Quando abriu a porta, a família respondeu em um coro:

— Boa noite!!

Angela, ainda confusa, respondeu sem ânimo:

— Boa noite... — se perdendo num devaneio sobre o que estava acontecendo — Quem... São vocês?

Depois que perguntou, sentiu que talvez devesse ter sido mais delicada, mas não encontrou outra forma de perguntar senão aquela. A mulher, que era loira, bela e vestia uma touca e roupas de frio sofisticadas, não se abalou e respondeu com o mesmo entusiasmo do início:

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— Somos seus vizinhos! Moramos numa casa do outro lado do lago, resolvemos trazer algumas comidas e fazer um jantar de boas vindas!

— Vizinhos? Essa não é a única casa nas margens do lago?

— Claro que não, moramos logo ali — a mulher apontou para uma ponta um pouco distante da floresta — viemos de canoa te visitar.

— Ahm... É mesmo? — Angela realmente não sabia como reagir àquela situação, não estava esperando qualquer tipo de visita e não era boa com interações sociais. Mas existem algumas regras de etiqueta, e uma delas é: “Se alguém atravessa um lago de canoa, com toda a sua família, a noite, para te trazer um jantar de boas vindas, é bom ser gentil com essa pessoa” — Ah... Tudo bem. Podem entrar.

A família, que parecia extremamente à vontade com a situação, entrou na casa como se já a conhecesse há anos.

— A propósito, somos os Baker. — apresentou-se a esposa — eu sou Tiara Baker, este é meu marido Bob Baker, e esses são meus filhos Tonya e Louis Baker.

Angela olhou para o casal e as duas crianças que lhe encaravam sorridentes e forçou o melhor sorriso que conseguiu.

— Muito prazer, sou Angela Fiotti.

— É um prazer Angela!

Celebrou sra. Baker, que era uma mulher extremamente tagarela. Seu marido, era um homem de cabelos pretos grisalhos e óculos de grau, a garotinha, Tonya, tinha vívidos olhos verdes e cabelos loiros e Louis, mais velho que a irmã, tinha cabelos e olhos castanhos. Todos caucasianos.

— Ah... Eu não estava esperando visitas... — a anfitriã tentou explicar seu mau jeito — A lareira não está acesa, eu estava planejando recolher alguma lenha lá fora, mas...

— Ah, não se preocupe com isso! — sra. Baker interrompeu, bem humorada, sempre mostrando os seus branquíssimos dentes num sorriso — Bob pode recolher a lenha com as crianças enquanto eu e você preparamos o jantar, o que acha?

— Ah, eu não sei, não quero dar a vocês nenhum trabalho...

— Bobagem! Eles vão agora mesmo — Tiara virou-se para os filhos e o marido e fez-lhes um sinal para que saíssem, estes obedeceram de bom grado, antes deixando o que trouxeram sobre o balcão da cozinha. Em seguida, ela caminhou livremente até a cozinha com seu pote de sei-lá-o-quê — eu e você podemos esquentar essas coisas e colocar a mesa!

Angela foi até ela, um pouco tímida, mas tentou ao máximo se adaptar a situação. Talvez estivesse se acostumando a sua pacata vidinha solitária na cabana, e seu organismo realmente não tivesse preparado para quebrar o ritmo tão rapidamente assim.

Os seus planos de degustar uma noite silenciosa ao lado da lareira com um solitário prato de spaguetti enquanto admirava a luz do luar estavam arruinados. Agora era aceitar o acontecido, e agradecer porque tinha lasanha ao invés de spaguetti.

Angela se virou com a louça da casa, para tentar colocar uma mesa de jantar decente para as visitas. Estava muito frustrada. Se soubesse que havia a chance de receber visitas, teria se preocupado mais com a compra da louça e utensílios de cozinha, mas sr. Frankley não mencionou nada sobre uma família Baker do outro lado do lago.

Mais tarde tudo estava pronto. A lasanha estava quente sobre a mesa, a lareira estava acesa, o vinho em taças/copos de extrato de tomate, e todos sentados preparados para o jantar.

Felizmente os Baker não pareciam ser o tipo de família que se preocupavam em jantar com uma boa louça. Estavam todos muito sorridentes e parecendo adorar estar fazendo o papel de bons vizinhos.

