Ao despertar, por um longo segundo Christine não teve certeza se estava acordada ou sonhando; mas então todos os fatos da noite anterior voltaram à sua memória, fazendo-a sorrir. Olhando ao redor, reconheceu o quarto de seu Anjo: os móveis de ébano com desenhos em dourado, o cortinado dourado, o leito em forma de cisne com forro em veludo vermelho... tudo ali não apenas refletia os gostos e modo de ser do homem, mas também estava impregnado com seu perfume, um aroma intenso e amadeirado, com notas de almíscar. Céus... Ela realmente tivera aquele homem consigo, na noite anterior?

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Ainda sonolenta, ela despertou depressa ao ser atingida pela percepção de que se entregara um homem cujo nome sequer sabia! Sim, seu Anjo cuidara dela por anos, ensinara-a... Mas o que haviam feito na noite passada ia contra tudo o que poderia ser considerado uma conduta adequada! Por outro lado... Como poderia ter resistido? Como dizer não a seu Anjo, seu amado, quando aquela união fora tudo o que ela mesma desejara por meses?

Sentando-se na cama, a garota percebeu que ainda estava totalmente despida, por sob os lençóis vermelhos que a cobriam. Segurando as cobertas contra o peito, procurou com os olhos pelo vestido que usara na apresentação da noite anterior, mas ele não estava no quarto. Em vez disso, estendido sobre a arca aos pés da cama, havia um vestido de seda cor-de-rosa claro, de corte que imitava as túnicas femininas da antiga Grécia. Ela não pôde se impedir de sorrir ao envergar a veste, sentindo-a se adaptar perfeitamente ao seu corpo.

A moça se voltou para o espelho, surpresa ao constatar como o traje a fazia parecer mais madura, mais mulher do que menina; com os dedos ela penteou os próprios cabelos, deixando-os soltos pelas costas. Agora, tinha de procurar por seu Anjo.

Encontrou-o na sala principal, sentado ao piano, trabalhando no que parecia uma nova composição; sua pena era rápida, arranhando delicadamente o papel ao traçar os desenhos que eram a linguagem da música. Vestia uma camisa branca e calça negra, com botas até os joelhos; os cabelos negros estavam impecavelmente penteados, e a máscara branca continuava sobre seu rosto, nem mesmo um milímetro fora do lugar. Por que usaria ele aquela máscara? O que haveria a ser escondido?

Christine anunciou sua chegada com um suspiro, o que fez o homem ao piano voltar-se em sua direção com um sorriso. Lançando-lhe um olhar de pura ternura, ele se levantou e veio até ela, passou os braços ao seu redor e capturou-lhe os lábios num beijo carinhoso. Correspondendo ao beijo, a garota acariciou-lhe o lado esquerdo do rosto, tentando manter sua mente clara e não sucumbir novamente às carícias de seu Anjo.

Quando afinal se separaram, o Anjo ainda sorria e a mantinha junto a si, e perguntou-lhe num sussurro:

– Dormiu bem, meu amor?

– como há muito tempo não dormia – respondeu ela, e baixou os olhos, corada ante a intensidade daquele olhar – ainda não consigo acreditar que não estou sonhando.

– Se estiver, talvez compartilhemos o mesmo sonho, minha Christine – ele lhe beijou as mãos – e não tenho a menor intenção de despertar.

Christine sorriu e o beijou novamente. Entrelaçando os dedos nos longos cabelos de sua pequena amante, o Fantasma mergulhou seus olhos nos dela e declarou:

– Eu amo você, Christine; amo você desde a primeira vez em que a vi, e agora mais do que nunca.

– Eu também amo você, Anjo... – respondeu ela, lembrando-se de todos os momentos em que seu amado estivera consigo, ensinando-a, consolando-a, dando-lhe uma nova razão para viver. Ele lhe dera um propósito e desenvolvera seu dom, fizera-a crer em si mesma e alcançar seus sonhos... Aquele homem, cuja figura só viera a conhecer na noite anterior, era a força que guiara sua vida. Era sua razão de viver. Ele a contemplou com um olhar incrédulo, seus olhos marejados quando beijou-lhe a fronte:

– Erik – sussurrou ele – Para você, serei apenas Erik.

– Erik – repetiu Christine, alegre – é tão sonoro e elegante!

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O Anjo riu com genuína felicidade – ele não se lembrava de já tê-lo feito alguma vez – e passou o braço pela cintura esguia de sua musa, tomando-lhe a mão na sua:

– Venha, Christine: imagino que tenha perguntas, e terei o maior prazer em respondê-las durante nosso desjejum.

Totalmente envolvida e rendida àquele que dissera chamar-se Erik, a cantora se deixou conduzir através do palácio subterrâneo em direção à superfície.

*

Foi uma surpresa saber que Erik tinha uma sala de jantar particular bem no meio do teatro, onde eram servidas suas refeições por duas jovens da cozinha que conheciam as regras do Fantasma: para todos os efeitos, ele não existia, e não se fala sobre alguém que não existe. Bem, pelo menos agora a soprano compreendia por que aquela sala permanecia sempre trancada!

Ao contrário do que imaginara, o lugar era bem mais iluminado e arejado do que a maioria dos aposentos da Ópera. Suas amplas janelas deixavam entrar grandes quantidades de luz, barrada apenas por cortinas translúcidas de tom azul com bordados em prata; os móveis de fino gosto tinham tom castanho-claro, e os castiçais e candelabros eram de prata, não de ouro. As cadeiras da mesa tinham forro claro, e no outro extremo da sala havia uma lareira onde ardiam labaredas alaranjadas, aquecendo o ambiente naquela fria manhã de outono. A mesa estava posta, esperando pelo casal.

