Mudando o Jeito de Viver

O1 - Dificuldades da vida. (Bell)


"A morte é um sono sem sonhos."

Napoleão Bonaparte.

Minha vida virou um caos depois que descobri sobre a doença. Tinha exatamente dez anos de idade, quando recebi a pior noticia de minha existência limitada. Começamos a desconfiar, quando sentia fortes dores no abdômen e sangue escorria constantemente de meu nariz e boca. Meus pais ficaram alarmados e me levaram a um hospital as pressas, sendo diagnosticada uma doença rara com um nome totalmente incomum. Chama-se doença de degos. É uma doença degenerativa que se espalha por meu corpo frágil se apoderando de tudo em meu interior. Afeta principalmente meus órgãos vitais, até eles pararem de funcionar completamente. Além de causar problemas respiratórios, cardíacos e ósseos. Também afeta minha coordenação motora, me levando a inúmeras quedas por dia. Os médicos disseram que eu tinha pouco tempo de vida. Que a doença logo se alastraria totalmente me levando ao pior: A morte.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Quem visse essas palavras, pensaria que eu estou infeliz, triste por não ter tempo para aproveitar a vida. Muito pelo contrario. Estou aproveitando cada momento ao lado das pessoas que mais amo no mundo. Já me conformei com meu destino.

Mas, não posso dizer o mesmo de meus pais. Mesmo passados sete anos,
eles ainda não se conformaram. Vivem se culpando, dizendo que não tomaram conta de sua “princesinha” o suficiente. Vejo ambos tristes e cabisbaixos, depois de ficarem incontáveis horas ao meu lado no hospital, finalmente se dando conta de que o tratamento não funciona. Mas, incrivelmente percebo-os pondo mascaras animadas e alegres para não deixarem transparecer o quanto sofrem por mim, o quanto lutam por minha sobrevivência, em vão.

Fico temerosa o quanto a minha morte possa causar em minha Marie. Ela
é minha irmã caçula. Tem apenas cinco anos e já carrega um grande peso em suas pequeninas costas. Tenho certeza absoluta que meus pais lhe darão o suficiente para sua sobrevivência. Mas, temo o quanto isso lhe afetará.

É por esse e outros motivos que me afastei de todos. Não tenho amigos,
muito menos um namorado. Estaria mentindo se dissesse que não sinto falta de
amigos, pessoas verdadeiras, com quem possa contar, me divertir. Mas, principalmente sinto falta de um companheiro. Um amor verdadeiro. Onde possa me dar carinho, beijos apaixonados e calorosos. Tenho medo de morrer antes de ter essa experiência que aparentemente é única.

Observo de longe casais encantados, exalando amor por todos os poros
do corpo, rodeados por aquela áurea romântica. Queria isso para mim, queria a
sensação. Mas como sempre, sou apenas uma expectadora. Escolha própria, é
claro.

Odeio que as pessoas tenham pena de mim, que sofram por minha causa.
Já bastam meus pais. Vou levar essa culpa comigo, não quero mais um fardo
pesando sobre minhas costas.

Sou solitária desde os onze anos, onde me recusei veementemente á ter
colegas de escola. Minha mãe se preocupa até hoje com isso, dizendo para deixar de besteira e viver intensamente. Mas esse, com certeza, é um luxo ao qual eu não posso apreciar.

Posso dizer que meus únicos companheiros de longas datas são meu
inseparável cão. Um labrador carinhoso e doce, com seu pelo amanteigado e
brilhante. E meu violão, com o qual toco quando fico inspirada, fazendo minhas
composições. Esses são com certeza meus únicos amigos (Objetos inanimados).

Suspirei.

Essa era a minha vida afinal. Ou o que restou dela.

X-X

Nesse momento, olhava o nascer do sol em minha janela. Era a paisagem
mais bela, perdendo somente para uma noite de céu estrelada.

Sentada em um acento fofo e aconchegante, olhava a vista privilegiada
com admiração, sentindo o peso incomodo do gesso em meu braço esquerdo causado por uma de minhas quedas rotineiras. Finalmente depois de um mês
impossibilitada de mexê-lo, vou poder livrar-me de mais essa complicação.

De repente, sinto mãos pequeninas e extremamente quentes sobre a minha
coxa. Já sabia de quem se tratava.