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Ao longo do jantar, as perguntas usuais apareceram, e claro, vindo da sra. Baker:

— E então, Angela... O que te traz a Granger Lake?

— Ah... Trabalho. Precisava de um lugar tranquilo para escrever meu livro.

— Ah, você é uma escritora? — ela ergueu as sobrancelhas parecendo surpresa — Puxa vida. De onde você é?

— Da capital. — falou, em tom monótono.

— Entendo. Espero que esteja gostando da nossa receita. Temos descendência italiana, então massa é a nossa especialidade!

— Está ótimo.

— Fiotti soa italiano, você tem descendência italiana também? — desta vez sr. Baker é que finalmente tinha se pronunciado.

— Não, na verdade tenho descendência brasileira. Meus pais eram ciganos, imigrantes.

Contou Angela, sem qualquer ânimo. Voltou para o seu prato de lasanha com um suspiro, tentando imaginar que estava sozinha.

— Você é cigana? — a garotinha Tonya de repente parecia muito interessada — que incrível! Pode ler minha mão?

— Tonya, não incomode a Angela.

Repreendeu a mãe, num sussurro bastante audível. Angela, que apenas tinha desprezo sobre seu passado e qualquer coisa sobre sua origem cigana, respondeu em um tom desgostoso:

— Eu não sei ler mãos.

— Não sabe? Que cigana sem graça!

Tonya protestou, com desdém. A mãe, mais uma vez a repreendeu, lançando-a um olhar reprovador:

— Tonya, já chega, ouviu bem?

A menina fez uma cara feia e calou-se, voltando a concentrar-se no seu prato.

— E vocês? — pergunta a anfitriã, pois sabia que era a obrigação perguntar sobre eles naquela parte da conversa — de onde são?

— Somos daqui! — disse sra. Baker, parecendo muito feliz que ela tenha perguntado — A casa do lago é apenas nossa casa de veraneio. Nós somos donos de uma loja de material de construção na cidade! Chama-se Loja Baker’s, devia passar lá caso precise de algo.

— Fico feliz em saber, já sei onde ir se precisar de algo — disse Angela, fingindo estar interessada.

— Nós também vamos às missas todos os domingos. Deveria ir, ver a sustentação oral do padre Larry.

— Posso ir um dia desses.

Mentiu, enquanto cutucava entediada, uma azeitona com seu garfo.

— Tem pessoas muitos gentis na igreja. Tem o J.T., os Crane, donos de lojas de conveniência na cidade... Todos são muito hospitaleiros! Escolheu o lugar certo para passar o tempo.

Quando Tiara falava, Angela tinha uma certa impressão de que estava ouvindo algum comercial de produtos de limpeza: “Compre o desinfetante Limpa&Perfuma! Sua casa mais limpa e cheirosa, num preço que dá no seu bolso!”.

— Que bom.

— Se tiver vontade de conversar com alguém, pode ir nos visitar um dia desses! Estamos aqui até mês que vem! De canoa é bem pertinho, pode remar em frente e logo vai conseguir avistar nossa casa entre as árvores.

— O sr. Frankley deixou um barco a remo no píer, caso eu precisasse, ainda não tive tempo de remar pelo lago.

O jantar se seguiu, acompanhando o mesmo ritmo. A companhia das Baker era agradável e no fim das contas, a comida estava boa, e o momento não foi extremamente torturante. Saíram da casa muito sorridentes com seus potes vazios de comida e até deixaram o resto do vinho de presente.

Quando se despediu deles e fechou a porta, ainda conseguiu ouvi-los por um tempo, cantarolando uma canção enquanto percorriam as águas silenciosas do lago Granger.

***

No dia seguinte, Angela acordou certa de que iria fazer uma manhã de exercícios. Primeiro, viu-se maquinando com a antiga vitrola, imaginando se por acaso conseguiria coloca-la para funcionar.

Golias andava ao seu redor, curioso com o novo objeto. No fim das contas, ela encontrou alguns discos de vinil em algumas gavetas da casa e testou um deles, intitulado “Melodias do Paraíso”.

Ao mexer e remexer na vitrola, conseguiu em fim, que ela rodasse. O som da música saiu limpo e um pouco distante, e foi o suficiente para que pulasse em comemoração e espantasse Golias, assustado.

