia à risca as orientações de Turiel. “Não diga uma só palavra durante o jantar. Se comporte, mas não coma com extrema delicadeza, ou do contrário, ele não te achará uma camponesa. Não fique encarando-o nos olhos. Não faça perguntas e não assim não terá de responder a nenhuma.” O senso de responsabilidade de Anais lhe alertava a fazer isto, mas a curiosidade da jovem acabava por fazê-la lançar um ou outro olhar analisador a Iorveth, quando o mesmo estava distraído demais para perceber – ou ao menos, assim ela pensava. Percebendo ou não, o elfo nada fez para detê-la, o que só dava mais coragem a Anais para observa-lo melhor.

Ele era bastante parecido com Turiel. Decerto um Aen Seidhe puro, assim como ela. Sua roupa era reforçada, mas leve o bastante para se movimentar com habilidade. Havia fivelas e correias de couro em sua roupa, sinal de que ele portava muitas armas, algumas ocultas. Mas o seu rosto... Este era o que mais chamava sua atenção, superando a exótica tatuagem florida em seu pescoço. A começar pela bandana vermelha, que cobria quase a metade de seu rosto, mas não o bastante para cobrir uma cicatriz que ainda escapava um pouco do pano. O pouco vislumbre da cicatriz era o bastante para Anais concluir que ela era grotesca. Se não fosse por ela, Iorveth até seria... Bonito. Ele tinha um rosto harmonioso, tipicamente élfico. Quase uma representação do ideal élfico em termos estéticos, afinal elfos eram admirados por sua beleza. Mas a falta de um olho e a metade de seu rosto gracioso arruinada por uma cicatriz comprometia isso, no que mais parecia ser um preço a pagar por sua luta pelos inumanos.

Iorveth estava ciente de que a pequena dh’oine diante de si estava lhe observando, mas decidiu não fazer nada. Ela era bastante jovem, mas o elfo sequer se arriscava a chutar uma idade, pois humanos tinham um tempo de vida extremamente curto. Como Scoia’tael estavam oficialmente extintos, ela deveria estar impressionada por se encontrar diante de um deles. Mas não havia medo em sua curiosidade, e isso lhe chamava a atenção. Muitos dh’oines tremeriam diante dele, mas não esta misteriosa jovem de cabelos castanhos claros e olhos curiosos.

Ocupado demais em seus pensamentos, Iorveth sequer percebeu os passos do lado de fora. Quando deu-se conta, alguém batia à porta, sobressaltando-o. Foi Turiel quem tentou tranquiliza-lo.

—Não se esqueça, sou uma herbalista aos olhos de Lathlake. Há de ser um cliente.

Não foi o bastante para acalmar Iorveth, que abandonou sua tigela de sopa e caminhou até o quarto. Claramente, não queria ser visto por ninguém. Turiel sequer comentou sobre isso. No fundo, era melhor assim.

—Ciri. – disse a elfa, surpresa ao perceber que era a Bruxa de cabelos brancos quem estava à sua porta. O que era estranho, pois afinal já era noite alta.

—Sei que já está tarde, mas tenho um assunto de extrema urgência para tratar contigo. Posso entrar?

—Mas é claro. – disse Turiel, permitindo a passagem da jovem com um fingido ar hospitaleiro. Logo que Ciri passou por perto de si, Turiel pôde sentir melhor seu cheiro. Sangue. E não era sangue humano. Um sangue peculiar... Seria de algum monstro? Provavelmente.

Ciri sorriu ao perceber que Anya também estava presente ali, sentada à beira do fogo. Ao cumprimentar a jovem, Ciri percebeu que havia outras duas tigelas, além da que estava nas mãos de Anya. Uma decerto deveria pertencer à Turiel, mas e a outra?

—Espero não estar atrapalhando... – comentou Ciri, sem questionar sobre quem seria o dono da terceira tigela de sopa.

—Coisa alguma, Ciri. Estávamos apenas jantando e jogando um pouco de conversa fora, aproveitando o calor da lareira. Aliás, ainda há um pouco de sopa, caso esteja servida...

