- Porque fez isso? - ela perguntou.

- Não gostou?

- Não é isso... É que... Era uma curiosidade minha. Você não precisava...

- Mas eu quis - dei de ombros.

Ela suspirou e baixou a cabeça.

- Como me odeio! Eu queria estar morta.

Eu quase ri, mas não era tão engraçado assim, a não ser pelo fato de ela já estar morta.

- Por quê? - perguntei, ainda assim.

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- Porque se eu não estivesse aqui, eu não teria te conhecido, e não estaria assim agora.

- E é ruim me conhecer?

- Não. É ótimo - ela suspirou. - E esse é o problema.

- Eu sinto muito.

- Não sinta. Você não tem culpa alguma - ela olhou para cima, para a janelinha. - Eu deveria ter seguido o vazio escuro que provavelmente me introduziria no sono profundo da morte...

- Hã? - arregalei os olhos. - Você viu um vazio?

- Quando fechei os olhos, mas tentei os abrir diversas vezes, e quando dei por mim estava morta, porém ainda viva. Tipo assim. - ela gesticulou para si mesma.

Fechei os olhos. Tentando enxergar a mesma escuridão que Louissean havia enxergado, porém para mim era como sempre, como se estivesse indo dormir. Mas ela sabia que iria morrer, e para ela aquilo havia sido diferente, havia sido como se alguém estivesse tapando a sua visão de propósito e ela estive tentando obtê-la de volta descontroladamente. Devia ser uma agonia sem fim. Desconhecida para mim.

- Não tenho ideia de como pode ter sido - murmurei.

- Nem queira ter - ela murmurou de volta, e então mudou de assunto. - O que fará para ir à escola amanhã?

- Não tenho ideia. Talvez nem vá. Não quero ir. Não quero te deixar - olhei para ela.

Louissean suspirou novamente.

- Divertir os outros, um dos modos mais emocionantes de existir.

- Primeiro: você não só me diverte como também faz parte da minha vida, você não está aqui só pra me divertir, se Deus permitiu que você continuasse neste mundo foi porque ele sabia que você teria uma grande missão para completar. E você está aqui em nome dela. Segundo: você praticamente não existe já que você morreu. Mas para mim, você é um elemento essencial, que com certeza faria falta, porque sua existência é mais do que necessária para mim. Dá pra entender e parar de ficar se queixando?

Loui baixou a cabeça. Eu havia sido rude? Ah, mas eu já estava cheio dela se lamuriando, poxa. Eu gostava dela e ponto final.

Então, tudo pareceu silencioso demais. Levantei-me e fui até a janela, meus pais estavam na calçada. Agatha e os gêmeos também. Estavam falando com alguém. A vizinha, talvez. Eu precisava sair para buscar o meu notebook e outro cobertor. Eu poderia mandar Loui ir, mas eu não queria arriscar tudo mais ainda, se eu não saísse eles acreditariam mais ainda em Loui e chamariam o pastor Robbie e sua mulher de volta. Mas se eu saísse e Kendra, que devia estar em seu lugar de sempre, me visse eles acreditariam que eu havia pegado os cobertores e o notebook sozinho.

- Lou - sussurrei e ela levantou a cabeça. - Se importa se eu subir pra pegar umas coisas?

Ela fez que não com a cabeça. Eu fiz sinal com a mão para ela esperar lá e fui andando vagarosamente até a porta. Abri uma fresta para ver se havia alguém por perto, mas estava tudo vazio. Saí do quarto silenciosamente e tranquei a porta atrás de mim.

Quase pulei de susto ao ver Kendra sentada ao pé da escada, olhando para a porta de entrada.

- Porque saiu? - ela perguntou.

- Preciso pegar umas coisas. Não chame ninguém.

- Não vou chamar. - Ela sussurrou. Eu pensei ter a ouvido dizer algo mais, mas provavelmente devia estar ouvindo coisas.

Subi as escadas correndo e fui até meu quarto. Então um barulho me pegou de surpresa. Vidro. Quebrando. Um copo? Não, o barulho foi maior. Parecia uma vidraça, uma janela. Uma janela! A janela do quartinho. Se naquele instante eu pudesse fazer alguma coisa seria voltar no tempo e pensar bem antes de sair do quarto. Mas, porque papai ou mamãe quebraria a janelinha do porão se eles nem sequer sabiam nada sobre Loui? Não importa. Desci as escadas correndo e Kendra ainda estava no mesmo lugar.

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- Eu avisei - ela murmurou.

Então eu havia mesmo a ouvido dizer outra coisa. Ela havia dito: "Não vou chamar. Não preciso. Quer dizer que já havia alguém a espreita. Meus pais e o resto da sociedade preocupante - Agatha e os gêmeos - estavam lá fora exatamente para seguir o plano, me fazer sair do porão para alguém entrar e roubar os restos mortais de Loui. Quem seria esse alguém?... Robbie e Carmy. Mas eles não estavam aqui, quer dizer, não que eu soubesse.