As músicas eram suaves melodias em instrumentos orquestrais e coincidentemente combinaram perfeitamente com a sua manhã de yoga.

Posta sua legging, esticou o tapetinho de yoga no meio da sala e começou com uma breve meditação. Enquanto se ocupava em pensar em lugares bonitos e na paz espiritual e interna, se pegou lembrando do sonho do dia anterior.

O garotinho quicando a bola e pensou em quanto parecia real tudo que tinha visto. O rosto do garoto tinha tanta riqueza de detalhes quanto qualquer pessoa que pudesse ver ao vivo.

Ao perceber que tinha perdido o foco da sua meditação, espantou esses pensamentos e começou a série de alongamentos de yoga. Era uma praticante desde jovem e se orgulhava disso.

Um tempo depois, havia terminado sua série. Calçou seus tênis de corrida, um casaco com capuz, e com os fones de ouvido, partiu para uma corrida ao redor do bosque. A vista era um colírio para os olhos. O reflexo da luz do sol cor de âmbar nas límpidas águas do lago, o verde dos pinheiros e o voar dos pássaros. Cada metro percorrido era um deleite para os olhos e para os pulmões.

Na volta, resolveu caminhar, ao som de uma melodia de Regina Spektor, se deixou recuperar o fôlego. Minutos depois conseguia avistar a fachada da casa.

Ao chegar na entrada, visualizou Golias sobre o balcão da cozinha, através do vidro, e num breve olhar para seus tênis, encontrou uma outra carta.

Aquilo já não tinha mais graça. Seriam os moleques dos Baker que estariam zombando dela? Virou-se e deu uma olhada ao redor, mais uma vez esperando encontrar alguém.

Para sua surpresa, dessa vez ela avistou uma pessoa. Acima do morro que dava continuação a floresta, pouco antes de sumir entre alguns arbustos, teve certeza de ter visto uma mulher.

Sua primeira reação foi ter o coração acelerado e susto. Era uma senhora. Podia perceber pelos longos cabelos crespos cor cinza. Estava acima do peso e vestia um vestido de pano até os pés, como uma visão fantasmagórica.

Por um segundo, Angela congelou. Talvez pensando se teria imaginado o que viu. Mas assim que retomou sua consciência, sabia que estava em frente com sua invasora e que precisava detê-la.

— Hey!

Brandiu na direção dela, que já havia adentrado na floresta, sem deixar rastros. Angela correu na direção de onde a viu.

— Quem é você??

Indagava, enquanto subia pelo terreno desuniforme e corria entre as árvores, desesperada. Tentava enxerga-la por onde estava, mas só conseguiu ver um vulto muito distante da sua silhueta, caminhando a metros de distância, sem se preocupar, e facilmente desaparecendo de vista outra vez.

— O que você quer na minha casa??

Angela brandia mais alto e continuava correndo, sentindo uma espécie de medo e raiva misturadas dentro de si. Quando estava prestes a desistir, acabou por brandir sua última pergunta:

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— Quem diabos é Joseph Tyler??

Parou, exausta. Arqueou as costas e apoiou as mãos nos joelhos, enquanto ofegava, sem fôlego.

Olhou mais uma vez o horizonte. Nem sinal dela. Tinha sumido dentro da floresta, sem deixar rastros. Quem era aquela mulher? Quem era Joseph Tyler?

Todas aquelas perguntas começaram a ter um peso diferente para Angela. Antes, quando achava que eram apenas algumas crianças travessas tentando pregar uma peça, pouco tinha importância.

Mas agora tinha certeza de que as cartas vinham de uma adulta. Que ela morava na floresta. O que aquilo significava? Por que uma idosa perderia seu tempo deixando cartas na sua porta?

Primeiro os Baker, agora ela. Quantas pessoas habitavam a margem daquele lago e de quantas ela tinha conhecimento?

Começou a se sentir trêmula e tensa, e a atmosfera da floresta começou a lhe parecer sinistra e potencialmente aterrorizante. Juntou os braços ao corpo e começou a caminhar de volta para casa, com as pernas bambas, tentando convencer a si mesma de que estava menos assustada do que estava de fato.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.