Os dois, já vestidos decentemente, ouviram a moça do auto falante do metrô falar:

–Estação Joana Bezerra a cem metros.

Vitória se levantou, arrumando levemente a blusa e pegando a bolsa no banco. Jake também levantou-se, surpreendendo-a:

–Você vai descer aqui também? – perguntou.

–Vou. – ele riu – Tenho aula da faculdade agora.

–Tchau pra você também, Cavalcante. – Júlia disse sarcasticamente, sorrindo de lado e pondo uma mão na cintura.

–Tchauzinho, Moura. – a futura jornalista deu um beijo estalado na bochecha da amiga e então o veículo parou. As portas se abriram e as pessoas começaram a sair. Havia muita gente na estação, então Vitória enganchou o próprio braço ao de Jake para não ser levada pela multidão. O rapaz sentiu o toque suave da pele da garota em si, arrepiando-se levemente, mas andou guiando-a até o outro lado da estação como se aquela fosse uma situação normal.

–Então... – a estudante começou, quando os dois finalmente se desvenciliaram da multidão – Você faz faculdade de quê?

–Tô no sexto período de Medicina na Federal. E tu? – ele disse, estranhando que ela ainda não tivesse retirado o braço e apreciando a sensação ao mesmo tempo. Bom, ele é que não tiraria dali.

–Quinto período de Jornalismo lá na Federal também. Faz estágio?

–Vou começar no Hospital das Clínicas daqui a duas semanas. E você?

–Começo hoje no Diário de Pernambuco. Editoria cultural. – ela respondeu orgulhosa.

–Massa. – foi seu comentário, para depois continuar com o jogo de perguntas – Vai se especializar em quê?

–Jornalismo científico ou social, acho. E tu?

–Cirurgia pediátrica. Quantos anos você tem?

Os dois subiram no novo metrô que parara e sentaram-se lado a lado, engajados em sua conversa de perguntas e respostas.

–Vinte e um, mas não é educado perguntar a idade de uma mulher. – ela ergueu uma sobrancelha, sorrindo de lado – E você?

Ele coçou a cabeça, sorrindo amareladamente.

–Desculpe, fui criado com quatro homens em casa. Tenho vinte.

–Quatro? – Vitória pareceu confusa.

–Sim. Meu pai, meu padrasto e meus dois irmãos.

–Seu pai é gay? – ela perguntou, para depois bater com a mão na testa. Jake sentiu momentaneamente a falta do contato entre seus braços. – Espere, não responda. Foi uma pergunta idiota.

–Não, tá tudo bem. – ele deu de ombros. Depois de tanto tempo, aprendera a não ligar para os julgamentos das pessoas. – Sim, meu pai é gay. E ele é meu pai biológico, antes que pergunte.

–Eu não ia perguntar, mas tudo bem.

–Ué, por que não? – Jake estranhou. Quando ele dizia ‘pai e padrasto’ para as pessoas, a próxima pergunta delas era sempre aquela.

–Não me interessa. – ela deu de ombros, exatamente como ele fizera alguns segundos atrás – Se você diz que ele é seu pai, que me importa o sangue?

O futuro médico sorriu.

Touchè. Gostei de você, Vitória Cavalcante.

–Obrigada. – ela corou levemente, rindo – Seu nome é mesmo Jake?

–Não. – ele riu – Na verdade meu nome é Diego Jacobino, mas todo mundo me chama de Jake. E eu achei esse nome legal, então me apresento assim.

–Eu gosto de Diego. – ela replicou.

–Pra mim tanto faz, na verdade. Só minha família me chama de Diego. Jake é mais... – pensou um pouco – Divertido. Combina mais comigo.

–Pra não dizer mais estrangeiro, né?

Diego riu.

–É. Gosto de chegar no Marco Zero falando inglês e fingindo que sou gringo. A cara dos vendedores é impagável.

Os dois continuaram conversando durante todo o trajeto de metrô, no ônibus da integração, e durante o trajeto a pé até a Universidade. O rapaz, em meio às risadas e pequenos elogios, concluiu em sua mente: “É, eu definitivamente gostei dela.”

–Ei, o que te deixou com aquela cara de chateado quando entrou lá no primeiro metrô? – Vitória achou-se perguntando. As palavras saíram sem querer, apenas estava curiosa. Diego parou de sorrir, suspirando.

–Acho que temos intimidade suficiente para eu te contar. É a minha namorada. Quer dizer, ex. Terminamos semana passada, bem no dia dos namorados.

A futura jornalista amaldiçoou a si mesma por ser tão estúpida, e então segurou a mão do rapaz.

–Por quê? – perguntou, acariciando de leve a mão alheia com o dedo polegar.

