Abri meu olhos com um clarão, parecia que tinham posto o sol na minha cara. Quando enfim me acostumei à luz, percebi que estava no meu quarto.

Uma criatura estranha estava sentada em uma cadeira ali perto, parecia um minotauro, mas tinha um ar muito delicado e asas enormes. Quando o vi, estava distraído, mas logo olhou para mim e, prontamente, levantou-se:

—Está tudo bem, Cupido Julieta?

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—Por que não estaria? — neste momento eu me lembrei de tudo que tinha acontecido no quarto da Jade, mas só lembrava até minha visão ficar toda escura — ei, como eu vim parar aqui na minha cama?

—Desmaiaste no quarto de outra cupido e foste trazida ao teu até que despertasse. Agora, desperta e bem, peço que me siga.

Ele pôs-se a andar, levantei sentindo uma fraqueza estranha nas pernas, conseguia andar direito, porém devagar, então segui a criatura:

—Não sabia que anjos podiam desmaiar.

—Confesso que nunca havia presenciado tal situação.

—Você fala engraçado — ri — o que você é? Qual o seu nome? Pra onde você tá me levando?

—Vejo que tens um gênio curioso.

—Nem me fale…

—Sou um querubim, meu nome é Martin e estou levando-te ao encontro de Deus.

—O QUÊ?!

—Quer conversar contigo.

Não falei nem mais uma palavra. Senti um friozinho na barriga, não aquele bom de quando me apaixonei pela Claire ou de quando a gente desce numa montanha russa, mas aquele horroroso que eu sentia quando quebrava alguma coisa lá de casa, escondia, e dias depois minha mãe encontrava e me chamava pra “conversar”. Quando comecei a me lembrar das minha travessuras de quando era pequeno, minhas pernas ficaram muito fracas e eu caí no chão, Martin me ajudou a levantar:

—Tu consegues andar ou queres que eu carregue-a?

—Eu não sei. O que tá acontecendo?

Ele me pegou no colo, como os príncipes pegam as princesas dos filmes, e fomos pela estrada de ouro até uma mansão muito bonita e colorida, na qual entramos, Martin me levou até uma sala e me pôs no chão:

—Chegamos. Consegues andar?

—Sim.

—Então podes entrar, está esperando-te.

Entrei na sala, que era muito parecida com aquela do Gabriel, várias estantes (mas ao invés de fichas, tinham livros enormes) uma mesa e uma cadeira giratória, que estava virada pra trás:

—O Senhor queria falar comigo? — perguntei apreensiva.

A cadeira virou e me deparei com uma garotinha de pele muito negra e cabelos ondulados cor de prata, ela usava um vestido que parecia o universo e que tinha muito, mas muito tule:

—Foi — ela respondeu.

Fiquei abismada com aquela criança fofa:

—Você é… Deus?

—Sou ué. Por que o espanto?

—Não O imaginava como uma garotinha.

—Ah, não, não, essa só foi a forma que eu tomei pra falar com você. Eu não sou assim sempre. Eu sou mais assim — Ela apontou pra estampa de galáxia do vestido — sente-se, amiga, vamos conversar.

Agora, vendo que Deus era tão fofa, eu fiquei mais tranquila e deixei de sentir aquele frio na barriga, de quem aprontou. Sentei-me na cadeira e Ela começou:

—Você é bem curiosa, né, Julieta? — apenas baixei a cabeça consentindo — tudo bem, nas suas outras duas vidas era igual, e eu sabia bem da possibilidade de tudo dar no que deu.

—Como assim possibilidade?

—Você fez suas escolhas, Ju, que te levaram aonde você está agora. Se você, o Gabriel, ou qualquer amigo seu tivesse feito outras escolhas, você estaria em outro lugar.

—Acho que entendi.

—Certo. Você sabe por que é proibido saber das outras vidas?

—Nunca entendi.

—Você percebeu o quanto está fraca, Ju? Martin teve que lhe trazer até aqui no colo.

—É porque eu lembrei que fui o Jack?

—É porque uma alma só consegue suportar o peso de uma vida por vez. Você está carregando duas vidas, não vai aguentar.

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—Como assim não vou aguentar?!

Minha respiração começou a ficar ofegante, estava nervosa com que resposta Ela me daria:

—Eu vou lhe presentear com a eutanásia — Ela andou até mim e sentou no meu colo — Ju, se você continuar sua vida por aqui, vai ficar cada dia mais fraca, será cada vez mais difícil andar e voar, você vai ter de ficar acamada, não vai poder cuidar da Bia, nem ir à Festa dos Serafins, até que enfim não vai nem mais existir — lágrimas começaram a sair dos olhos dEla assim como dos meus. Ela limpou minhas lágrimas e depois as dEla — você pode escolher esperar ou ir embora agora.

—Ai meu Deus.

Ela me abraçou e eu chorei por um bom tempo, tive a impressão de que ela chorava também, mas um choro silencioso. Quando me recompus, Ela levantou e perguntou quase sussurrando:

—Então, o que vai ser?

