Mia


ELE É UM MONSTRO! Ele me fez escrever tanto que acho que desloquei o pulso do lugar. Eu perdi as contas de tanto exercício que fiz. Tudo bem, eu que pedi para ele ser mais firme comigo, mas me impedir de comer? Isso é um crime! Quando não como no horário certo, eu sempre acabo comendo demais depois, ai não consigo dormir por minha barriga doer.
Como agora, sinto que vou explodir a qualquer movimento brusco. Ele não pode ser normal e agir como um professor normal? Eu pedi para ser um pouco mais rígido comigo, não virar um tirano sem coração!
Ai minha barriga... --> chorosa
Acordei morrendo de dor, a noite passada foi aterrorizante. Toda vez que pegava no sono, meu estômago se esgoelava e ligava o alerta vermelho para o banheiro, e isso de cinco em cinco minutos! Quando queria mudar de posição, eu tinha que segurar na cabeceira da cama para aguentar todo meu peso. Nesse conflito com a indigestão, minha noite passou como uma eternidade, mas ao mesmo tempo, foi bem curta assim que consegui dormir.
— Você não parece nada bem. – disse Camila.
— Não dormi direito. – coloquei a mão na barriga me sentando no banco do vestiário feminino.
— Percebi. – fez cara de desaprovação pelo meu estado atual – O que houve?
— Minha barriga...
— Comeu muito de novo antes de dormir?
Fiz que sim. — Mas não tenho culpa, aquele cara assustador não me deixou comer antes de terminar os exercícios.
Ela pareceu surpresa. — Então você conversou com ele?
Balancei a cabeça dizendo que sim.
— Então ele parou com o méto-
Tampei a boca dela a fazendo sentar ao meu lado, mesmo que estivesse vestindo apenas uma perna do shorts. As garotas ao nosso redor se tocaram e voltaram a fazer suas coisas, mas eu sabia que ainda estavam com os ouvidos aguçados para a nossa conversa, mesmo que não estivessem mais encarando.
Camila percebeu, então tirei a mão de sua boca.
— Ele é um monstro. – sussurrei perto dela.
Depois de colocar a outra perna, Camila se virou para mim de novo, com o shorts agora no meio da canela.
— Mia, não deixa ele fazer o que quiser com você. Se vê que ele está abusando, dê um “stop” nele e mostre quem é que manda. Seja mais astuta que esse cara.
Concordei com afinco. Ela tinha razão.
Não passarei mais fome daquele jeito!  espírito protestante
Camila se levantou depois de colocar os tênis e olhou para mim. — Não vai se trocar?
— Acho que vou para a enfermaria...
— Nem vem Mia, vão é te expulsar de lá. Também não gosto da aula de Educação Física, mas estou aqui firme e forte (na verdade, mais ou menos), mas é melhor do que ganhar mais faltas.
— Mas eu só tenho uma falta nessa aula. – disse tentando me recordar de alguma outra.
Ela bufou. — Vai me deixar sozinha com as meninas do segundo ano?
Camila praticamente enfiou o uniforme em mim, e me arrastou até a quadra. As garotas do segundo ano já estavam ali, mas tinha um grupinho em especial que se destacava das demais. Eram três garotas: duas ruivas gêmeas muito bonitas e uma garota oriental, que surpreendentemente, não era tão baixinha como Eun Ah, do grupo de música. Com certeza era uma garota realmente bonita, com os olhos pouco puxados, a pele branquinha e perfeita, e os cabelos negros com ondulados artificiais.
Uma das gêmeas falou algo em seu ouvido e de repente ela começou a procurar por algo pela quadra, até seu olhar encontrar com o meu. Levantou uma sobrancelha e me olhou de baixo a cima com um olhar estranho. Aquilo me arrepiou um pouco.
A professora nos separou em duplas para os exercícios de aquecimento. Durante as atividades senti alguns olhares na minha direção, mas ignorei aquilo. Quando deu o fim do primeiro tempo de aula, o aquecimento chegou também ao fim, e a professora nos dividiu em grupos maiores para o jogo de vôlei.
Minha barriga deu uma fisgada de dor, mas logo parou. Eu me posicionei onde a professora mandou e quando olhei para frente, lá estava a garota oriental de antes, me encarando, parecendo querer voar para cima de mim (ela com certeza era bem competitiva), só o que nos separava era uma rede de vôlei.
Senti umas tonturas no meio do jogo, mas resolvi continuar até aquela rodada acabar. Já tínhamos rodado algumas vezes, não contei quantas, só sei que saí da posição de bloqueio e agora estava nos fundos. A garota oriental é quem sacaria a bola, e parecendo como uma atleta, mirou seu alvo, lançou a bola para o alto e, com uma postura perfeita, deu um pequeno pulo, tacando a mão na bola, que atingiu perfeitamente (e com força) o alvo mirado.
Foi quando eu apaguei no chão.


