Um fato engraçado de ter uma grande família – e uma grande família de agregados, é que nada é segredo por muito tempo. E tanto as meninas Benedito quanto os meninos Williamson, e mais recentemente Lídia e Charlotte, aprenderam desde cedo a lidar com isso. O que significava que estavam acostumados à debater as vidas uns dos outros nos almoços ou jantares, e não havia muita coisa que pudesse ser escondida de tantas pessoas.

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Por isso, não havia como convencer os irmãos ou os pais, e logo também os vizinhos, que uma saída casual com suas melhores roupas não significava alguma coisa. E quando Darcy Williamson vestiu sua melhor camisa, penteou os cabelos e colocou uma boina na cabeça, seus irmãos logo tiraram conclusões, e não demorou mais do que dez segundos para Charlotte atravessar a rua e contar à Lídia e metade dos Benedito que seu irmão mais velho tinha um encontro.

O que, naquele caso, sequer era verdade. Darcy estava a procura de um segundo emprego. As coisas não estavam fáceis na casa dos Williamson. Seu pai, Archibald, outrora um herdeiro de propriedades na Inglaterra, perdera tudo antes de Darcy nascer, devido à inúmeras dividas deixadas por sua família. Darcy crescera observando os pais contarem moedas, a mãe fazer bicos como lavadeira, e tudo melhorara apenas quando ele decidira trabalhar.

Mas seus irmãos estavam crescendo, e talvez por ser um irmão superprotetor, pareciam ter menos noção dessa realidade. Ernesto trabalhava, mas quase não contribuía em casa, e Camilo era um sonhador. O bom salário do exército agora era passado, e Darcy sabia que o emprego que arrumara na fábrica não seria suficiente para suprir as demandas. E por isso pretendia um terceiro turno em um bar próximo de casa.

Ele não se envergonhava de sua situação ou da situação dos pais. Mas sabia que Archibald tentaria impedi-lo de trabalhar ainda mais. Alegaria que poderia ter horas extras na fábrica, mas isso era justamente o que Darcy não queria. Por isso apenas sorriu quando Ernesto e Camilo falaram que ele estava indo encontrar alguém, deu um beijo na testa da mãe, e foi para sua entrevista.

Retornou um par de horas depois, com um emprego à noite três vezes por semana, que daria a renda extra que seus pais estavam precisando. Andava tranquilamente pela rua, com um sorriso no rosto, e sequer viu Elisabeta parada na janela, com os braços apoiados no batente.

— Você parece feliz. – ela disse, com um sorriso irônico.

— Boa noite, Elisabeta. – Darcy cumprimentou. – Eu estou feliz.

— Mas o seu encontro terminou cedo. – Elisabeta comentou, olhando para um relógio de pulso que não existia.

— Você estava me vigiando, Elisabeta Benedito? – Darcy cruzou os braços, com um sorriso de lado.

— Oh, sim. Não há nada melhor para esta noite do que vigiá-lo, Darcy. – Elisabeta revirou os olhos.

— É que não costumo vê-la na janela, como uma vizinha fofoqueira. – Darcy riu baixo.

— Fofoqueira. Era só o que me faltava. Se quer saber, eu estava escrevendo uma coluna, apenas queria tomar um pouco de ar.

— Bem quando eu estou passando, que comodismo.

— Da próxima vez eu posso ignorá-lo. – Elisabeta bufou. – Apenas quis ser educada.

— Sua educação me comove. – ele respondeu, irônico. – É realmente um sinal de bons modos controlar o horário dos outros.

— Darcy, eu apenas apontei o óbvio. Não são nem nove horas. O que foi que aconteceu, você espantou a moça? – Elisabeta se debruçou sobre a janela, fingindo curiosidade.

— Por que é que eu espantaria a moça? – Darcy reclamou, irritando-se.

— Ora, eu não sei. Talvez você tenha tido um dos seus ataques de arrogância, ou esqueceu de tomar banho. – ela deu de ombros.

— Eu não sou você, Elisabeta. – ele bufou. – Se eu estivesse em um encontro, pode ter certeza que eu não estaria em casa a uma hora dessas. Mas eu entendo que você não saiba disso, afinal ninguém quer sair com você.

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— Como você é abusado! – Elisabeta elevou o tom de voz. – Fique sabendo que tem uma fila de rapazes querendo me levar para um passeio.

Darcy colocou as mãos na cintura, olhando de um lado para o outro. Depois, teatralmente, colocou uma das mãos na testa, fingindo tentar enxergar ao longe.

— Que engraçado. Talvez eu deva consultar um médico. Não estou vendo fila nenhuma. – ele riu, enquanto Elisabeta bufou.

De repente virou a esquina um senhor baixinho, já na casa dos oitenta anos.

— Ah, sim. – Darcy disse bem alto. – Agora posso ver o seu pretendente. Senhor Antônio, como vai? Veio ver Elisabeta?

— Elisabeta? – o senhor perguntou, olhando para os lados, até encontrar Elisabeta mortificada na janela. – Olá, Elisabeta. Como vai?