Mal Christine e Erik haviam entrado no aposento, as duas moças que serviam ao Fantasma abriram a outra porta, como obedecendo a uma ordem silenciosa. Sem nada dizer, arrumaram a refeição sobre a mesa e se afastaram, aguardando as ordens do músico.

Erik guiou-a até sua cadeira e a acomodou depois disso ele foi se sentar, então pediu para que as serviçais os deixassem a sós. As moças iam saindo quando o Anjo as chamou:

– Srta. De Guille, Srta. Desiré – elas se voltaram, surpresas, aguardando as ordens de Erik – eu gostaria de pedir-lhes discrição quanto à presença de Mademoiselle Daae em meus aposentos. Ninguém deve saber sobre seu paradeiro.

As criadas assentiram com uma respeitosa mesura, antes de deixar o casal a sós. Sentada ao lado de seu mentor e amado, a garota observava tudo com olhos vivos, alegres e maravilhados; fora aquela capacidade de se encantar com cada simples detalhe, de reconhecer a beleza em cada coisa, que fizera o artista se apaixonar pela jovem mulher ao seu lado. Satisfeito em ver o entusiasmo e felicidade de sua amada, Erik comentou:

– Parece gostar das coisas que lhe mostrei, Christine.

– E como poderia não fazê-lo? É tudo tão lindo! Mal consigo reconhecer o teatro em que vivi por tanto tempo!

– São os recantos proibidos desta Ópera; lugares a que só eu, e agora, você, temos acesso. Meu reino. Meu paraíso.

– É fantástico! Não há palavras para descrever as belezas que me mostrou, meu Anjo.

– Fico feliz em saber que pensa assim; não há muitos que sabem apreciar a verdadeira beleza, e esse é um dom precioso. É o que a torna única, minha Christine.

Com um sorriso lisonjeado, ela fez uma pequena pausa, acariciando a mão de Erik enquanto dizia:

– Eu tenho tantas perguntas rodando em minha mente.

– Então faça-as. Não tenha medo de me perguntar o que quiser; se puder responder, eu o farei.

Christine parou um instante para organizar seus pensamentos.

–Você sabe tudo a meu respeito, mas eu não sei nada sobre você. Eu conheci Erik, o Anjo da Música que se ocultava nas sombras... Mas quem é Erik, o homem?

O Fantasma deu um de seus sorrisos enigmáticos, pensativo, antes de finalmente responder:

– Eu vivo neste teatro há mais tempo do que posso contar. Quem eu sou? Sou um artista, um músico, um criador. Tive grandes decepções com os seres humanos, mas a arte jamais me traiu. Então, dei todo o meu amor às musas – ele lhe segurou a mão e a beijou delicadamente – até conhecer você.

– Mas por que se isolou do mundo? Por que não se mostra às pessoas? Um artista com seus talentos seria reconhecido no mundo inteiro!

No momento em que fez essa pergunta, a moça se arrependeu: nos olhos de seu Anjo ela pôde ver uma tristeza tão profunda, uma dor tão grande, que de imediato tentou reparar o que fizera:

– Perdoe-me, meu amor... Sinto muito se minha pergunta lhe trouxe memórias dolorosas. Eu... Eu não sabia.

– Está tudo bem, minha amada; apenas não quero falar sobre o passado. Minha vida começou depois que passei a viver no teatro... O que aconteceu antes não importa.

A fim de espantar a tristeza de seu amado, Christine se levantou e o abraçou pelas costas. Deitando a cabeça em seu ombro e acariciando-lhe os braços fortes, começou a cantar. Cantou suavemente seu amor pelo misterioso Anjo da Música, o encantamento e a paixão que ele despertara em sua alma, declarando o que havia em seu coração. Aquilo o fez sorrir e, levantando-se, tomá-la nos braços e juntar-se a ela em um dueto. Quando a voz do homem silenciou, a moça lhe sussurrou ao ouvido:

– Eu amo você, Erik.

Em resposta, o abraço dele se intensificou, estreitando-a contra seu corpo. Por longos minutos ficaram assim, abraçados, até que o homem a soltou e se afastou um pouco, contemplando-a demoradamente. Com um suspiro, ele meneou a cabeça e falou:

– Gostaria de poder mantê-la comigo o tempo todo... Mas aqueles tolos que dirigem meu teatro devem estar à sua procura. Devo levá-la de volta a seu quarto, agora, Christine, antes que seu desaparecimento os ponha em desespero.

Ela sorriu e pousou as mãos no peito de Erik:

– Voltará para me ver, meu Anjo?

– Nunca deixaria de fazê-lo, e você sabe disso. – ele lhe ofereceu o braço, guiando-a então pelos corredores secretos do teatro até o quarto da jovem.

Foi com o coração pesado que a moça deu um beijo de despedida em seu Anjo, antes que a passagem do espelho se fechasse atrás dele, tirando-o de sua vista. Conformada, trocou o belo vestido que usava por uma roupa de trabalho, e desceu as escadas para encontrar Madame Giry e Meg; haveria outra apresentação, naquela noite, e precisava ensaiar novamente.

Enquanto atravessava as passarelas, degraus e tablados que pontilhavam todos os andares da Ópera, ela revivia em sua mente tudo o que acontecera desde a noite anterior: ainda podia ouvir a voz de seu amado, sua pele se arrepiava à lembrança do toque firme e gentil, seus lábios guardavam o gosto dos beijos quentes e profundos... Estava confusa... Confusa por descobrir amar daquele modo alguém que, até a noite anterior, fora apenas uma voz na escuridão. Confusa e maravilhada. Confusa e completamente apaixonada.