***


Ainda estava meio tonta quando acordei.
— Ai meu Deus! Eu sinto muito! Sinto muito mesmo! Eu tenho que controlar mais a minha força.
A bela oriental do segundo ano estava ajoelhada diante de mim, com o rosto expressando preocupação e culpa.
— Tá... tudo bem...
— Tem certeza, Mia? – perguntou Camila – Foi uma baita bolada.
Todas me olhavam com preocupação, e a professora me levantou com cuidado.
— Pode deixar professora, eu a levo para a enfermaria. - se prontificou Camila.
— Tudo bem. Depois da aula passo para dar uma olhada em você.
Confirmei com a cabeça e sai cambaleando até a enfermaria.
Quando chegamos lá, não havia ninguém, então Camila teve que passar pomada no meu ralado da testa ela mesma.
— Argh, aquela oriental estúpida!
— Amiga! – peguei sua mão, a impedindo de tocar o ralado de novo – Com carinho, sim?
— Foi mal...
— Por que está com raiva?
Ela me deu um olhar do tipo “Sério? Você ainda pergunta?”.
— Mas foi sem querer, se eu soubesse jogar vôlei direito, a bola não teria acertado a minha cara.
Não adiantou dizer isso, Camila ainda estava soltando fogo pelas ventas. Rosqueou a tampinha da pomada e a guardou de volta na gaveta.
— Descanse um pouco... Tem certeza que está bem?
Uma dor de cabeça normal depois de uma bola assassina me acertar, mas... não queria preocupá-la ainda mais.
Só fiz um joinha.
— E a barriga?
Continuei com o joinha.
Assim que me deitei, não demorei muito para pegar no sono. Até que a bolada tinha sido bem vinda... Bem, em termos.
Ai meu cérebro...


***


Quando cheguei em casa, não quis contar nada para minha tia. Admito que pensei em usar isso como desculpa, quando lembrei que teria aula do Tirano hoje, mas me deparei com ela dormindo na cozinha. Eu realmente não queria lhe preocupar a toa. Ver seu rosto cansado me fez querer me dedicar ao máximo, para que seus esforços em pagar minhas aulas não fossem em vão.
— Tia... – sussurrei para não assustá-la.
— Mia, o almoço...
— Eu sei. – ajudei a se levantar – Vai para o quarto descansar.
— Não quer companhia?- perguntou sonolenta.
— Não se preocupe, tenho coisas para ler antes do Ti... do tutor chegar. Vou almoçar no quarto.
Ela abriu um sorriso e foi caminhando para o quarto.
Tentei fazer o menos barulho possível enquanto ajeitava meu quarto. Deixei alguns biscoitos na gaveta (não ficaria mais com fome por causa daquele tirano sem coração), tomei um banho rápido e esperei por ele lá fora. Não queria que a campainha acordasse minha tia. Tentei escrever alguma letra pra minha nova composição, mas não saía nada. Hoje não era um com dia pra mim.
— Esperando por mim aqui fora? Estava tão ansiosa assim pela minha aula? – perguntou ele com as mãos nos bolsos se sentindo superior.
Nessas horas, quando ele fazia essa cara, ele realmente parecia um pervertido.
— Não. Só não queria acordar a titia. – levantei da cadeira e ele entrou atrás de mim.
Enquanto trancava a porta ele já subia sem cerimônia.
— Hoje disse que veríamos matemática.
Desanimei assim que escutei o nome da matéria. Hoje seria terrível. Para ajudar, a dor de cabeça não tinha me deixado desde a enfermaria, mas eu tinha esperança que essa atitude dele fosse forçada. Porém, se esse fosse seu normal, hoje seria um dia bem longo.


