Não era pra ser assim...

Segundas chances


Minha mãe me proibiu de ir à escola por quase duas semanas. Logo no início, foi impossível conversar com ela. Qualquer menção a Jean era mais que suficiente para que ela brigasse comigo. Pouco a pouco, suas reações adversas a Jean foram diminuindo. Talvez tenha sido minha insistência, talvez tenha sido o apego dela a Jean.

— Marco, eu tô te dando uma chance pra me explicar isso tudo.

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Tínhamos acabado de jantar. Estávamos sentados frente a frente e a tensão era palpável.

Contei-lhe a história de Jean e dei ênfase ao falar de sua irmã. Falei que sua intenção não era machucar ninguém, que a gangue era só uma tentativa de encontrar Victória novamente.

— E quantos as mortes? Sim, eu sei sobre elas — acrescentou antes que eu perguntasse algo.

— Foi necessário, mãe. Não eram pessoas boas! Com exceção de um que tentou forçar uma amiga dele a fazer coisas que ela não queria, todos eram da gangue que destruiu a família de Jean! Se ele não tivesse feito o que fez, talvez nem estivesse vivo! Eu não tô falando que apoio ou que gosto do que ele fez — dei uma pausa e respirei. — Bom, eu não sei quanto a você, mas eu pensei em vingança inúmeras vezes. Pensei em caçar todos aqueles responsáveis pela morte do meu pai. O Jean também, mas ele foi além do pensamento. Ele só queria a família de volta. Eu entendo a raiva dele e sei que você também entende, mãe. Mas acabou. A gangue acabou. Ele só tinha essa arma porque ficou com medo de ser atacado novamente. Lembra-se de quando ele foi baleado? Foi a gangue de Stohess. Ele só queria se defender. Jean me jurou que nem se lembrava mais da arma. Por favor, mãe, perdoa ele. Eu sei que é difícil, mas eu consegui.

Com isso, levantei-me da mesa e estava a alguns passos de sair da cozinha. Parei e virei-me para ela.

— Nós dois sabemos que ele foi a melhor coisa que nos aconteceu desde que... Desde que nos mudamos pra cá.

Fui para meu quarto e fiquei me perguntando se devia ter contado a verdade ou inventado uma mentira. Bem, não adiantava chorar pelo leite derramado. Liguei para Jean.

— Marco! Eu tô com saudade — choramingou.

— Eu também... Mas temos que resolver a sua bagunça primeiro.

— Eu já me culpei o suficiente, Marco. Não precisa ficar me lembrando.

— Eu sei. Só quero ter certeza de que você vai pensar duas vezes antes de fazer mais uma besteira.

— Não vai ter mais nenhuma besteira.

— Que bom.

— Você já explicou pra ela?

— Já. Acabei de contar. Estou aguardando uma reação.

— Eu sabia que você ainda tava falando com ele — minha mãe disse. Estava apoiada no batente da porta e me laçava um olhar decepcionado.

Com o susto, derrubei o celular no chão.

— Marco, eu me apeguei ao Jean. Eu já o considero meu filho também e eu sei que você o ama, mas pra mim as coisas não são tão simples.

— Como não?

— Quer dizer que você o perdoou dois segundos depois de ele te contar a verdade?

Fiz menção de retrucar, mas não consegui pensar em nada. Calei-me.

— Eu imagino que ele deve ter vivido um inferno, mas isso não dá o direito para ele fazer o que quiser, entende?

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Mordi meu lábio inferior.

— Eu prefiro que eles tenham morrido a eles terem matado o Jean. Eles não eram boas pessoas.

— E o Jean matá-los o faz uma boa pessoa?

Novamente, nada respondi.

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— Talvez eu possa perdoá-lo, mas eu preciso de mais tempo, Marco. Tudo bem?

Assenti e dei um pequeno sorriso. Ela saiu e deixou-me sozinho.

Peguei meu celular e percebi que a ligação não tinha sido terminada.

— Jean?

— Eu ouvi a conversa — falou. — Acha que ela realmente vai mudar de ideia?

— Acho que sim. E você a ouviu: ela também se apegou a você.

— É claro que sim! Eu sou irresistível! — apesar de seu tom brincalhão, eu pude perceber a insegurança em sua voz.

— Mesmo que ela não te perdoe, vamos dar um jeito. Vamos envelhecer juntos, lembra?

E, com isso, nos despedimos.

