Carlos voltou ao Brasil e ele falava ao celular quando fui lhe entregar Rusk. Meu companheiro canino saltou contra seu dono, implorando para brincarem juntos, demonstrando que todas as energias, que tinham sumido durante a depressão canina, voltaram como um raio. O dono de Rusk, por outro lado, ignorou o cachorro; fugindo dele enquanto continuava a conversar pelo celular.

Carlos se trancou no quarto, me deixando com Rusk, que pulava de um lado ao outro da sala buscando uma forma de livrar-se de toda aquela energia. Hora o pequeno cachorro latia, hora ele me lambia tentando me dizer:

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"Ele voltou!"

– Desculpe. - Pediu Carlos quando voltou à sala. Ele sentou ao meu lado e beijou meus lábios de forma rápida. - Estava discutindo algumas coisas com o vencedor do concurso. Queremos trazer ele ao...

– Rusk quer atenção. - O cortei enquanto apontava para o cachorro. Rusk latiu em agonia, sacudindo seu pequeno rabo de forma furiosa. Talvez se o Dr. Pet o visse neste estado, daria uma bela bronca em Carlos.

O dono da casa me olhou desgostoso e depois virou-se para o cachorro.

– Tudo bem com você garoto? - Rusk saltou sobre o dono e passou a lambê-lo e mordiscá-lo. - A tia Paula cuidou bem de você ou o estresse dela te deprimiu.

Rolei meus olhos e soltei o ar dos pulmões.

– A veterinária pediu para sair com ele todos os dias por pelo menos uma semana. Assim a depressão dele passará mais rápido.

– Quanto tempo de caminhada? - Carlos me perguntou enquanto voltava a atenção ao celular.

Fechei meus olhos e massageei minhas têmporas. Como ele podia estar tão fixado em um aparelho ao ponto de ignorar o cachorro que tanto dizia amar? O que poderia ser mais importante do que aquele pequeno ser que não era culpado por viver naquela casa?

Naquele momento, tudo o que eu via era o egoísmo de Carlos e eu jurava que não mais o conhecia.

Cansada, ergui meu corpo e caminhei até a porta, pronta para sair daquele apartamento e colocar o número dele na minha lista de bloqueio. Se ele não podia dar atenção ao próprio animalzinho de estimação, então ele não se daria ao luxo de perder o tempo comigo.

Rusk latiu agoniado e, talvez, naquele momento Carlos notou que eu já não estava mais ao seu lado.

– Paula? - O barulho do corpo dele erguendo do sofá só aumentou a minha pressa. - O que foi?

Abri a porta e saí por ela, mas antes de batê-la com o máximo de minha força, o olhei desgostosa e cuspi algumas das palavras que me agoniavam:

– Se você está mais preocupado com a porra do seu celular do que com a saúde de Rusk, então nem se dê ao trabalho de me perguntar os cuidados que ele precisa! Seu merda!

Andei pelo corredor indo na direção das escadas para descer ao térreo, pois seria mais rápido do que aguardar o elevador e correr o risco de ter que encarar Carlos. Ele abriu a porta de seu apartamento caçando-me como se eu fosse uma presa fácil.

– Merda Paula, você vem até minha casa, me xinga e sai sem esperar uma resposta? - Continuei meu caminho. - Sua covarde!

Travei. A ofensa contra mim fora mais forte do que eu esperava. Respirei fundo enquanto corria os dedos pelo meu cabelo. Quanta paciência mais eu teria que ter?

Girei nos calcanhares ficando frente a frente com ele. A distancia me dava segurança, mas ainda sentia-me prestes a correr para longe. Pronta para correr ao passado em que, eu e ele, eramos um breve nós.

– Fale. - Soltei. - Tudo de uma vez, por favor.

– O que houve? - Ele se aproximou um passo. O mesmo espaço que eu me afastei dele.

– Poxa, reveja nossas conversas e você entenderá parte do que me agoniza.

– Por que não me conta? - Ele questionou.

Pisquei meus olhos. Diversas vezes. Eu precisava segurar minha mágoa o mais fundo que conseguisse, mas ao mesmo tempo, corrigir aquilo que poderia fazer com que outros sofressem.