Quando cheguei ao porão já era tarde demais. Ele já estava com a caixinha nas mãos, vindo à direção da porta.

- Epa, epa! - murmurou.

- Largue - sibilei. - Largue isso, agora!

Mas então meu pai surgiu de repente por trás de mim e me segurou. O pastor passou por mim e eu o chutei, a caixa quase caiu no chão, mas sua esposa o ajudou e eles subiram as escadas as pressas.

- Me solte!

- Eu sinto muito, Jesse, não posso fazer isso - papai murmurou.

Nem sinal de mamãe, Agatha ou os gêmeos. Eu ouvi o choro de Micky vindo do andar de cima. E então a imagem nítida de Loui apareceu abaixada na janelinha quebrada do porão. Do lado de fora. Eles já haviam saído. Parei de relutar e meu pai folgou mais o meu braço, como se isso fosse planejado, e eu aproveitei para me desvencilhar dele.

Corri até o lado de fora, Kendra ainda estava parada na escada, só que o olhar agora estava mais assustado. Loui estava na porta agora, me olhando aturdida.

- O que vai fazer? - perguntou.

- Não deixarei que te levem de mim.

Andei apressadamente até o pastor e sua mulher, que entravam as pressas no seu carro. Ouvi meus pais gritando atrás de mim. Jason e Jonah se afastaram quando eu passei por eles e Agatha não tinha ações perante a cena. Vi a vizinha na calçada, olhando a cena enquanto conversava com sua mãe. Ela estava arrumada, parecia que iria sair e estava esperando alguém.

O carro do pastor começou a se movimentar e eu me joguei para a porta do motorista.

- Jesse! - mamãe me chamou.

- Pare! - gritei, batendo freneticamente na porta do carro.

Robbie tentava tomar partida e sair dali, mas eu estava praticamente dependurado no carro. Ele não podia fechar o vidro, pois correria o risco de me machucar, já que eu estava com os braços dentro do carro. Então uma moto apareceu e estacionou do outro lado da rua para evitar o 'congestionamento' do nosso lado. A vizinha sorriu e começou a atravessar a rua.

Tudo aconteceu muito rápido. Um carro surgiu em alta velocidade atrás do carro do pastor Robbie, eu puxei a porta com força como se pudesse mover o carro para evitar a tragédia que se sucederia, mas não funcionou. O carro de trás bateu no carro do pastor, a porta que eu puxava abriu e a caixa, que estava no colo de Robbie voou para fora, abrindo-se e o pó se espalhando no ar, ao mesmo tempo em que o carro avançava contra a vizinha que estava atravessando a rua. E tudo que eu consegui ver e ouvir foi o freio brusco do carro de Robbie, que foi usado em vão, pois seu carro atingiu a vizinha e ela foi arremessada com o impacto, a minha e a sua mãe gritaram, ao mesmo tempo em que meu pai me puxou para a calçada e a poeira tomou conta da minha visão.

- Não!

Então, mamãe correu para ajudar a vizinha, que estava caída e com sangue a sua volta. Papai também foi até lá. O motorista do carro de trás estava inconsciente e com sangue escorrendo pela sua testa. A esposa do Reverendo Robbie também estava inconsciente, porém sem nenhum ferimento ou fratura exposta. Robbie estava acordado, aturdido, mas assim que pôs as ideias no lugar, saiu do carro e cambaleando foi socorrer a vizinha também. Meus irmãos e minha prima observavam a cena chocados, e Kendra agora estava com Micky na porta da casa, olhando tudo de lá também. Os outros vizinhos começaram a aparecer e eu me arrastei até onde a caixa estava no chão. Estava vazia, completamente vazia. Eu respirei fundo, enquanto sentia as lágrimas começarem a molhar meu rosto e tomarem minha visão. Ouvi a mãe da garota gritar:

- Ela está morta! Meu Deus, minha filha morreu!

Mamãe tentou se aproximar de mim, porém eu me afastei bruscamente dela e me levantei. Ainda estava com a caixinha na mão quando Kendra tirou Micky do meu caminho e mamãe segurou meu braço. Mas eu o puxei com força:

- Saia! Eu a odeio. Você e todos os outros! - gritei. E subi as escadas correndo.

- Jesse, isso precisava ser feito. Era.. Um defeito que veio nesta casa, mas foi retirado. - mamãe gritou de volta, tentando me conscientizar que ela estava certa.

- Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. E o meu defeito era ter a Loui sempre por perto. Porém não fui eu quem o cortei, foi você. - entrei no meu quarto e fechei a porta com força. - Afaste-se de mim!

Eu pulei na cama enquanto ela batia na porta freneticamente. Porém eu não dei ouvidos. Afundei minha cabeça no travesseiro. A última coisa que ouvi foi o barulho da ambulância chegando. A última coisa que eu pensei foi que Loui havia partido. Para sempre.

Mais tarde, Kendra bateu na porta do quarto e gritou:

- Eu a via também - eu não raciocinei no começo, mas quando entendi suas palavras já era tarde demais. Ela já havia ido embora.