—Posso me despedir dos meus amigos e da Bia antes?

—É claro. Seus amigos estão lá fora, mandei que explicassem a situação e chamassem todos.

Ela ficou na ponta dos pés e beijou minha testa, eu levantei e saí da sala. Martin pegou minha mão e me conduziu para fora da mansão, no caminho ele sussurrou “sinto muito”.

Assim que saí, me deparei com o Isaque, que me encarou com um olhar sinistro:

—Era por isso, né, Julieta? Aquelas perguntas estranhas, aquele negócio de dormir e sonhar, aquele caderninho idiota… Caramba eu não tô acreditando. Como você pode, cara? — ele falava com uma voz firme e furiosa, sem nunca parar de mexer as mãos — se eu soubesse, eu teria te falado tanta, mas tanta coisa que você não ia nem pensar em fazer isso de novo... — ele parou de falar no nada e ficou me encarando, os olhos dele estavam marejados — o que eu vou fazer sem você? — ele perguntou baixinho.

—Me desculpa.

Ele passou a mão no meu cabelo e me abraçou:

—Você quer se despedir da Bia? Eu te levo, me disseram que você tá fraca.

Fiz que sim com a cabeça e fomos. No caminho ele teve que me ajudar várias vezes porque eu estava com dificuldade pra voar.

Chegamos em um quarto, Bia estava sentada mexendo no computador, ela estava tão diferente, de cabelo curto (não a via de cabelo curto desde que ela era um bebê) e várias tatuagens. Na cama do quarto, Pedro estava sentado, também mexendo no computador.

—Quanto do tempo daqui eu passei desmaiada, ou sei lá?

—A Bia vai fazer 23 esse ano.

Olhei para a Bia, ela estava linda, sempre fora linda, eu a amava. Ela era uma mulher incrível, inteligente, livre, independente e amorosa, naquele momento achei que ela era como a Claire, mas a Claire eu via com amor romântico, a Bia era como uma filha ou irmã pra mim, passei a mão no cabelo dela, que agora não tinha mais nenhum cachinho, só ondas:

— Obrigada.

Eu abracei-a forte, muito forte, não era fácil saber que era a última vez que a abraçava, que a via. Minha vítima, não, minha humana, como Jas e Alec falavam. Quem seria o cupido dela agora? Será que cuidaria dela bem? Será que a faria sofrer? Tiraria o Pedro dela?

—Pedro, eles tão aqui! — Bia exclamou.

Pedro levantou os olhos para ela:

—Eles quem? Os seus anjos?

—É — ambos sorriram e os olhos verdes de Pedro brilharam — oxe, mas eles só aparecem nos momentos mais felizes e mais tristes da minha vida, e agora eu só tô estudando.

—Vai que é um dos momentos mais tristes ou mais felizes da vida deles.

—Verdade. Espero que seja um momento feliz.

Ambos voltaram ao que estavam fazendo e eu olhei para o Isaque, nem precisei dizer nada e ele começou a explicar:

—Tá vendo a maior tatuagem no braço esquerdo da Bia? — havia um anjo, parecia mais um serafim — ela fez essa tatuagem porque muitas vezes sente quando eu, você ou nós dois estamos com ela.

Sorri, triste e feliz ao mesmo tempo:

—Melhor voltar.

Na volta, novamente precisei de bastante ajuda do Isaque pra voar, quando chegamos ao céu, ele me deu um abraço forte e voltou pra terra, disse que não conseguia se despedir e não sabia o que dizer, que era doloroso demais. Eu o entendi.

Vi todos os meus amigos, tanto do prédio de Fortaleza quanto do Rio de Janeiro esperando para se despedirem. Lola foi a primeira, veio correndo e estava gritando histericamente, as outras estavam logo atrás:

—Ah, Ju…. Eu te disse pra tomar cuidado, eu disse! Sarinha, eu e Bela tínhamos conversado sobre aquele seu caderno, todas nós achávamos estranho, juntamos os pontos e finalmente a Sarinha falou que achava que você estava tentando descobrir sua vida antiga. Eu fiquei balançada com a ideia, mas a Bela te defendeu, disse que você não faria isso e que nunca sacrificaria sua vida com a Bia, ela disse que sabia o quanto você a amava…

—Pelo visto eu tava errada — Bela interrompeu friamente.

—Não sobre meu amor pela Bia — respondi.

— Como você pôde, Julieta? E a Bia?

—Eu sei… Eu não sei, na verdade.

Eu me sentia tão envergonhada e arrependida, mas era irreparável, agora eu lembrava da minha vida antiga e de um jeito ou de outro eu morreria.

—Vamo logo com isso, por favor… Dói — Sarah disse.

Lola me abraçou forte:

—Não acredito que não vou mais te ver, sério, essa ideia não entra na minha cabeça, então… A gente se vê — ela me olhou com os olhos muito vermelhos e lacrimejando — no… Na Festa dos Serafins, né?

—Claro.