Erick


Ela estava tão séria e desanimada. Mandei ela fazer os exercícios e nem reclamou, enquanto os fazia, as vezes sua expressão ficava estranha e então colocava a mão na cabeça. Pelo menos não estava tagarelando. Aproveitei o tempo de silencio para estudar também. Depois de uma hora, ela arrastou o caderno na mesa para mim e nela se espatifou cansada.
Três questões. Ela tinha conseguido acertar três. De trinta, somente três!
— Qual seu problema? Nós vimos isso hoje, resolvi uma questão parecida com essa e você conseguiu errar!
Ela esquece tão rápido, ela não tem memória não? Ela é um peixe por acaso?
Ainda deitada na mesa, ela se virou para mim, bufando, e começou a me encarar.
Agora sim, ela já está no limite. — O que foi? Quer dizer algo? Talvez me pedir algo?
Como: “Volte a ser como antes por favor!”
— Por que você não pode ser você mesmo?
Han?
— Sabe, sem ser tirano ou pervertido?
Tirano? Pervertido? Assim que me vê?
— O que faz pensar que o meu “eu verdadeiro” não é um ou outro?
Ela se levantou de repente. — Verdade... – disse honestamente e voltou a mesma posição – Mas acho que por ser um bom aluno, você também deve ser uma boa pessoa.
OK. Até que ponto ela pode ser tão estranha?
Me aproximei dela. — Estou comovido. Então que tal agora... – ela arregalou os olhos quando estávamos a milímetros de distância – Você prestar mais atenção nas minhas explicações?
Em um pulo ela estava sentada corretamente. Depois disso, pude perceber que estava mesmo prestando atenção.
Tirano? Pervertido? Hum. Talvez eu seja os dois.


***


Tamborilando os dedos na mesa, provavelmente estava com dúvida.
— Pode perguntar se-
— Tá. Olha aqui, esse x passa para o outro lado dividindo, né?
— Uhum.
— Então é essa a resposta?
— Isso.
Ela jogou o livro de lado e correu em abrir a gaveta, tirando dela um pacote de biscoito. Ela comeu a primeira bolacha como se estivesse se refrescando.
— Quer? – se sentou de novo, me oferececendo com a boca cheia de farelo de biscoito em volta.
— Valeu. – e peguei um.
— Gostoso né? Oreo é meu favorito!
Ela ficava tão contente por causa de um biscoito? Parecia uma criança do fundamental.
Quando colocou os óculos na cabeça, prendendo a franja junto, vi algo vermelho em sua testa. — Onde se machucou?
— Han? - e olhou pra cima automaticamente - Ah sim. Educação Física. Sou ruim no vôlei.
Até nisso...
— Mas a garota do segundo ano também é muito forte. O que é impressionante para uma oriental delicada como ela.
Garota do segundo ano, oriental, parece delicada, joga vôlei bem. --> Talia.
— Por que não fez curativo?
— Não quero assustar a titia.
— E você acha que esse vermelhão não vai assustar?
Pedi para que pegasse o quite de primeiros socorros e eu mesmo fiz o curativo. Seu rosto era tão pequeno... Por isso o cérebro dela era limitado.
— Obrigada, Sensei!
— Sensei?
— Yep. É como os japoneses chamam os professores. Uma colega minha me disse esses dias.
—_-
— Vai me chamar assim?
— Aham. Pode me dar um apelido também, se quiser.
Olhei para ela atentamente. Tantos vinham a minha mente. Tonta, criança, tampinha, desastrada, bagunceira, ignorante, gulosa, esquecida...
Esquecida --> Peixe --> Dory
Levei o resto da noite para fazê-la entender seu novo apelido. Mas foi engraçada a cara brava que fez quando finalmente entendeu.