Não ouve beijos e despedidas. Eu podia jurar que talvez até desse para avisar meus pais que estaria em uma longa viagem, mas acho que já seria demais para a paciência da sombra. Fico pensando em que tudo isso era minha culpa, não devia ter contado tudo aquilo para meu irmão, eu tinha a responsabilidade de cuidar dele e olha onde foi parar.

Mas por outro lado, sinto pena daquele garoto inteligente...Na verdade, não sentia até poucos segundos quando estava ao seu lado e o via querer jogar tudo para trás e ir com a sombra - especialmente quando ordenou para eu ir embora. Entretanto, penso em como ele pode estar encrencado com meus pais, eu também estou, mas como não me encontro em casa, ele quem deve assumir qualquer falta de irresponsabilidade ou pelo jeito inteligente dele…vai inventar algo realmente bom para omitir tudo.

Afinal, seria perfeitamente aceitável se ele dissesse: “Mãe, Pai, sua filha foi raptada pelo Peter Pan, e tem 80% de chances de ela nunca mais aparecer”.

Eu não havia pensado na ultima parte da frase. Porém, acho que devo ficar calma, avisei para Rafael que ele não deve se quer chamar a sombra novamente. E devo me preparar para o que está por vir se caso quiser voltar para casa.

Era incomum o fato de não estar desesperada…Afinal – praticamente – eu estava voando. Minha mente dizia que não seria idiota ao ponto de gritar loucamente para cair sobre uma altura gigantesca que mais se estende a cada segundo. Porém, a sensação era angustiante e meu coração queria saltar pela boca!

Eu precisava ficar calma, calma e calma.

Tentei (eu disse que tentei) admirar o ambiente a minha volta, o som dos carros abaixo de mim, contar quantas luzes haviam acesas e o mais importante, admirar as estrelas… Mas era difícil. Meus olhos costumavam a ficar fechados e o vento voraz não permitia que abrisse totalmente meus olhos, afinal quando abria sempre vinha alguma sujeirinha e depois tinha que tirar ou se não era meu coração que parecia como uma metralhadora .

Mas até certo ponto, tudo parecia calmo. Ignorava o fato de estar sendo segurada por uma sombra, tentava algumas vezes amarrar meu cabelo, e imaginava que estava dormindo e tudo isso fazia parte de um sonho louco.

Entretanto o vento começou a piorar, oque dava a entender que alguma coisa acontecia e eu não sabia oque era por estar de olhos fechados. ( Só mais uma coisa a adicionar ao meu perfil : Eu tenho medo de altura).

Abri lentamente uns dos meus dois olhos e percebi que só ganhávamos velocidade. Só isso…E bem a frente de nós, a poucos quilômetros, as duas estrelas famosas do filme Peter Pan. Nós iriamos atravessa-la? Ah.Meu.Deus.

Como se fosse automático meu olho se fecha ativando o modo realmente louca.

Meus braços e pernas começam a se movimentar fazendo com que a Sombra me agarrasse como quando nos livros em que o príncipe pega a princesa no colo. Senti repulsa com aquilo, mas não me soltei para não correr o risco de cair. Depois de um certo tempo, meus músculos se acalmam, o vento chega a ficar suave, e tenho uma ótima esperança de que tudo realmente era um sonho. Mas não era.

Ouvia o uivo de pássaros, o som do mar bater contra rochas, e uma música barulhenta do estilo festiva.

–Abra seus olhos criatura.- Digo a mim mesma como um sussurro e eles abrem revelando que eu estava em outro lugar.

Uma única ilha imensamente grande se encontrava bem a frente de mim. As estrelas cobriam o céu da noite e o mar cercava o ponto de parada, tudo parecia virar uma fantasia quando avistei por meio dele um navio do estilo Pirata. Ah deus! Estou mesmo em Neverland! Tudo aquilo é muito belo, e eu não tinha motivos para achar que alguma coisa de errada poderia acontecer.