—Bom dia, minha pequena! - cumprimentei-a com um largo sorriso. Olhei
de cima para minha linda e via uma miniatura de mim. Cabelo castanho
avermelhado, agora rebelde por ter acordado recentemente. Tinha olhos chocolate profundos e intensos, - idênticos aos meus -, mas que denunciavam sua ingenuidade. Pele alva, extremamente branca, com apenas um rosa claro em suas bochechas agora curvadas em um sorriso acolhedor.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

—Bom dia, Bell! – cumprimentou-me com seus braços estendidos em minha
direção. Sabia o que ela queria. Sempre nesse mesmo horário, ela vinha até meu
quarto e via a paisagem comigo.

Mas, volta e meia, esse hábito fica um tanto irritante. Quando raramente estou dormindo, ela me acorda dizendo que quer ver o sol.

Estiquei meus braços tentando segura-la e trazê-la ao meu encontro.
Falhando miseravelmente. Estava muito fraca ultimamente, resultado do intenso
tratamento diário que faço. Nem a minha irmã que pesa pouco menos de quinze
quilos eu conseguia içar. Não consegui olhá-la novamente.

—Espere um pouco Marie! - pedi me levantando e pegando uma cadeira
para dar-lhe apoio.

Pus de frente para onde eu estava sentada e a ajudei a se pendurar. Rapidamente se aconchegou em meu colo.

Alisava seu cabelo cheiroso, enquanto essa olhava sobre a janela, o
céu ficar de um alaranjado espetacular. Ela fazia pequenos círculos em minha
pele exposta.

Aos poucos as caricias foram ficando menos ritmadas, até pararem por
completo. Olhei em seu rosto e visualizei-a adormecida, ressonando
tranquilamente em meus braços. Sorri, pensando em como sentiria falta de minha
linda. Sem aviso, quentes lágrimas escorreram por meu rosto mantendo-o
aquecido.

Não sei ao certo quanto tempo permaneci ali, imóvel com ela em meus
braços. Só me dei conta, quando minha mãe, Renée, apareceu na porta olhando-nos surpresa e fascinada. Ela não sabia que Marie vinha toda manhã em meu quarto, até hoje. Pensei que ela se pronunciaria em algo, mas estava enganada. Ela permaneceu no batente da porta nos olhando com admiração. Quase não controlando suas lágrimas de felicidade. Até que foi inevitável romper o silencio
agradável.

—Querida, pensei que estivesse dormindo. – supôs com a voz ainda carregada pelos vestígios de emoção.

—Acordei um pouco mais cedo para ver o nascer do sol. – esclareci acomodando-me melhor no acento.

Assentiu em concordância.

—Ponha Marie no quarto e se prepare para ir à escola. – sugeriu encurtando a distância entre nós.

—É, mas antes, irei ao hospital tirar isto. – expliquei gesticulando para o gesso em meu braço dianteiro.

—Mas, não irá se atrasar muito? – perguntou franzindo o ceio.

—Só um pouco, irei o mais rápido que puder, fique tranquila! – pedi ajeitando
Marie em meus braços e levantando do acento.

Por um curto espaço de tempo, esqueci por completo de minha extrema
fraqueza e quase deixei Marie cair de meus braços o que foi evitado quando
minha mãe a pegou no momento exato.

—Bell, meu amor, não se esforce tanto, pode lhe fazer mal! – sussurrou com Marie ainda adormecida em seus braços.

—Já deveria ter me acostumado. – reclamei olhando meus pés.

Esperava uma objeção de sua parte ao meu comentário, mas o único som
que quebrou o ambiente foi um resmungo.

Olhei para seu colo e Marie já estava com seus olhos arregalados fitando-me assustada. Não entendia o seu olhar. Minha mãe parecia compartilhar de minha opinião, pois olhava seu rosto de ceio franzido, certamente em confusão.

Enquanto ainda a analisava, uma leve vertigem me açoitou. Senti algo
borbulhando em meu interior, subindo em minha garganta, me sufocando. A tontura se agravou, fazendo-se cambalear meio desnorteada. Passei as costas de minha mão em minha testa, suando frio. Senti pequenos calafrios subindo em minha espinha, arrepiando-me.

Apontei minha visão agora meio desfocada no rosto de Marie, essa ainda
me olhava assustada, quase apavorada. Levantou um de seus braços, apontando seu indicador na minha direção.

—Sangue no nariz da Bell. – explicou com a voz de sino, levemente fanha e entrecortada.