O tópico “Jean” voltou a ser proibido em casa, mesmo que implicitamente. Surpreendi-me, porém, quando minha mãe permitiu que eu fosse para a escola.

Eu e Jean aproveitamos cada momento que tínhamos juntos na escola. Embora não falássemos sobre o assunto, ambos temíamos que nossa relação mudasse drasticamente.

Fiquei chateado quando Jean faltou à escola. O sentimento durou pouco, visto que ele estava em casa quando cheguei lá.

— O que você tá fazendo aqui? — perguntei ao abraçá-lo.

— Sua mãe me chamou.

— Vocês se resolveram?

— Sim.

Sorri e abracei-o novamente. Ele estava tão feliz quanto eu.

— Ela vai entregar a arma pra polícia e não vai contar nada sobre mim. Vai inventar uma estória, falar que a encontrou em algum canto da casa ou qualquer coisa do tipo.

— Ela tá com raiva de você?

— Não. Raiva não. Desapontada? Com certeza.

— Ela vai esquecer.

— Espero que sim.

— Que tal mudarmos de assunto? A gente vai poder dormir abraçado de novo!

Jean sorriu e beijou minha bochecha.

— Qual foi a reação do Eren?

— Não que eu seja medroso, mas um arrepio percorreu minha espinha quando ele me viu na casa dele. Eu tive que e esconder atrás da Mikasa!

Gargalhei.

— Será que ela filmou essa cena? Eu adoraria ver isso!

— Eu sei que adoraria, mas vai ter que usar sua imaginação.

Sorri e aninhei-me eu seu peito. Seus braços me envolveram e ele acariciou meus cabelos.

***

O clima em casa ficou tenso por mais alguns dias. As conversas entre minha mãe e Jean não passavam de perguntas sobre a escola.

Conforme meu aniversário chegava, porém, ficou claro que eles se esforçaram mais para fazer tudo voltar a ser como era antes. E conseguiram.

No dia dezesseis, acordei com minha mãe batendo porta do meu quarto. Ela trazia um bolo com uma vela no centro e Jean vinha logo atrás dela.

— Feliz aniversário! — disseram ao mesmo tempo com um sorriso de orelha a orelha. Sorri também e abracei-os.

— Faça um pedido — Marina falou quando fui assoprar a vela.

— Não precisa. Já tenho tudo que quero — sorri.

Isso levou lágrimas aos olhos de minha mãe.

— Estou esperando lá embaixo — ela falou com mais um abraço.

— E eu volto daqui a pouco — Jean acrescentou.

Ele voltou rapidamente. Trazia um cachorro de pelagem malhada em seu colo.

— Sabe... Eu tava pensado e cheguei a conclusão de que você praticamente me adotou, certo? Então pensei que você gostaria de adotar esse pequeno — sorriu. — Sua mãe concordou. Eu o encontrei na rua um dia quando voltava pra casa do Eren.

Não sei se era possível, mas minha felicidade aumentou ainda mais.

Ergui-me da cama num pulo e me aproximei. Jean colocou o cachorro no chão e eu deixei que ele se acostumasse com minha presença.

— Qual o nome dele? — perguntei.

— Eu tava pensando em Marco. Eu ia adorar ver você em dúvida se eu estava chamando ele ou você.

— Você é tão engraçado — falei irônico.

— Muito gentil da sua parte — riu.

— Joy!

O cachorro me olhou quando falei o nome.

— Acho que ele gostou — Jean disse.

— Também acho.

Logo em seguida, fomos a um pet shop comprar comida para o mais novo membro de nossa família.

***

O resto do dia foi só farra. Chamamos nossos amigos e ficamos conversando até de noite.

Quem mais festejou, no entanto, foi o Joy. Ele não parava de pular e abanar o rabo.

O melhor momento do dia foi quando íamos dormir. Estávamos deitados e Jean me abraçava. Como a porta do quarto estava aberta, Joy entrou, subiu na cama e deitou entre Jean e eu. A cara de indignação de Jean foi hilária.

— Isso é injusto! — reclamou. — Porque ele tem o direito de dormir ao seu lado?!

— Porque sim.

Jean fez biquinho.

— Só hoje, Joy. Mas não se acostume porque esse lugar me pertence.

Joy olhou para com cara de cachorro perdido.

— Tudo bem. Eu posso abrir mais algumas exceções pra você.

Jean acariciou Joy e fomos dormir.