Quando começou a escurecer, barracas feitas de folhas das árvores já estavam dispostas perto da mata. Calculamos que a maré não subiria até ali, mas também não entraríamos na mata fechada. Decidimos que por enquanto sobreviveríamos com o que já tínhamos e um grupo de busca já havia sido preparado para a manha seguinte. Apesar de tentar disfarçar, Rey não me parecia muito bem. Ele constantemente tossia e quando tossia muito, se afastava de todos nós. Minha mãe havia começado a sentir contrações e por isso ela dormiria em uma cabana improvisada junto com a nossa única médica que sobrara além dela, Aleyna. Contudo, quem estava pior, fisicamente, era a Lana. Por causa do que houve com a mão dela, foi preciso amputa-la completamente. A mulher parecia estar em choque ainda.

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Harvery decidiu que agora faria parte de nosso grupo e já havia tomado a frente para ajudar aos outros diversas vezes. O terráqueo por sua vez apenas acatou as ordens em silêncio e nada mais. Comecei então a me preocupar se ele por acaso estava do nosso lado ou contra.

—Oi. - Me aproximei dele que olhava o mar e os últimos raios de sol que se via no horizonte. Ele não respondeu. - Obrigada pela ajuda que nos deu hoje. - Ele continuou calado. - Não perguntei seu nome.

—Me chamo Gilko.

—Gilko? Nome diferente.

—Vocês também tem todos uns nomes bem estranhos. - Ele riu. - Você é Tamyn?

—Tamryn.

—Isso.

Ficamos em silencio alguns minutos enquanto nos aquecíamos na fogueira vendo as pessoas indo dormir ou simplesmente fazerem nada, como nós dois.

—Acha que isso aconteceu em todo lugar? - Ele falou baixo. - Os ataques.

—Tenho receio de que tenha sido sim. Achamos uma plataforma gigante, toda destruída e sem ninguém vivo. Depois você apareceu e agora isso...

Voltamos a ficar em silêncio por longos minutos. Não dava para ouvir nenhum barulho além do mar indo e voltando com suas ondas. Não sei que horas exatamente eu dormi, nem notei que estava tão cansada. Acordei com o céu ainda escuro, mas com gritos que ecoavam. Levantei rapidamente e por isso senti uma tontura. Ao meu lado estava Gilko que levantou da mesma forma que eu fiz. Ele provavelmente tinha a minha idade, mas nesses momentos de tensão ele parecia uma criança assustada.

—O que está acontecendo? - Ele sussurrou.

—Sei tanto quando você.

Olhamos em volta tentando entender o que estava acontecendo. Uma das três fogueiras feitas havia sido apagada e a fumaça branca subia para o céu lentamente. Rey estava caído ao lado da fogueira e tremia como se estivesse sendo eletrocutado por uma enguia. Aleyna e Zoila tentavam ajuda-lo e os gritos eram vindos de Kenneth, o menino de 4 anos assustado vendo aquilo.

Callun pegou o filho no colo e pediu silencio para não atrair quaisquer inimigos, mas a criança continuou chorando desesperadamente.

—Tem um monstro. - Ele falava desajeitadamente entre lágrimas.

—É só o tio Rey, ele está dodói.

—Não, na arvore. - Kenneth apontava pra floresta assustado.

Harvery estava virando Rey de lado e pedindo ajuda do meu pai. Ninguém prestava atenção ao que o pobre Kenneth falava. Ele enfiou a cara no pescoço do pai e chorou silenciosamente.

—O menininho disse que tinha algo na árvore. Você acha que tem alguém ou algum bicho selvagem? - Gilko sussurrou.

—Não faço ideia. São muitas árvores. Fique em alerta.

—Eu não sei lutar, eu não sou bom com essas coisas. - Ele tremia me seguindo.

—É só ficar de olho e me avisar se por acaso achar algo incomum.

Corri até a barraca de meus pais e procurei por uma pistola que não estivesse defeituosa, mas tudo que encontrei foram facões. Já serviriam de alguma coisa. Enquanto todos tentavam ajudar Rey que provavelmente estava tendo alguma reação após sua ferida, eu me esgueirei para a mata. Talvez fosse insensatez minha fazer algo assim sozinha, mas sinceramente eu esperava que fosse uma fera da qual pudéssemos nos alimentar. O mais silenciosamente possível eu adentrei à mata, mas era difícil fazer silencio em um meio onde eu não estava acostumada. Eu olhava atentamente para as árvores. Meus pés farfalhavam as folhas no chão mesmo eu tentando fazer silêncio. Nenhum som além desse. Não havia sequer grilos com suas estridulações. Me senti ridícula por ter acreditado que entrar sozinha na floresta em um terreno hostil e desconhecido no meio da madrugada seria uma boa ideia.

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Minha visão noturna não era boa em momentos que o sol estava nascendo, porque criava reflexos e mais me atrapalhava do que ajudava, então mantive meus olhos normais. Quando comecei a me adaptar à pouca luz, já era tarde demais. Alguém estava ali e quando percebi, fui atacada. Algo bateu forte em minha cabeça e meus olhos pareciam forçados a fecharem. Tudo estava turvo e eu só via árvores em forma de vultos antes de tudo ficar preto.

Levantei a cabeça com tudo sentido tontura e tentando acostumar meus olhos à luz forte em meu rosto. Eu não conseguia manter os olhos abertos e a dor em minha nuca e cabeça não colaboravam. Senti então meus braços formigarem e me dei conta de que eu estava acorrentada em pé com os braços abertos. A luz se apagou e me vi de frente a um homem de seus vinte e poucos anos que apontava alguma espécie de arco para mim. Não era possível ver direito seu rosto e corpo devido ás roupas que usava que deixavam apenas seus olhos assustados de fora.

—Qual o seu nome?

Ele perguntava apontando a arma par mim e mantendo distancia. Reparei que estávamos em um lugar que parecia ser feito todo de ferro. Haviam vários objetos que eu não reconhecia ou que só havia visto em livros. Eu podia vê-los organizados em vários cantos do lugar, mas onde eu estava especificamente parecia mais com uma prisão. Além de estar acorrentada, eu estava dentro de uma jaula.

—Perguntei o seu nome. - Ele falou mais alto e ameaçadoramente.

—Você nem sequer sabe quem sou e mesmo assim me apunhalou na floresta e me trouxe como prisioneira? Que tipo de pessoa é você?

—Sou um caçador de demônios e você é a minha caça.

—Demônios não existem. - Caçoei.

—Não tente me enganar com beleza e mentira, demônio. Eu vou encontrar seus amiguinhos e matar um por um.

—Espera, o que? Eu não sou um demônio.

—Cale a boca ou atiro em seu coração.

De repente eu me sentia mais confusa do que nunca e me arrependia amargamente por ter confiado em mim mesma quando decidi caminhar pela floresta sozinha procurando por uma possível ameaça. E eu havia encontrado-a.