O que se sucedeu foi de extrema rapidez. Senti algo transbordando em
minha garganta e nariz, impedindo-me de respirar. Só deu tempo de correr para o
banheiro e vomitar litros de um liquido vermelho. Vomitava sangue. Chorava enquanto sentia a ardência em meu interior. Minha mãe, antes com Marie, estava
ao meu lado segurando minha cintura e meu cabelo, já arruinado pelo vomito.
Podia sentir meu corpo desfalecendo aos poucos.

—CHARLIE! – berrou minha mãe, clamando por ajuda.

Dentro de poucos minutos, meu pai Charlie, já uniformizado para seu trabalho, apareceu na porta correndo esbugalhando os olhos meio aparvalhado,
presenciando a cena certamente pavorosa.

Correu para o meu lado, segurando minha cintura, enquanto minha mãe
ajudava-me com meu cabelo. Podia ouvir seus soluços baixos. Ela chorava em
desespero, chorava por mim. E isso me matava por dentro, se tudo já não estivesse morto.

Pela minha visão periférica, vi que Marie estava ali ao meu lado nos olhando assustada. Ela mexia seus lábios, dizendo coisas desconexas para mim. Tentei apurar meus ouvidos, focalizando somente nela. E ouvi, ela berrando meu nome, enquanto soluçava desesperadamente.

Em um último ato de força, empurrei minha mãe, afastando-a de mim e
sussurrei com a voz fraca:

—Tire Marie daqui, não quero que ela veja isso. – pedi rouca, sentindo meu copo amolecer e ameaçar cair.

—Tudo bem! – concordou com dificuldade.

Saiu de meu lado e pegou-a nos braços. Enquanto essa esperneava, gritando o meu nome, implorando para ficar ao meu lado.

—Bell... – foi à última coisa que ouvi até ela desaparecer de meu campo de visão.

Deixei meu corpo amolecer totalmente, me levando quase ao chão, se não
fosse meu pai, segurando-me pela cintura.

—Calma! – sussurrou sentando-me no vaso sanitário.

Ainda sentia vestígios da náusea repentina. Sentia-me um caos, tanto por
dentro quanto por fora.

Peguei uma toalha de rosto que estava ao lado da pia e a umedeci, passando por todo meu rosto.

Olhei para o meu pai e esse tinha os olhos baixos, parecia ter um conflito interno. Já sabia o que ele estava querendo fazer.

—Nem pense nisso! – declarei prendendo meu cabelo totalmente rebelde e
melecado.

—O que mais eu posso fazer, além de te levar a um hospital? – perguntou parecendo frustrado com esse fato.

—Nada, além de ficar ao meu lado. – disse olhando-o amavelmente.

Sorri.

Ele, antes em pé, abaixou-se a minha frente, nivelando a altura de nossos olhos.

—Isabella, nós sempre vamos ficar ao seu lado, custe o que custar entendeu? – declarou olhando diretamente em meus olhos, com uma intensidade alarmante.

—Entendi Charlie, mas não quero que sofram por mim e suplico que parem
de gastar dinheiro em remédios que não funcionam. – tentei por algum juízo em
sua cabeça dura.

—Não entende que tudo que fazemos é com o intuito de te manter viva. –
Suspirou. - Morreríamos se te perdêssemos.

—Vocês não me perderam, pelo menos não agora. – garanti questionando-me internamente se o fato era verídico.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ele sorriu ternamente acariciando meu rosto.

—Bom, preciso de uma banho, com urgência.

Respirou fundo, levantando-se.

—Tudo bem, já que claramente perdi a batalha contra a sua teimosia, acho que vou trabalhar. – sorriu, ajeitando seu uniforme ainda impecável. – Se cuide criança.

Deu-me um leve aceno e saiu, deixando-me sozinha.

Caminhei com um suspiro cansado até o espelho.

Eu não me reconhecia.

A pessoa refletida ali tinha uma aparência lastimável. Os olhos estavam vermelhos e inchados, a pele mais pálida do que o habitual, com um aspecto doente, quase macabro.

Suspirei frustrada, dando as costas para a coisa do espelho. Despi-me
e entrei para um banho quente e relaxante.

Depois de longos vinte minutos debaixo do chuveiro fervente tentando me livrar de qualquer vestígio de apatia, voltei ao quarto e vesti uma calça jeans, uma regata azul clara com um casaco preto e meu inseparável tênis.