Carlos era o tipo perfeito de pessoa. Bonito, gentil e comunicativo. Era carinhoso, independente da situação e raramente o vi irritado com algo. Mas ao mesmo tempo, quando paramos para analisá-lo, é possível notar que ele é um homem livre. Não entra em relacionamentos, não se prende a únicas amizades - mesmo que venha mantendo uma longa amizade com João e Daniel.

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Carlos é o tipo perfeito de homem. Daquele que toda mulher sonha, pois sabe cozinhar, passar e lavar roupa. Sua casa é limpa, sua voz suave, seu perfume envolvente, seu toque suave. Todas o querem, não só mentalmente como fisicamente. Carlos é atraente e ponto!

Mas...

Mas é cruel se apaixonar por um cara como ele. Um homem só. Um homem extremamente só. Talvez seja a juventude, ou a falta de alguém a dizer o quanto ele é capaz de machucar, mas ele não aparenta se apaixonar – quem dirá amar.

O que quer que a vida fizesse dele, era impossível saber quem seria a mulher a prendê-lo.

– Paula?

– Desculpe. - Pedi enquanto limpava as lágrimas, safadas, que escorriam de meus olhos. - Mas, dói quando somos presos à alguém que não nos ama. - Era uma declaração. Espontânea e cruel. - Só... pare de se ver como o centro do mundo e, pelo menos, questione se a outra pessoa está bem.

Carlos uniu as sobrancelhas, como se perguntasse o dia em que não perguntou se eu estava bem.

– Quan...

– É sério, eu fui completamente dependente de você. Acreditei realmente que você pudesse me ajudar a viver em sociedade, mas é impossível! Eu não quero voltar a ser magoada assim! - As minhas lágrimas passaram a me incomodar cada vez mais e eu passei a esfregar um de meus olhos, tentando freá-las.

– Como te magoei? - Ele mantinha a distancia.

– Como? Quando partiu pra Chicago e deixou de responder minhas mensagens! Quando parou de perguntar se eu estava bem e desligava depois de contar todas as suas novidades!

– Desculpe se eu não tinha tempo! - Carlos falou de forma forte e autoritária.

– Mas tinha tempo para conversar com Daniel sobre outra garota! - Tapei meus lábios como se tivesse dito algo que não devia.

As narinas de Carlos se dilataram.

– Ele te contou isso?

– Sim. - Murmurei.

No mesmo dia em que o encontrei e me abraçou. Um abraço de compaixão e repleto de pedidos de perdão. Eu pude sentir o calor daqueles braços amigos e ao mesmo tempo a decepção ter falado demais.

– Pode ir. - Carlos soltou. - Eu não posso fazer nada por você. Vai como uma boa covarde e se esconda sob as asas de sua família. Se esconda da vida, como já anda fazendo e continue em seu eterno mundinho de merda!

Ele colocou dois dedos em frente a testa e os afastou, fazendo um breve sinal de adeus. Logo depois, entrou no apartamento, sumindo de minhas vistas e deixando meu peito em chamas.

Sequei minhas lágrimas enquanto estava no elevador. Havia tantas coisas em minha mente, que eu nem saberia listá-las. A verdade não somente dói, como nos faz pensar se devemos mudar ou continuar vivendo da forma como sempre vivemos. Carlos havia demonstrado meu maior erro e, a partir daquele momento, o meu pequeno mundinho tornou-se escuro demais para mim.

Talvez Carlos tivesse, secretamente, me colocado em frente a um buraco onde pude espiar o mundo dele. E eu me viciei com a visão que tive.

Viver cercado de pessoas que possuem problemas, mas continuam resolvendo-os com sorrisos e momentos de felicidade, parece mais prazeroso do que mergulhar em um vasto campo abandonado e livre de riscos.

A dor que eu sentia era, na verdade, o arder do conhecimento. Eu não queria voltar ao meu mundinho. Queria que alguém me levasse ao mundo que eu tanto espionei e me encantou como um brinquedo encanta uma criança.

Repentinamente gargalhei. Talvez eu e Carlos fossemos incompatíveis. Talvez, a partir daquele momento, os nossos caminhos se bifurcarão em dois caminhos que, inicialmente serão paralelos, mas em breve se tornarão duas vias distintas.

Ou, quem sabe, voltaremos a nos encontrar em um mesmo caminho?