— Ótima, senhor Antônio. E o senhor?

— Muito bem, muito bem. – o senhor disse, antes de seguir caminho.

— Você é um idiota, Darcy Williamson! – Elisabeta ralhou, tão logo o senhor se afastou.

— Este não era o seu pretendente? – Darcy coçou a cabeça, fingindo confusão. – Pelo visto você não tem nenhum, então.

— Você é um grosseirão arrogante! Não me admira que a moça tenha deixado você plantado esperando.

— Se eu não conhecesse você melhor até perguntaria se está com ciúmes. – Darcy riu.

— De você? Nos seus sonhos, Darcy. – ela revirou os olhos.

— Isso seria um pesadelo, Elisabeta. Tudo o que eu não preciso é ouvi-la dando chiliques enquanto estou dormindo.

— Como você é convencido, Darcy.

— Você é quem não me deixa em paz. Eu estava apenas passando pela rua. – ele gesticulou exageradamente.

— E eu estava parada na janela. Até você aparecer com esse sorrisinho convencido. – Elisabeta bufou.

— Você parece uma idosa fofoqueira, Elisabeta. Por que é que não cuida da sua vida? Você não tem alguma coisa mais interessante pra fazer? – Darcy irritou-se.

— Eu estava trabalhando! – ela elevou o tom de voz. – Não sou como você, que fica vadiando o dia inteiro.

Darcy balançou a cabeça, e então se aproximou da janela, subindo no rodapé de pedras da casa e ficando praticamente da altura de Elisabeta.

— Elisabeta, eu respeito você, e principalmente seus pais. – o olhar dele brilhou com raiva. – Tenho carinho por nossa amizade do passado, mas eu juro por Deus, que se você der a entender novamente que eu sou um vagabundo...

— Você vai fazer o que? Me bater? – ela provocou, chegando mais perto dele.

— É claro que não. – Darcy a encarou, confuso. – Você é uma dama.

— Então você vai fazer o que? – um sorriso irônico surgiu nos lábios dela.

— Não vou fazer nada, Elisabeta. – ele afastou-se dela, descendo de seu apoio. – Eu vou apenas fingir que você não existe, como já deveria ter feito há muito tempo.

E com isso, Darcy virou as costas. E Elisabeta não entendeu o porque das palavras dele terem doído tanto. E, porque doeram, ela sentiu-se na obrigação de responder.

— Você não conseguiria. – ela debochou, e Darcy virou-se novamente para ela.

— Elisabeta, eu mal lembrava da sua existência até retornar para a casa dos meus pais. – ele riu, de forma um pouco exagerada. – Ao contrário do que pensa, o mundo não gira ao seu redor.

— Você já foi mais educado. – Elisabeta tentou esconder a mágoa que crescia em seu peito.

— Você também. Ou pelo menos, não costumava tentar ofender a honra de um homem. – ele bufou.

— Ofender a sua honra? Darcy, você é muito dramático.

— E você é muito infantil. Deve ser por isso que eu sempre achei que combinava com Ernesto. Dois cabeças de vento, incapazes de perceber as coisas que acontecem ao redor dos seus umbigos.

— Ah, ai está. Você simplesmente não consegue não menosprezar seu irmão, não é mesmo? – ela cruzou os braços. – Ernesto é um dos melhores homens que eu conheço.

— Ernesto é cheio de qualidades. Mas incapaz de sair de abrir mão de seus sonhos pelos outros. – Darcy deu de ombros.

— Ninguém deveria fazer isso. – Elisabeta disse, como se fosse óbvio.

— É como vocês pensam, e por isso são tão diferentes de mim. E no mundo mágico em que vivem, são incapazes de pensar que eu posso estar voltando de uma entrevista de emprego.

— Você já tem um emprego. – Elisabeta engoliu em seco.

— Não é o suficiente. E agora, se me dá licença, você já estragou a minha noite. Eu vou dormir, tenho um longo dia pela frente.

Mais uma vez, Darcy virou as costas, e Elisabeta sentiu o coração apertado. Mais uma vez. Mais uma vez ela errava as palavras, implicava com Darcy apenas para sentir que era ela quem merecia as palavras duras. Por que simplesmente não conseguia perguntar antes de começar a acusa-lo e ofende-lo?

— Darcy? – ela o chamou, e ele virou-se para ela. – Me desculpe.

— Está tudo bem, Elisabeta. – ele disse, sem emoção, e o olhar dele dizia que não estava tudo bem.

— Eu fui uma idiota. – ela admitiu.

— Está tudo bem. Mas talvez seja melhor evitarmos esse tipo de conversa. Não nos leva a lugar nenhum.

Darcy não deixou que ela respondesse, e Elisabeta o viu finalmente entrar em casa. Não esperava a lágrima que rolou por seu rosto, ou a angústia que se apoderou de seu peito. Se havia uma certeza, era que discutir com Darcy a deixava magoada. E a julgar pela expressão dele, Darcy sentia-se exatamente do mesmo jeito.