Soltei meu cabelo úmido, deixando-o solto, natural. Arrumei meus pertences dentro da mochila e desci até a cozinha onde se encontravam Marie e
minha mãe sentadas diante da mesa farta com nosso café da manhã.

Não resisti ao impulso que subia por minhas veias.

Sorri maléfica com a ideia.

Andei sorrateiramente até Marie, que olhava a mesa distraidamente. Pulei nas suas costas, fazendo um barulho um tanto alto e gritei a pelos pulmões:

—PEQUENA! – sorri ao vê-la pular de seu acento, caindo sentada no chão
com um baque surdo.

Gargalhei alto.

—Que susto! – reclamou pondo sua mão gordinha em seu peito, respirando
em lufadas audíveis.

—Essa era a intenção. – expliquei ajudando-a a se levantar. Puxei-a para meu colo.

Peguei um copo de suco e três torradas com geleia. Estava faminta.

—Bom Bell, irei me vestir para leva-la ao médico. – avisou Renée levantando-se e pondo seus talheres dentro da pia. Era logico que meu pai não falaria nada. Deixou-me a fera para enfrentar.

Muito obrigada Charlie. – pensei desgostosa.

Fechei os olhos por alguns segundos preparando-me para o que viria a
seguir.

—Mãe, minha vida...

—Não comece. – cortou-me.

Suspirei.

—Serio, desnecessário ir ao hospital. Já passo tempo demais por lá. –declarei por fim. – A muito já deixou de serem saudáveis as minhas visitas.

—Isabella, você precisa ir! Não tem escolha. – virou-se me olhando com certa autoridade, mas vi em seus olhos um esforço cansado.

—Para quê? Para ficarmos horas deitada recebendo um remédio em minha
veia que eu sei que não irá funcionar. – expliquei fazendo uma careta de desgosto, enquanto lembrava os dias horrendos que passei dentro daquele lugar.
— É perda de tempo! – dei de ombros.

—Perda de tempo? – perguntou incrédula. – Perda de tempo é ficar com
você doente dentro dessa casa e não fazer nada, perda de tempo e ver você perdendo as forças vomitando tudo que você tem de nutriente e ficar impotente.

—Renée, isso já é normal. – disse olhando-a indiferente, já tinha me acostumado com minhas crises.

—Normal Isabella? Normal? Vomitar sangue agora é normal? – gritou exaltada, enquanto lagrimas escorriam por sua face.

Tirei Marie de meu colo e levantei, indo até ela em seguida. Enlacei sua cintura em um abraço apertado. Odiava vê–la dessa forma, tão frágil. Parecia que a cada lágrima sua derramada, era um pedaço se partindo de meu coração já praticamente morto.

—Vai ficar tudo bem. – garanti-lhe sussurrando com a voz embargada em seu ouvido.

—É, você vai ficar bem! Você vai ficar comigo, vai ficar com a sua família. Não vou deixar você ir partir. – repetia isso como um mantra, apertando minha cintura com mais força.

—Se isso te deixa feliz, vou me consultar com o doutor quando eu tirar o gesso. Provavelmente o Dr. Gerald estará lá. – desvencilhei-me de seu aperto,
limpando suas lágrimas.

—Mas, e se você não se sentir bem no caminho até lá? Tem que ter alguém te acompanhando. – explicou protetora.

—Não se preocupe, sei me cuidar. – lancei lhe uma piscadela sorrindo.

Suspirou contrariada, mas assentiu.

Sentei novamente a mesa e minha mãe acompanhou-me com o rosto mais
composto.

—Marie, já terminou de tomar seu café? Tem que se arrumar para a escola. – perguntou Renée, dirigindo-se a pequena ao meu lado.

—Quase acabando mamãe! – respondeu com bigode de leite. Sorri com a
cena.

—Soube Bell? Moradores novos na cidade. – comentou Renée, como sempre.

E lá vamos nós.

—Como sabe?

—Cidade pequena, esqueceu? – sorriu.

—Ah é, em Forks não existe segredos. – comentei ironicamente, revirando os olhos.

—Soube que eles têm filhos, um casal. – acrescentou ignorando minha antipatia.

—Não tem crianças não, mamãe? – perguntou Marie se intrometendo na
conversa.

—Não, sinto muito minha filha. – Marie não tinha muitos amigos na escola em que estudava. Eram poucas as crianças de sua idade na cidade. – Disseram que o menino tem 17 e a garota 16. Meses de diferença.