–Tive que passar o dia dos namorados estudando. – ele murmurou, olhando para o chão – Eu tinha prova no sábado! O que ela queria que eu fizesse?! – acrescentou levemente exasperado. Vitória apertou os lábios e então resolveu aliviar a tensão.

–Mas que garota burra! – disse com um sorriso – É de conhecimento geral que quando um futuro médico passa o dia dos namorados estudando, em cinco anos ele passa o dia dos namorados em Paris.

Diego riu levemente.

–Até que pode ser verdade, haha.

Os dois chegaram até a esquina, já dentro da Federal, que separaria seus caminhos. Não desgrudaram as mãos.

–Você tem aula no CCB, né? – Vitória perguntou, olhando com um sorriso triste para a rua oposta ao Centro de Ciências Biológicas, que a levaria para o Centro de Artes e Comunicação.

–Tenho. Você tem aula no CAC, né?

–Sim. Duas de radiojornalismo. – ela deu de ombros, encarando as orbes verdes do rapaz – Acho que é aqui que nos separamos.

O futuro médico olhou seu relógio de pulso.

–Ahh, eu ainda tenho tempo. Posso te levar lá, até porque não é seguro uma moça andar sozinha por aí.

A garota pensou na quantidade de vezes que andara por aquele mesmo caminho sozinha nos últimos três anos, mas resolveu não dizer nada. Assentiu com um sorriso e os dois viraram à esquerda, passando pelo Colégio de Aplicação e voltando aos assuntos amenos.

–Pensei estudantes de medicina em geral tinham carro. O que aconteceu com o seu?

–Não é todo aluno de medicina que tem carro, Tori. – Sim, Diego já havia dado um apelido para a garota morena que conhecera no metrô. – Eu, por acaso, me encaixo em sua generalização. Mas meu carro está na revisão, por isso usei o metrô hoje. Não me arrependo nem um pouco. A vista estava excelente. – ele brindou-a com um pequeno sorriso sacana. Ela o empurrou, falsamente indignada.

–Idiota!

–Brincadeira, brincadeira! Eu me rendo! Por favor, não me empurre até a rua para ser atropelado! – brincou, levantando as mãos em forma de rendição. – Não posso morrer antes de me formar.

–Compreendo. Nesse caso, esperarei mais dois anos para ter minha vingança. – Tori sorriu em desafio, o rosto próximo da face alva do rapaz. Próximo demais.

–E-e-er... – pela primeira vez, o garoto das palavras fáceis esgotou seu estoque. Os olhos claros da futura jornalista encararam os seus, verdes, como se pedissem uma atitude. “Muito cedo, meu amor,” Diego pensou antes de se afastar com uma brincadeira qualquer. Espera, ele realmente tinha chamado uma garota que acabara de conhecer de ‘meu amor’, mesmo que em sua mente? Ele não usava essa expressão nem quando namorava Beatriz...

–Muito bem, chegamos. – Tori disse, parada à frente do prédio de formato estranho e cheio de janelas com vidro fumê que era o CAC. Os dois contornaram bem a clara tensão sexual que pairou no ar alguns minutos atrás, voltando a conversar descontraídamente sobre a vida e os prazeres de cada um. – Muito obrigada por me fazer companhia, Diego.

–Você realmente vai me chamar de Diego? – ele levantou uma sobrancelha. A garota riu.

–Sim, eu vou. 8025-8714.

–Que número é esse?

–Meu celular, ora. Me ligue quando quiser conversar. – ela piscou.

–Repete aí. – o estudante de medicina pediu, tirando o celular do bolso para anotar o número. Tori sorriu e pegou o aparelho de suas mãos, digitando o número e salvando o contato.

–Pronto. Tenho que ir. Obrigada de novo, Diego.

–Obrigada a você por alegrar meu dia, Tori. – o rapaz replicou, guardando o celular no bolso e depositando um beijo na bochecha corada da garota. Os dois abraçaram-se e Vitória seguiu para dentro do prédio, parando na porta de vidro e acenando para o futuro médico. Ele sorriu, suspirando e acenando de volta, para observar a morena sumir dentro das portas escuras. Perguntou-se se teria coragem de ligá-la ou mesmo mandar mensagem mais tarde. Droga, aquilo o assombraria pelo resto do dia.

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Senhorita Cavalcante,

Fomos informados de certo ocorrido no metrô de número 0451 com destino à Estação Central do Recife às 8:42h da manhã de hoje (17/06/2015) envolvendo a senhorita e rapaz desconhecido. Por favor, perceba que este tipo de exibição pública não será tolerada em nosso meio. Para tanto, é com pesar que a diretoria deste jornal a desliga do serviço de estágio número 36. Desejamos um bom dia.

Atenciosamente,

João Carlos Antunes

Editoria Cultural