Cada um carrega um fardo
Isso é fato
E cada um descarrega-o como pode
O meu, descarrego nas palavras

São palavras de descontentamento
Inúmeras vezes, de fúria
Outras, em murmúrios
E quase sempre em preces

Mas eu não tenho coragem de
Vomitar esse fardo, este pedaço de catarro
Em arte
Em poesia

Hoje, abro a exceção
E meu coração se abre também
Deixando a onda pesada e quente
Sujar o papel

Nenhum sentimento é tão ruim
Quanto aquele que te faz sentir
Que te faz realizar
Que você é humano

Que tens falhas
Que não é o que você quer ser
Ou sempre quis ser:
Perfeito

Dentro de cada um de nós
Há um pinguinho de escuridão
Só esperando para crescer
Pelo dia em que há de te tomar

Ela te engole
Te queima por dentro
Te esfria por fora
Como uma febre

São coisas que eu guardo para mim
Na esperança de que um dia
A escuridão vá embora
De que eu posso apagá-la

E aí eu a varria para debaixo das minhas entranhas
Escondia-a atrás de um coração que se diz forte
Cobria-a com um sorriso falso, digno de um Oscar
“Estou bem”

Um dia, vou estar
Mas até quando vou esperar
Pelo dia que nunca vem?
Pelo dia que não há de vir?

E aquela maré de ruindades
Não me arrasta para o fundo
Mas me deixa à deriva
Em sua marola de apatia

Ignoro essa escuridão
Deixo que me envolva
Que me aquiete
Que impeça o mal e também o bem

É uma crisálida grossa
A minha fortaleza
Feita de mim mesmo
Para mim

Não vejo as horas passarem
Os pensamentos entram e saem
E nada para, nada fica
Nada me espera

Meu passo é curto
E não faço questão de acelerá-lo
Por enquanto
Sou lerda

Ainda são nove da noite
E já sinto a cama me chamar
Mais uns minutos e já estou aqui
Nas cobertas

Uma caneca de refrigerante ao meu lado
Ou mehor
A garrafa inteira de coca
Me fazendo companhia

O que me leva a pensar
Que nada consegue me tirar
Dessa noia que é
A decepção

Não há cachaça, cigarro
Jogo, leitura, desenho
Piada, promoção na Steam
Que me desligue disso
De algo que já está em mim
Por natureza
Por insistência
Por teimosia

E a marola vai
Só vai
E me leva pra cada vez mais longe
Da terra

De quem eu gostaria de ser
De quem gostariam que eu fosse