Ótimo, pessoas novas com quem não devo falar.

—Provavelmente eles iram estudar na mesma escola que você Bell. – continuou, como se eu tivesse interessada em saber. – Aproveite e faça novos
amigos. – sugeriu esperançosa, olhando para os lados, como quem não quer nada.

Bufei.

—Mãe, o que nós já conversamos? Sem amigos. – declarei pela milésima
vez.

—Você não devia se privar dessa forma, precisa ter pessoas a sua volta. – explicou novamente. Primeira vez ao dia. Contando mentalmente. – Se socializar mais.

—Eu tenho pessoas a minha volta. – gesticulei para as duas presentes a mesa.

—Quero dizer pessoas diferentes, querida. Tipo uma amiga confidente, ou melhor, um namorado. – sugeriu empolgada, seu sorriso era brilhante.

—Dispenso. – declarei simplesmente, fingindo indiferença.

—Você não gostaria de ter uma sogra e me fazer uma sogra? – fez piada.

Não estava achando graça alguma. Esse era um dos assuntos que mais
mexia comigo. É claro que eu gostaria de ter uma sogra amável, doce. Até ficaria satisfeita com uma que pegasse no meu pé, não gostasse de mim, ficaria feliz e agradeceria aos deuses por tê-la posto em minha vida.

—Dispenso.

—Nossa Bell, está ficando careta. – declarou minha mãe fazendo uma carranca. – Cuidado para não virar antissocial.

—É, antissocial. – repetiu Marie concordando.

Arqueei uma sobrancelha.

—E você sabe o que significa a palavra antissocial? – indaguei sorrindo.

—Não. – respondeu simplesmente, dando de ombros.

—Então, porque a pronuncia? – indaguei olhando-a divertida por sua indiferença do significado.

—Se a mamãe diz, é porque é uma palavra boa. E também é legal fala ela. – explicou enquanto repetia. – Antissocial, antissocial...

Gargalhei divertida com a sua conclusão.

—Você é muito pequena para ser tão absurda. – declarei me recompondo.

—O que é absurda? – indagou confusa.

—A mamãe explica para você, agora preciso ir. – levantei-me, recolhendo minha mochila.

—Cuidado minha filha, qualquer coisa ligue. – pediu minha mãe, enquanto me despedia de ambas.

Suspirei aliviada, satisfeita por termos encerrado o assunto. Mas, como dizem por ai: Nunca se deve cantar vitória antes do tempo.

—Faça amigos Bell, não é normal ficar careta antes dos quarenta. –comentou gargalhando.

Apenas bufei em resposta, batendo a porta com um pouco de violência e
sai para uma manhã pouco ensolarada na cidade.

O tempo estava úmido, frio. Caia uma garoa leve, impedindo os animais
da região de saírem de suas tocas. Ao longe, pude ouvir um canto oco de um passarinho aventureiro.

Corri até a garagem e destravei a porta de meu carro. New Beetle. Colocava meu material no banco quando ouvi um barulho perto de onde eu estava. Patas batiam no chão, fazendo um barulho um tanto irritante.

Sorri ao mesmo tempo em que sentia minha calça ser puxada para baixo,
seguido por um latido rouco.

Agachei-me acariciando o focinho de meu melhor amigo.

—Olá amigão! – saudei olhando meu cão de pelo amarelo. – Como passou a
noite? Deve ter ficado incomodado, não é? Pouco espaço para correr. – dizia enquanto lambias encharcavam minha mão.

Ele latiu concordando.

Levantei e fui até a pia lavar minha mão nojenta. Enquanto lavava, olhei para o lado oposto de onde estava e vi. A caixa de ferramentas do meu pai totalmente arruinada. Os instrumentos espalhados por toda a extensão da
garagem.

—Alguém está encrencado hoje, não é Jolie? – comentei sorrindo ao vê-lo esconder o rosto por entre as patas.

Voltei ao carro e acariciei-o novamente sussurrando:

—Pode deixar, vou te proteger. – garanti e ele latiu em agradecimento.

Entrei no carro. Dei partida e rapidamente estava na estrada molhada. Liguei o radio, deixando o volume em um tom ambiente. Cantarolava a música
baixinho, distraída.

