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Damian acordou tendo como primeira e turva visão o rosto de Andreea banhado em preocupação e carinho, seus estonteantes olhos verdes atentos a cada movimento do rapaz, eles brilharam ao notar que Petrescu retomara a consciência.

___ Oh, graças a Deus está bem!___ suspirou ela abrindo um largo sorriso acompanhado de doces lágrimas.

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O ferreiro apenas a encarou, agradeceu mentalmente por estar deitado na cama do quarto principal, não sentia nem um sinal de força em seu corpo, parecia estar morto há muito tempo, temia que fosse verdade, mas não poderia diante da alegria da viúva ao olhar para si.

___ Deu-me um grande susto, draga mea ___ falou novamente a mulher.

Damian ainda continuava calado, ouvia o som fraco e entrecortado de sua respiração quando a viúva se calava, fitava o rosto dela e percebia que esperava por uma resposta dele, mas sentia-se impossibilitado até de articular qualquer palavra.

O quarto parecia girar como um moinho, a fraqueza lhe dava a ilusão de poder levitar e flutuar como um fantasma, mas a dor lhe puxava para baixo e lhe informava de que ainda não estava morto, ainda doía, não somente sua cabeça, mas algo em seu âmago parecia estar sendo estraçalhado por afiadas e pérfidas garras... E doía tanto.

Andreea admirava o semblante convalescido do adolescente e o sorriso morrera em seus lábios sensuais, tão mais rubros quanto os do menino, que estavam tão pálidos e secos feito uma flor que murchara, ela então perguntou preocupada:

___ Está tudo bem, querido?

___ O que aconteceu?___ indagou Damian com apenas uma centelha de voz, que com certa dificuldade, chegara aos ouvidos da viúva.

___ Desmaiara na sala de estar, chamei o doutor Valeriu para examiná-lo e suas palavras não foram boas ___ contou Andreea com pesar em seu tom.

Petrescu estava curioso para saber qual era o diagnóstico do doutor, mas sentiu que não era capaz de fazer tal pergunta, apenas suspirou inclinando sua cabeça aconchegando-a melhor no travesseiro e aguardou Andreea falar.

___ Ele disse que está fraco, pálido, teme que seja alguma grave doença, talvez até incurável ___ ressaltou a dama com preocupação as três últimas palavras.

___ Isto não passa de tolices daquele velho ___ resmungou ele exalando uma seca tosse seguida de mais um suspiro pesado.

___ Tolices? Como pode dizer isto? Olhe para si! Não pode nem ao menos falar e ainda diz que são tolices?

A resposta ao protesto de Andreea fora apenas mais uma longa e cálida corrente de ar anunciando fraqueza e até um desprezo pelas palavras.

___ O doutor Valeriu teme que seja a Peste Cinzenta¹.

Um calafrio passou pelo esquálido corpo de Damian, seu rosto trazia a despreocupação, até para não piorar o estado aflito de Andreea, mas assim que a ouviu pronunciar aquelas palavras, uma tristeza lhe abateu.

___ São somente suspeitas ___ falou o rapaz desencadeando uma crise de tosse.

___ Suspeitas que parecem ser concretas, olhe para você, querido!

___ Se for mesmo a peste cinzenta, eu não me importo.

___ O quê?___ inquiriu Andreea perplexa ___ Como pode dizer isto, Damian?!

___ Acho que é algum tipo de punição para o que lhe fiz.

___ Não, não diga isto, iubitul meu, não quero que toque neste assunto, nunca mais.

___ Deixe que a ira de Deus caia sobre mim ___ dizia o rapaz roucamente.

___ Pare, Damian, vă rog ___ pedia a mulher acariciando sua lívida face.

Damian exprimiu um suspiro cansado, inúmeras coisas se passavam por sua mente, uma delas era de que, se fosse diagnosticado com a peste cinzenta, teria pouco tempo de vida, um período que seria o mais doloroso e estafante que já vivera, mas no fundo sentia-se até aliviado, um alívio preocupado, mas ainda assim um alívio.

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___ Vou pedir à criada que lhe prepare um prato de sopa ___ falou Andreea.

___ Não estou com fome.

___ Mas precisa comer, senão desmaiará outra vez!___ insistiu a viúva.

___ Eu quero ficar sozinho.

___ Mas...

___ Por favor... Eu quero ficar sozinho.

As brandas esmeraldas de Andreea fitando o semblante do rapaz, sabia que nada podia fazer ou falar, não adiantaria demonstrar sua preocupação para com aquele garoto, a solidão sempre fora sua melhor amiga, amante, companheira e nada nem ninguém ficava entre ambos.

___ Prometa-me que, se acontecer alguma coisa, chamará por mim.

___ Está bem.

___ Estarei no quarto ao lado, bordando.

___ Certo.

Com um cálido beijo na fronte fria do adolescente, a dama deixou o quarto fazendo com que Damian pudesse cair nas graças de sua linda companheira.

Ali, mergulhado no profundo silêncio, ele pôde deixar que a paz penetrasse em sua pele, circulasse por suas veias quase secas, seus músculos fracos, seus ossos frágeis, ela lhe dava forças, uma força solitária e intensa que podia ser capaz de fazê-lo sonhar enquanto vivia em um mundo repleto de pesadelos.