—Obrigada, mas não pretendo me delongar por aqui. – disse

—Você está ferida! – constatou Turiel.

—Não há com o que se preocupar, não é nada grave. – menosprezou Ciri. Perto dos ferimentos que já adquirira em sua vida, como a grave cicatriz que ela ostentava em seu rosto, aquele arranhão em seu braço poderia esperar. Mas mesmo o menosprezo da Bruxa não foi o bastante para reprimir Turiel, que já caminhava para a prateleira e separava suprimentos medicinais. Ao perceber os movimentos da elfa, Ciri protestou.

—Eu disse que não é nada grave.

—Melhor ainda. Fará com que a limpeza do seu ferimento seja rápida. – disse a elfa, já espalhando pela mesa tudo que precisava para fazer um bom curativo. Sabendo que seria tolice recusar a ajuda da elfa, Ciri sentou-se e estendeu seu braço a Turiel, que terminou de rasgar a manga de sua camisa.

—Espero que esta sua camisa não seja sua favorita. – disse a elfa, enquanto limpava o ferimento. Sentindo um leve ardor picar sua carne, Ciri riu levemente.

—Eu tenho outras. Além disso, não é a primeira vez que fico com as roupas destruídas depois de enfrentar um monstro.

—Bom, talvez esteja na hora de você começar a buscar um equipamento mais resistente que uma simples camisa.

Ignorando o comentário de Turiel, a Bruxa desatou de sua cintura sua pequena bolsa de couro.

—Gostaria que analisasse isto.

Turiel recebeu a pequena bolsa de Ciri, surpreendendo-se ao notar seu conteúdo.

—Um dedo humano. – concluiu a elfa. – Que... Inusitado.

Um dedo mindinho. Humano. Feminino. Justamente o que está faltando em Saskia. Seria esta apenas uma coincidência?

—Sim, eu sei. O problema é que a vida de uma pessoa pode estar relacionada a este dedo.

—Como assim? – estranhou Turiel

—Lembra-se do bruxo Bjorn?

Turiel riu. – Como poderia me esquecer daquele falastrão?

—Pois bem, parece que os rumores que ele tanto clamava a respeito do Dragão em Lathlake se confirmaram. O Dragão realmente existe. Vi com os meus próprios olhos.

—É mesmo? – disse Turiel, disfarçando seu nervosismo. – Suco?

—Aceito. Não apenas vi o Dragão, como também lutei contra ele. Eu e Bjorn.

—Surpreendente saber que o falastrão não era, afinal, tão falastrão assim. Bom, a julgar por seus poucos ferimentos, imagino que o Dragão esteja morto.

—Honestamente? Não tenho certeza. – disse Ciri, enquanto Turiel estava de costas, ocupada a preencher copos com suco de framboesa.

—Como assim, não tem certeza?

—Estava prestes a matar o Dragão quando fui atacada por uma flechada. Acabei deixando o Dragão fugir. Mas ele estava bastante ferido. Não sei se conseguiu retornar ao seu covil ou se conseguirá dar conta de mais uma luta, estando tão ferido, enfraquecido. O problema é que Bjorn decidiu comemorar antes do tempo. Contou a todos que matou o Dragão. Mas o Magistrado não acreditou nele e pediu uma prova. Durante nossa luta, Bjorn havia amputado um dos dedos do Dragão e o guardou em sua bolsa. Turiel, eu mesma vi. Era realmente um dedo reptiliano, de Dragão. Eu o vi guardando esse dedo na bolsa, mas no momento que ele o entregou para o Magistrado, era um dedo humano.

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Entregando um copo de suco para Ciri, Turiel caminhou até sua mesa de estudos, onde a elfa herbalista começou a analisar o dedo,, com a ajuda de uma lupa.

—Será que alguém não surrupiou o dedo? Afinal, o corpo de um Dragão é muito valioso entre os alquímicos...

—Tenho certeza de que não. Bjorn ficou boa parte do tempo diante de todos, fazendo seu discurso. Além disso, ele é um bruxo e tem sentidos sobre-humanos. Teria percebido alguém roubá-lo.