Em poucos minutos, estacionava o carro em uma vaga no estacionamento
do hospital. O único da cidade. O prédio não era grande e luxuoso como os de
cidade grande. Ele apenas se resumia em um pequeno edifício com apenas três
andares. A área do estacionamento, também não era extensa, cabia ali pouco mais de vinte carros estacionados.

Andei calmamente até a porta de entrada. Essa se abriu automaticamente, revelando um ambiente fechado e totalmente branco. Chegava há ofuscar um pouco a visão. Direcionei-me até o balcão da recepção, onde se encontrava uma mulher de meia idade, cabelos totalmente grisalhos e um óculos maior que seu rosto totalmente enrugado por linhas de expressão. Como todos os médicos do local, trajava branco dos pés a cabeça.

—Bom dia Senhorita Swan! O doutor Gerald já chegou, está a sua espera! – declarou sem ao menos levantar o olhar.

Esse era o comportamento normal dos funcionários comigo. No começo,
eles eram educados, sorridentes. Cumprimentavam-me todas as vezes que passava por eles. Mas, como eu não respondia igualmente, todos passaram a tratar-me com indiferença, somente com educação obrigatória.

—Obrigado, senhora Lewins. – agradeci simplesmente dirigindo-me ao elevador.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Subi como de costume até o quinto andar. A porta se abriu revelando um
pequeno hall igualmente branco. A única diferença de todo hospital, era uma mesa de magno presente no centro do local. Onde atrás da mesma, havia a enfermeira do doutor Gerald, Emma Campbell. Tinha estatura mediana, cabelos pretos azulados até os ombros e olhos extremamente azuis. Duas piscinas brilhantes. Ela é amável comigo. Mesmo eu tratando-a igualmente aos outros, ela é educada e simpática. Nunca deixou de me cumprimentar quando me vê, sempre abre um enorme sorriso. Ela é uma das poucas pessoas que realmente se preocupam com meu estado.

Acredito que ela tenha compreendido o meu motivo tratar todos assim,
mas, quem disse que ela se importa?

—Bom dia senhorita Isabella, vejo que seu braço está melhor. – comentou com um sorriso, de orelha a orelha, literalmente.

Respondi somente com um aceno de cabeça.

—Então se acomode, logo irá atendê-la. – sugeriu gesticulando para as poltronas presentes no canto do espaço.

Sentei-me em uma delas e analisei o local. A porta do consultório era
igualmente de magno. Um preto opaco, onde se destacava somente uma placa prata com o nome do médico.

O prédio pode até ser pequeno, mas com toda certeza o doutor Gerald
gastou uma grana a parte para montar seu andar.

Fui interrompida de meus devaneios, por um barulho irritante. O telefone de Emma tocava insistentemente, até a mesma atende-lo.

—Isabella, o doutor já lhe aguarda!

Passei reto por ela, sem ao menos dirigir-lhe o olhar, murmurei um agradecimento baixo e recatado.

—Disponha! – respondeu aparentemente satisfeita. Vai entender.

Três batidas rápidas na porta e uma voz conhecida pode ser ouvida por mim permitindo-me a entrada. Abri a porta lenta e timidamente. Primeiro pus
somente a cabeça, depois pus o corpo totalmente, fechando a porta atrás de mim.
A sala era totalmente o oposto do hospital inteiro. Existia moveis de madeira escura e envernizada. Varias estantes abarrotadas de livros espalhados pela extensão do ambiente. Quadros de pintura abstrata preenchiam uma das paredes
dando um ar sóbrio e ao mesmo tempo acolhedor. Definitivamente este local não
se parecia com um consultório médico.

Dirigi-me a passos cautelosos até uma das poltronas em frente a sua mesa, onde me acomodei.

—Bom, provavelmente está aqui para tirar a imobilização de seu braço. – concluiu olhando os papeis em sua mesa. – Estou certo senhorita Swan? – perguntou levantando seu olhar, por minha falta de resposta.

—Freqüento há bastante tempo o hospital para formalidades, não acha doutor Gerald? – perguntei com um pingo de divertimento em meu tom de voz.

—Com toda certeza Isabella. – consertou risonho. – Então, não veio ao seu local predileto para um exame de rotina? – brincou.

—Não mesmo, vim aqui para tirar esse gesso incomodo e pesado. – reclamei recebendo um sorriso em reposta.