Não sabia por quanto tempo ficara inconsciente, nem ao menos se lembrava de ter notado a presença do doutor Valeriu na mansão ou ao seu lado, parecia que havia morrido por um longo período e depois havia retornado ao seu corpo, não podia estar dormindo, pois nenhum sonho fora lhe embalar.

Agora acordado, podia se lembrar de cada um de seus pesadelos, tidos com os olhos fechados ou abertos, não mais importava, eles pareciam ter vida própria, tinham vontade e esta era alimentar-se do medo do ferreiro, da culpa, do sofrimento e das doses de sanidade que esvaíam-se de seus olhos vidrados a cada vez que os presenciava.

A preocupação lhe dava uma ruga sobre a fronte lisa, lhe apertava os olhos mal abertos, lhe fazia umedecer os lábios ressequidos, remir os suspiros que mantinha acorrentados em seu peito, será que este seria o seu fim?

Não queria admitir, mas Andreea poderia estar certa e tudo ao amanhecer poderia chegar ao fim, mas não havia pânico ou tristeza, apenas preocupação, entretanto, não estava preocupado com a viúva, seu pai ou até com Rosalind, mas consigo mesmo.

Como era trágico ver alguém tão jovem e belo despedir-se da vida de forma tão cruel, era quase grotesco padecer numa cama que dantes fora testemunha de frenéticos momentos de paixão e luxúria, palco de sonhos mortificantes e suspiros escaldantes, agora era nada mais nada menos que seu leito de pedra.

A cada anoitecer que morria, Damian sentia que sua vitalidade fenecia junto à escuridão, ao admirar o sol queimando em sua tez, percebia que nada podia fazer contra aquele pérfido algoz, ele lhe tirava suas forças e toda a sua paixão, nada mais emanava de seu corpo a não ser o ódio pelo poder cálido e dourado daquele nefando rei.

Todavia, quando a lua, tão pálida e tão fria, no céu escuro surgia, o luar trazia sua alma de volta, as estrelas brilhavam como se fossem pequenos olhos repousando sobre seu corpo angelical, olhos tão preciosos quanto suas belas safiras, que adquiriam luz própria em meio à negridão. No escuro e na solidão, ele era feliz.

A preocupação lhe deixava, quando assim pensava, quando construía sonhos eternos que nunca seriam interrompidos pelo odioso dia que viria queimar suas alegrias, sonhos tão doces vivendo e se fortalecendo em seu âmago tão convalescido, o sonho de viver a noite eterna e dela desfrutar tudo que lhe cair aos braços.

Morrer não mais parecia ser tão mal, qualquer coisa para que não mais encarasse a face reluzente e execrável de seu antigo e conhecido algoz e poder cair aconchegando-se no abraço frio e jubiloso da noite. Morrer não mais lhe parecia ser a tal terrível tragédia, mas sim um desfecho digno, um descanso sobranceiro e afável, sendo embalado pelos anjos ou por aquela que um dia lhe amou assim que neste mundo surgira ou até mesmo antes, quando sua alma, muito menos seu corpo, ainda existiam.

A vida estava lhe deixando, repetia Damian para si mesmo incansavelmente, nem mesmo compreendia o motivo desta repetição, talvez para convencer-se de que tudo iria se esfumaçar como a lívida bruma de um charuto, tão frágil e tão leve, fungível ao toque, assim era o estado em que se encontrava.

Porém havia uma frustração, apenas uma. Seus últimos e tempestuosos dias seriam passados de forma frívola, vazios e amargos, pois ainda não havia encontrado a solução para sua fome, a terrível vontade que lhe arrancava as entranhas e lhe desfalecia, a sede, a agonizante e impossível sede.

Por um momento, passou por sua cabeça que este era o motivo de estar despedindo-se da vida, este desejo tão forte e cruel era o que lhe fazia viver desde alguns meses atrás, desde que tivera a carne crua entre seus dentes nunca mais teve interesse em algo morto, cozido, assado ou o que quer que fosse, queria alimentar-se da vida, uma vida densa, doce, pura.

Uma vida asquerosa, uma vida perdida, uma vida amedrontada, uma vida apaixonada, não importava! Queria vida correndo em suas veias, queria vida lhe excitando e lhe fazendo delirar de prazer, queria vida flutuando calidamente em sua língua.

Oh Vida! Vida maldita! Como seria lascivo sentir seu cheiro, como seria prazeroso provar deste seu adocicado sabor, oh Vida! Toque-me e me deixe conduzi-la a uma dança de amor, deixe-me embalá-la em meus ternos braços, deixe-me alimentar de ti, oh Vida! É a Morte que vos fala, é a Decadência que vos implora por uma centelha de sua compaixão, oh Vida, não me abandones assim...

Clamava Damian sem ao menos mover os lábios murchos, sua voz interior gritava, mas parecia enfraquecer-se um pouco mais a cada minuto, algo soturno e impiedoso lhe sugava a vida, a tirava de si tão brutalmente que chegava a dar pena, algo sem rosto e sem nome, sem corpo ou presença.

Em seu âmago, alguma coisa ainda parecia responder, resistir com tamanha e admirável voracidade, não poderia deixar que partisse desta forma, era simplesmente fúnebre assistir à morte de um venusto anjo que caíra do céu chegando aos confins de um inferno inominável, aquela Graça não poderia esmorecer assim.