—Bom, até mesmo os sentidos de bruxo podem ser ofuscados por bebida. – retrucou a elfa, plenamente convencida de que aquele dedo pertencia a Saskia, mas fingindo estar averiguando.

—Eu sei, mas ele não estava bêbado o bastante para isto. Na verdade, estava lúcido. – disse Ciri, observando Turiel estudar o dedo. – O Magistrado, obviamente, acreditou que Bjorn estava armando contra ele e decidiu prendê-lo. Por pouco uma carnificina quase aconteceu na Estalagem de Lucius, mas Bjorn acabou aceitando ser detido até que eu confirmasse ao Magistrado que o Dragão realmente está morto.

Turiel parecia pensativa.

—Isso não seria o mesmo que confirmar sua sentença de morte? Afinal, como você mesmo disse, o Dragão pode estar vivo. Porque ele simplesmente não se recusou?

—Não cabe a mim entende-lo. Fui designada a uma tarefa e irei cumpri-la. Acredito na inocência dele.

—Estou percebendo. – disse Turiel. – Aliás, por curiosidade, qual a suspeita que tem em mente?

—Acho que alguém usou Magia para trocar os dedos. Colocou esse dedo humano para incriminá-lo. Não sou tão especialista assim como você, mas percebi que é o dedo de uma mulher adulta.

—Sim. O dedo mindinho de uma mulher adulta. Não consigo precisar de qual mão, infelizmente. Um dedo calejado, diria.

—Possivelmente de uma camponesa, muito embora esse tipo de calo... Pareça ser de alguém que maneja bem uma espada, mas isso é raro entre mulheres. Decerto é de uma camponesa ou lavradora. – concluiu Ciri. – Consegue sentir algum resquício de Magia...?

—Não. – concluiu Turiel. – Quem fez isto, ou era um arcano poderoso, ou um larápio de mãos ágeis. Havia muita gente na estalagem?

—Praticamente toda Lathlake, à exceção de você e Anya. Aliás, a notícia de que o Dragão sobrevoou Lathlake não chegou até vocês? – perguntou Ciri, com estranheza.

—Ah sim... Hoje não fui ao vilarejo porque passei o dia todo colhendo cogumelos cinzentos na floresta. Costumo levar o dia inteiro nisso porque eles são bem complicados de se achar.

—Posso imaginar. Eu acho. – suspirou Ciri.

Quando prestes a questionar mais Turiel a respeito do dedo, Ciri sentiu seu medalhão da Escola do Gato pendurado em sua cintura estremecer. Magia. Seus olhos voltaram-se para Turiel. Nada. Embora fosse uma feiticeira, a elfa não estava utilizando Magia na análise do dedo.

Que estranho...

Seu medalhão voltou a balançar outra vez, deixando a Bruxo em alerta. Seus olhos voltaram-se para a tigela. A terceira tigela, abandonada.

—O que houve, Ciri? – perguntou Turiel, enquanto observava Ciri caminhar levemente pela sala, como se estivesse à procura de algo. Droga! Será que ela percebeu alguma coisa? Ou eu deixei escapar algo que não devia?

Turiel sentiu seu coração acelerado quando percebeu que a jovem de cabelos brancos estava caminhando para seu quarto. Justamente onde estava Saskia e Iorveth. Claro. Havia uma áurea de Magia no ambiente, provocada pela recuperação do corpo de Saskia. Ferida daquela forma, seu corpo trabalhava em grande esforço para curá-la, o que fazia Saskia praticamente transbordar de Magia pelos poros. O que a feiticeira elfa não cogitou é que seria o bastante para fazer estremecer o medalhão que os Bruxos tanto confiam. Sempre referindo-se ao objeto como um “penduricalho inútil’, agora Turiel teria de rever seus conceitos.

Ver a Bruxa desembainhando a espada provocou enorme surpresa em Anais e Turiel, que agora temiam pelo pior.