A verdade era que eu estava livre para escolher o caminho que eu bem entendesse. A mágoa que eu senti, graças ao Carlos, era o máximo de dor que uma outra pessoa pode me fazer sentir. E quando se conhece o máximo da dor, consequentemente sabe-se se pode ou não, suportá-la e seguir em frente.

Eu estava pronta para seguir para dentro de outro mundo. O mundo de Carlos.


Infelizmente, a mágoa dói mais do que a saudade e pode nos tornar agressivos.

Acho que nunca se deve magoar alguém.

***

Mudei de emprego naquela mesma semana.

Saí completamente da área que eu estava e passei a trabalhar na recepção de um hotel. Lá, coloquei meu inglês em prática e passei a aprender espanhol. A quantidade de pessoas novas que eu conhecia era surpreendente, mas a melhor parte estava em conhecer todos os cuidados que um hotel de grande porte necessitava.

Minha mente vivia presa em tarefas e era este o melhor caminho para não pensar em Carlos. Nem mesmo a mágoa pode apagar um sentimento tão puro quanto o amor. Eu acredito que mesmo se Carlos casar-se com outra mulher, mesmo que eu me case com qualquer outro homem, este tal sentimento, jamais, morrerá.

No hotel, vez ou outra, o senhor Jose Cunha hospedava-se na suíte presidencial. Todos as vezes uma nova mulher, com aproximadamente minha idade, ia passar uma noite na suíte presidencial com o senhor de cinquenta e cinco anos.

O senhor Cunha era um homem elegante, barrigudo e comunicativo, que sempre utilizava perfumes de boa qualidade e ternos caríssimos. Ele fazia o check-in, sempre solicitando ser comigo, e despachava a companheira para o quarto, ficando para trocar algumas palavras comigo.

– Está cada vez mais bonita. - Ele ousou.

– Fico agradecida. - Lhe respondi com doçura. Já estava acostumada com suas investidas falhas.

– Me diga, não teria um namorado?

– Não sou uma pessoa que sai a noite ou que conhece muitas pessoas. - Revelei.

– Minha flor delicada, é impossível que não aja alguém em sua vida. - Cunha me estendeu a palma de sua mão, solicitando a minha. Depois que lhe entreguei, beijou-a e comunicou - Há muitos homens cafajestes como eu, mas sempre haverá um que curará suas dores. Isso não quer dizer que ele não irá te machucar e sim que será capaz de lhe tanta felicidade, que as dores serão mínimas.

Recolhi minha mão com rapidez.

– O tempo que cuide disso.

– O tempo não pode te fazer enxergar se você não deixar que ele te mostre.

Alguns minutos depois, meu expediente encerrou e eu saí do hotel, pronta para ir até minha casa. Ao senti a brisa fria do outono, ergui meus braços e me espreguicei. O vento fresco entrou por minhas narinas, levando o vigor ao meu corpo. Olhei o céu, apenas para verificar se havia possibilidade de chuva.

A minha vida tinha mudado de forma brusca. Eu já não sentia tamanho incomodo em viver entre as pessoas, mas também não mantinha uma vida social ativa. Ia ao trabalho e em minhas folgas, saía para fazer comprar e ir ao teatro ou cinema. Visitava feiras e viajava, mas sempre só.

Também estava comprando um apartamento, pronta para viver por conta própria. Talvez até comprasse um cachorrinho.

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E me lembrei de Rusk.

Caminhei até o ponto de ônibus e subi no primeiro que passou. Desci alguns pontos depois e rapidamente estava em frente ao apartamento de Carlos. Eu poderia pedir para o porteiro interfonar ao apartamento de Carlos e questionar se eu poderia subir para ver Rusk, mas ao mesmo tempo, achava que tudo não passava de uma bela mentira.

Eu não sentia falta, somente, de Rusk. Sentia falta de Carlos e de tê-lo por perto.

– Olá.

O som veio de trás de mim e eu rapidamente me virei.

– Oi. - Sussurrei em meio a vergonha.

E Carlos sorriu.

Da mesma forma que sorriu no dia em que nos conhecemos.

A verdade pode magoar. Mas a verdade não é a única forma de seguir em frente, de encarar os medos e aprender a arriscar novos caminhos?

Somente os corajosos arriscam a amizade por dizer a verdade mais cruel. E no final, algo, bom ou ruim, terá acontecido.