Um, dois, três! Três estrondos de um canhão . Eu as vi cortando o céu e vir diretamente onde eu estava voando com minha amiga sombra.

Faltava metros de distância para que o impacto pudesse mudar meu destino. Então, as mãos frias me largam e caiu de uma grande altura. Fiquei desesperada, claro. Mas não a ponto de gritar, eu sabia que iria cair nas águas. Porém, isso não era meu medo, e sim do que podia estar me esperando. Tubarões, talvez até sereias, mas oque me importava era os dentes afiados e tentar sair com vida dessa aventura.

Juntei as pernas uma na outra para que o impacto não fosse tão dolorido e ajeitei as mãos retas até a coxa. E puft! Meu desespero fez com que mergulhasse para cima mais depressa, enquanto minhas roupas não colaborassem por serem pesadas. Havia alcançado a luz da lua, e notei que os canhões ainda disparavam tentado afastar a sombra que corria para a floresta, mas antes me olhou com aqueles grandes olhos brancos. Ele devia estar furioso.

Eu o vi ir embora rapidamente enquanto depois de alguns minutos era raptada por outros homens em um barquinho.

– Ah senhorita, queira nos perdoar. – Um dos homens com um gorro vermelho diz, acredito que ele seja “Smih”. –Não era nossa intenção machuca-lá e sim a sombra.

Ele aponta para meu braço que tem uma leve fratura, provavélmente ocorreu quando a sombra me soltou.

– Não precisa se desculpar, tem como me levar para casa? – Perguntei. Ele negou com a cabeça.

– Só Peter Pan consegue sair e voltar dos mundos, ao não ser que tivermos feijões mágicos, mas não temos nenhum. – Ele fez uma cara triste. Esse mundo era mesmo muito diferente do meu. Primeiro, parecia que os Piratas eram os “bonzinhos”; Segundo, como assim “feijões mágicos” ?!; Terceiro, como é realmente Peter Pan e oque aquela sombra tinha a ver com a história clássica?

– Você é mesmo um Pirata? –Perguntei franzindo a testa tentando não parecer incoveniente .

– Sim, é que eu não tenho muita cara para isso sabe? Ser tatuado, com umas barbas gigantescas e com um Papaguaio no ombro – Ele respondeu me fazendo rir de suas teorias. – Mas ainda sim, eu quero ter um animal algum dia, só que estamos presos aqui.

Assim, não ouve conversa até chegarmos ao imenso barco pirata. Logo me lembrei de Rafael, ele adoraria ver isso aqui.

Quando subi uma escada de cordas e fiquei de pé sobre o chão de madeira percebi os olhares curiosos sobre mim. Eram todos Piratas de verdade.

– Sério? Peter Pan quer mais uma? – Ouvi de uns dos piratas.

Bufei e logo de cara já percebo quem é Gancho. Mas ainda estava com dúvida, ele era tão jovem assim? Ou melhor, tão bonito assim? Onde foram parar o enorme chapéu e a barba longa?

– Quem é você, amante de Peter Pan? – Ele perguntou e eu tossi involuntariamente. Como assim amante de Peter Pan?! Ele riu com minha frustração. – Então ele ainda não abusou de você?

Meu coração começou a acelerar. Eu estava literalmente perdida em meus pensamentos e na realidade de Neverland.

– Não sou amante de ninguém, e muito menos vou ser abusada por Peter Pan. – Eu lhe digo séria e com um tom de raiva. Ele franziu os lábios e assenti para si mesmo.

– Gostei de você, mas saiba, se isso não aconteceu, é melhor se preparar. – Ele responde. – Deve estar muito perdida não é? Peter Pan é –

– É um garoto que não cresce, e você é o Capitão Gancho e aquele – Apontei para o Pirata do gorro vermelho. – É Smih.

– Você por acaso é vidente ou algo do tipo? – Ele pergunta e eu nego com a cabeça.

– Sou apenas uma garota que quer sair desse lugar.