—Ciri, o que você está fazendo? Este é o meu quarto e...

Foi tudo muito rápido. Em um segundo, Ciri estava abrindo a porta de seu quarto com um leve chute, e no outro, Iorveth estava jogado no chão de sua sala, desarmado e com a lâmina de prata de Zirael recostada à sua garganta por Ciri. Para Anais, aquilo foi impressionante. Mas para Turiel, foi mais uma forte demonstração de suas poderosas habilidades de Fonte.

—Pensou que iria me pegar desprevenida? – balbuciou Ciri, pressionando mais forte sua espada na garganta de Iorveth, que sentiu sua respiração seca.

—Ele não pensou, ele tinha certeza.

A voz feminina, acompanhada da ponta de uma espada, fez Ciri se sobressaltar levemente, mas não o bastante para baixar sua guarda. Ainda tinha o elfo caolho em seu domínio, ela pensou. Mas a sensação de outra lâmina, mais curta, recostada à sua cintura lhe provou que estava errada.

—Se me matar, ela te mata. Se mata-la, eu mato você. – vociferou o elfo, pressionando uma pequena adaga contra a camisa de Ciri. Como diabos ele conseguiu sacá-la? Ela realmente tinha muito que aprender, como dizia Lambert.

—Entregue-se. – ouviu Ciri a voz firme da mulher, por trás de si. – Não estamos aqui para matá-la, mas faremos. Se acharmos necessário.

Sem escolha, Ciri afastou sua espada do pescoço de Iorveth. Ao fazer isso, ela sentiu suas costas livres da ponta da espada, o que pôr-se de pé outra vez. O elfo fez o mesmo, limpando elegantemente suas calças.

Quando Ciri voltou seus olhos para a mulher, deparou-se com uma jovem de bela aparência, por volta de seus trinta anos, de cabelos loiros e olhos negros, vestindo uma camisola. Porém, havia curativos por seu corpo. Mas sem dúvida, o que mais chamou a atenção de Ciri foi sua mão direita, enfaixada e tendo apenas quatro dedos.

Faltando justamente o dedo midninho.

—O que está acontecendo aqui, Turiel? – esbravejou Ciri. – Quem são estas pessoas?

—São... Amigos. Acredite em mim. – disse a elfa, com pouca convicção.

—Difícil acreditar, não acha?

—Sei que está com má impressão a respeito deles, Ciri, mas admita: você não ajudou muito atacando-os primeiro. – disse Anais, num tom apaziguador.

—Anya, não se meta. – alertou Turiel.

—Então, é isto? Você arrancou o dedo desta mulher, se infiltrou entre os camponeses de Lathlake e trocou os dedos. Tudo para ficar com o dedo do Dragão. Afinal, como você mesmo disse, “o corpo de um Dragão é muito valioso entre os alquímicos”...

—Que idéia absurda! – gargalhou Turiel.

—Garanto a você que o Magistrado não achará tão absurdo assim, ainda mais quando eu contar sobre esta mulher, com a mão enfaixada e sem o dedo midinho. Posso até apostar que o dedo que te concedi para análise é idêntico ao dela.

Outra vez, tudo aconteceu rápido demais para que os olhos de Anais pudessem acompanhar. Um movimento rápido e tudo o que a jovem viu foi uma adaga sendo lançada contra o teto, enquanto Ciri estava em posição de guarda com sua espada. A jovem temeriana estava sem palavras. Ela realmente conseguiu rebater uma adaga lançada por Iorveth?

—Iorveth! – gritou Turiel, enfurecida pela reação agressiva do elfo.

—Sendo sua amiga ou não, eu não posso deixa-la sair viva daqui, Turiel! – esbravejou Iorveth, claramente nervoso.

—Adoraria vê-lo tentar. – zombou Ciri, ainda com sua arma em posição defensiva.

—Não caia em suas provocações, Iorveth. – pediu Saskia.

—Se ela colocar o pé para fora desta porta, irá nos denunciar. Não posso permitir.

Ciri ainda estava firme em sua posição de guarda. De repente, um lampejo passou pela sua mente.