—Vejamos seu prontuário. – disse abrindo uma de suas enormes gavetas e
pegando minha ficha. Parecia extensa. – Vejo que seu quadro vem se agravando
esses dias. – comentou olhando ao papeis. – Crises acontecendo com mais frequência. Tem tomado seus medicamentos como regulamentei? – perguntou
olhando-me desconfiado.

—Não tenho escolha, meus pais me vigiam a cada comprimido que tomo, sempre olhando minha boca para se certificarem. – expliquei irritadiça.

—Eles somente querem o seu bem. – comentou o que eu sempre ouço dos
próprios.

—Eu sei, mas como o senhor mesmo pode observar, eles não estão surgindo efeito algum.

—É, tenho que ser realista, não há progresso no seu caso. – comentou o
que já sabia. – Venha, quero te examinar. – pediu se dirigindo a grande maca
presente na sala. Igualmente de madeira.

Caminhei até ela, me deitando logo em seguida.

Ele fez exames normais, como sempre. Monótono.

Bocejei.

—Seus batimentos estão fracos, tem sentido dor no peito? Incômodo ao respirar? – perguntou tirando seu instrumento de auxílio.

—Algumas pontadas, nada além disso.

—Hum... Deve ser o entupimento de alguma artéria que está... – foi interrompido pelo barulho de seu telefone. – Só um instante, por favor. – pediu
ser dirigindo a sua mesa.

Assim que o atendeu, me desliguei de sua conversa. Não sou de prestar
atenção onde não sou chamada. Mas, mesmo cantarolando uma música baixa, não pude deixar de ouvir quando sua voz se levou algumas oitavas.

—Como assim até amanhã? – gritou exaltado. – Não posso me desligar de
tudo em 24 horas, pelo amor de deus! – alterou-se incrédulo, pondo uma de suas
mãos em seu cabelo. – Não pode pedir para o novo profissional iniciar outro dia?– perguntou. – E o que importa dele já ter se mudado? Ele pode muito bem começar no mês que vem. – sugeriu um pouco mais composto. – Eu sei que eu tinha um prazo, mas ainda não pude resolver tudo! – explicou-se caindo derrotado em sua cadeira com um baque um tanto alto. – Um mês é um prazo muito curto para a quantidade de pacientes que tenho. – uma pequena pausa. – Tudo bem, vejo que não tenho escolha. – mais uma curta pausa. – Guarde seus pesares para si mesmo, não preciso de sua piedade. – gritou alterando-se novamente. – Ok, passar bem! – terminou, batendo violentamente o telefone ao gancho.

Ele parecia estar com problemas. Resolvi deixá-lo em paz, pelo menos por alguns minutos. Parecia um assunto serio.

Pigarreei baixo, chamando sua atenção a mim. Corei um pouco com sua
hostilidade.

—Algum problema doutor Gerald? – perguntei prestativa. – Se tiver algo que eu possa fazer!

Ele pareceu se dar conta de minha presença na sala naquele instante. Pois, se levantou sobressaltado de sua cadeira, deixando-a cair de costas no chão, fazendo com que o barulho que exerceu me assustasse.

Arregalei os olhos assustada. O rubor em minhas bochechas intensificou-se, alastrando até o meu pescoço.

Ele, por outro lado, pareceu ter consciência do que me fez, pois balançou a cabeça negativamente suspirando. Levantou a cadeira caída e veio na minha direção. Não pude deixar de me retrair um pouco com sua aproximação. Reação involuntária de meu corpo.

—Desculpe-me por isso senhorita Swan, são problemas pessoais que ainda
não tive tempo de resolver. – explicou-se pegando seu estetoscópio novamente. –
Bom, onde estávamos? – perguntou esboçando um sorriso forçado. Resolvi ignorar a sua formalidade, não me parecia uma boa hora para brincadeiras.

Depois daquele episodio, passei somente mais alguns minutos dentro do
hospital. Tinha me esquecido de mencionar a crise de mais cedo. Esquecido não,
não disse propositalmente. Não achei o momento oportuno para isso. Qualquer
outro dia em menciono de passagem.

Um noticia boa: Finalmente depois de um longo tempo, posso dirigir com
as duas mãos ao volante.