—O dedo... Não houve troca nenhuma. O dedo do Dragão... É o seu dedo! Você é uma polimorfa!

Ciri ouviu um forte palavrão, surpreendentemente dito na Linguagem Ancestral, sair da boca do elfo.

—Você é o Dragão! Por isso está tão ferida e sem o seu dedo! Não, eu sei que minha alegação parece absurda, mas não é! Geralt me contou sobre um Dragão Dourado chamado Três Gralhas e que ele era capaz de adotar a forma humana...

—Geralt? – surpreendeu-se Iorveth. – Você conhece Gwynbleidd?

—Sim. Ele me criou.

Por um breve instante, Ciri percebeu que o semblante agressivo e apreensivo de todos os presentes, até mesmo de Anais, sofreu uma considerável extenuada. Parecia que a nuvem de incerteza e pânico formada naquela sala havia se dissipado. Tudo porque o nome Geralt foi mencionado.

—Três Gralhas é o meu pai. – disse, por fim, Saskia.

—Saskia... – alertou Iorveth, mas a guerreira o ignorou.

—Geralt de Rívia é de confiança. Ele pode ter se aliado a Vernon Roche e dado as costas à nossa causa, mas por fim, foi um direito dele. Além disso, ele não me matou, mesmo tendo a oportunidade nas mãos. Poderia ter conseguido uma boa fortuna com meu corpo draconiano, mas ele simplesmente poupou minha vida, mesmo não sabendo quem eu sou.

—Essa dh’oine pode estar mentindo para nos convencer. – retrucou Iorveth.

—Como ela saberia do segredo de meu pai? – questionou Saskia, deixando Iorveth em silêncio. – Meu pai Villentretenmerth tinha Geralt em grande estima, confiando o seu segredo a ele. Portanto, nós também podemos confiar em Geralt e nas pessoas de seu círculo de confiança. Pessoas como... Qual é o seu nome?

—Ciri. – apresentou-se Ciri.

—Ciri. Agora, você sabe de meu segredo. Sim, eu lutei contra você hoje cedo. Você e outro Bruxo. Não posso falar dos motivos que me fizeram estar em Lathlake, mas quero que saiba que não foi minha intenção atacar a cidade. Eu e Iorveth devemos muito à Turiel e jamais faríamos qualquer mal ao vilarejo dela. Aliás, não pretendo ficar aqui por muito tempo. Só preciso de dois dias, no máximo, para me recuperar. E então, estarei fora de sua vida.

—E quanto a Bjorn? Ele terá de morrer por causa de seu segredo?

Saskia parecia reflexiva.

—Pode não parecer, mas este dedo ainda me pertence. Se vocês tocarem nele, sentirão que ele ainda está “quente”. A Magia mantém este dedo conectado a mim, ainda que não mais sejamos um só corpo. Eu não consigo regenerar um novo dedo enquanto este ainda existir. Deveria destruí-lo ou do contrário permanecerei a ter nove dedos, mas... Presumo que este seja o meu castigo por minha inconsequência.

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Saskia estendeu suas mãos e recebeu de Turiel seu dedo mindinho. A guerreira de cabelos loiros fechou seus olhos, e uma estranha áurea tomou todo o quarto. Quando a luz se dissipou, o dedo nas mãos da guerreira havia se tornado novamente um dedo draconiano, semelhante ao tomado por Bjorn. Ciri maravilhou-se com a Magia emanada do corpo de Saskia, que sentiu-se tonta pelo uso de seus poderes.

—Leve este dedo para libertar o bruxo. E aceite minhas desculpas. – pediu Saskia, sentindo as pernas levemente bambas e sendo amparada por Iorveth. Ciri tomou o dedo da mão da guerreira, assentindo com a cabeça.

—Está bem, eu aceito. Também não contarei a ninguém sobre vocês. Mas exijo a presença de Turiel, para corroborar minha história.

—Tudo bem. – aceitou a elfa. – Podemos ir para Lathlake agora mesmo, se quiser.

—Ótimo.