Sentia-me feliz, enquanto entrava no meu carro. Em um momento totalmente insano. Apertei o botão que controlava as janelas e deixei as quatro
deslizarem até estarem totalmente abertas. O que era meio louco, pois chovia
forte do lado de fora. Não me importei muito com esse fato, somente me desliguei de tudo e deixei o vento forte preencher o carro totalmente, fazendo um zumbido irritante em meu ouvido. Liguei o som alto o bastante para meus ouvidos escutarem e acelerei mais, até chegar a 120 km/h. - Deixe dona Renée saber disso. – Gargalhei com esse pensamento. Estaria em uma enrascada se ela
soubesse. Não só ela, meu pai também. Não muito pelo fato do perigo, mas sim
por ele ser um policial que respeita veementemente as leis de transito e teria um infarto se me descobrisse a essa velocidade em uma estrada que o limite era 90 km/h.

Conclusão: Em poucos minutos estava entrando no estacionamento abarrotado da escola. Era incrível como uma cidade tão pequena poderia suportar
tantos carros assim. Rodei inúmeras vezes até encontrar uma vaga. Era ao lado
de um Volvo prata. Brilhante e perfeito. Ao lado oposto de onde eu estava, existia um Porshe amarelo turbo exageradamente extravagante. Destacava-se na multidão de carros. Gente nova no inferno.

Estacionei cuidadosamente ao lado do maravilhoso carro. Não seria bom
para o meu orçamento baixo um conserto no mecânico para um veículo desse
porte. Fechei as quatro janelas e peguei minha mochila.

Respirei fundo, preparando-me para mais um dia.

—Vamos lá.

Corri o mais rápido que pude para dentro da escola quente e seca.

Como era de se esperar, os corredores estavam totalmente desertos.
Pela hora, provavelmente estavam todos em suas respectivas salas. E eu,
atrasada. Vasculhei minha mente, enquanto andava, tentando lembrar que aula era a de agora.

—Hum... O primeiro tempo era de inglês. Como hoje é segunda-feira, o
segundo tempo é de... – paralisei no lugar. – BIOLOGIA! – estava totalmente
encrencada. O Gregory é um dos piores professores desta escola. Ele é conhecido por seu modo de ensino rigoroso.

Ok, estou encrencada.

Fiquei tentada a faltar mais esse tempo. Já perdi o primeiro, podia muito bem perder o segundo também. Só que lembranças de sua última aula vieram
a minha mente no momento que eu cogitei a ideia. Hoje era o dia de uma de suas
ridículas avaliações bimestrais. Valia cinquenta por cento da minha nota para esse semestre e se eu a perdesse, não haveria segunda chance.

Se por algum motivo fútil um de vocês burlarem uma de minhas avaliações, saibam que não deixarei fazer depois, não importa o motivo. Não há exceções as minhas regras!— disse com sua voz grave e grossa, levando toda a sala a se recostar em suas cadeiras.

Com um gemido de desgosto, corri até o meu armário peguei os livros que iria usar em minhas próximas aulas. Nem me dei ao trabalho de guardá-los. Corri a toda velocidade até a sala.

Observei da porta a tensão do ambiente. E lá estava ele. Sua postura de militar. Totalmente ereto, braços cruzados sobre o peito, não falava, berrava algo para os alunos. Estes estavam de olhos arregalados e como o previsto, recostados na cadeira o mais longe possível dele.

Ri nervosamente mordendo os lábios.

Contei mentalmente até dez, tirando coragem da sola dos pés. Respirei
profundamente algumas vezes e enfim bati a porta. Todos olharam imediatamente
para minha direção. Corei violentamente.

Pude ver o senhor Gregory estreitando seus olhos quase em fendas,
fuzilando-me com um olhar desconcertante. Permitiu minha entrada e com cautela
entrei no covil do leão indomável.

—Atrasada Swan. – murmurou ferozmente. Pude ouvir claramente que tentava controlar sua voz.

—Desculpe-me, isso não irá se repetir. – tentei amenizar um pouco sua raiva com promessas que não sabia se cumpriria.

—Assim espero. – declarou alterando algumas oitavas sua voz rouca e afiada feito navalha. – Olhe para mim enquanto eu estiver falando! – exigiu.

Meus olhos, até então nos pés, levantaram-se até a fera pronta para dar o bote a minha frente. Mas, ao em vez de olhar para seus olhos frios e ferozes, observei o que estava além dele.

Ofeguei.

Por mais que tentasse, não conseguia desviar meus olhos de duas esmeraldas que me fitavam de forma desconcertante e com ligeira curiosidade.

Hoje, com toda a certeza, pude ter o privilegio de visualizar a perfeição em pessoa.