Ela saiu correndo tão rápido que começou a voar.

Bela foi a próxima:

—Você me desapontou, Julieta.

—Se você tivesse sido a única…

—Mas não é a primeira vez… Eu gosto muito de você e sempre gostei, sempre quis cuidar de você, por mais que eu não demonstre da melhor forma. Sou cupido, minha alma nasceu cupido e nunca morrerá, fui feita pra cuidar sem ser vista nem ouvida, pra cuidar de quem está num plano diferente do meu. Você entende?

—Eu entendo sim.

—Não quero dizer adeus, assim como a Lola.

Ela pegou minha mão e a apertou muito forte, eu percebi que junto à minha mão, ela também segurava o choro. Eu a abracei e ela devolveu o abraço, quando nos soltamos vi as lágrimas escorrem dos seus olhos verdes ao seu rosto perfeito. Ela saiu sem dizer mais nada.

—Ah, Ju… — Sarinha disse tristemente — achei que ficaríamos tão distantes quanto a Bia e a Lu, não tanto quanto nós éramos distantes delas.

—Eu vou levar pra outra vida tudo que aprendi com você.

—O que eu te ensinei?

—Você me ensinou sobre respeito e liberdade. Obrigada por ser minha amiga desde sempre, Sarinha. Você foi minha primeira amiga dessa vida e eu espero te ver na outra.

Estávamos ambas chorando:

—Por que você tinha que ser tão doidinha?

Ao mesmo tempo limpamos as lágrimas uma da outra e rimos da nossa sincronia:

—Dá um jeito de se cuidar, por favor… Eu confesso que minha ficha não caiu e eu não tô entendendo nada...

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—Nem eu

Sarinha me deu um abraço e saiu devagar, meio desnorteada.

—Ju! — Jasmim disse, estava com Alec e Mari junto — eles… Eles ficam juntos no final.

—O quê?!

—Sim — Mari disse sorrindo, pondo a mão no meu ombro.

Alec tomou a palavra:

—Umas semanas depois da Bia ter ido morar no Rio, o Eduardo foi atrás da Clara e falou aquilo que a Jasmim disse…

—É — Jasmim continuou — sobre a Bia ter sido a forma que Deus inventou de fazer eles terem alguma ligação, aí ele se declarou, a coisa mais linda.

—Ela ainda relutou um pouco — Alec disse — mas acabou cedendo e se abrindo pro amor. Eles estão juntos, Ju, estão juntos!

—Só achamos que você merecia saber disso — Mari falou — é bom ter uma notícia boa num momento… Assim.

Sorri:

—Eu precisava, e precisava saber disso antes de ir.

—Eu não quero que você vá — Mari lamentou — ainda tínhamos o que viver juntas, Ju.

Mari me abraçou e foi acompanhada pelos outros dois cupidos, antes de irem Mari soltou um “você é incrível” que encheu meu coração, por mais que logo menos eu partiria e não me lembraria mais.

—E agora?! — Marcus surgiu, com Jade ao lado, que ficou muito quieta — Como eu vou saber se a outra cupido vai gostar do Pedro também? E se ela deixar de lançar as flechas? E se…

—Também me fiz essas perguntas e a verdade é que não dá pra gente controlar tudo, basicamente, naquele mundo ali — apontei pra baixo — acontecem coisas boas e ruins.

—E nesse também — ele me abraçou — eu precisava de você até o fim da vida deles, mas tudo que aconteceu nesses anos já foi lindo, sou grato.

Depois que Marcus foi embora, finalmente Jade, que até então estava calada observando, se aproximou:

—É a segunda vez que tenho que te ver indo embora, Jack, meu coraçãozinho não aguenta.

—Parece que em nenhuma vida eu duro muito.

—Acho que sua alma é hiperativa. Espero que na próxima vida você seja mais tranquilo.

—Tu acha que dá?

—Na verdade não… Mas eu vou te ver, disso eu sei… Desculpa, tá? Eu não devia ter feito aquilo, ter mostrado a ficha.

—Não precisa se desculpar, a errada sempre fui eu, eu nem merecia ser cupido, fiz tanta merda que você não tem noção, nem sei como durei tanto. E Obrigada por ter cuidado de mim quando eu era Jack.

Ela sorriu e me abraçou:

—Dessa vez não vou chorar. Tenha uma nova vida linda.

Gabriel e Miguel apareceram.

—Hora de ir — Miguel disse triste.

—Eu acho que… — Gabriel hesitou — lhe devo desculpas.

—Não, Gabriel, você não deve — pus a mão no ombro direito dele — eu sou muito curiosa, e esse é só seu jeito.

Miguel sorriu e piscou os olhos me agradecendo, percebi que ele estava tomando as dores do amigo, que se sentia culpado pelas bobeiras que falava. Sorri de volta.

—Sendo assim, até algum dia — Gabriel disse e me empurrou.

Comecei a cair do céu, tentei voar por impulso, estava com medo, mas não consegui, não por fraqueza, nem sentia mais a fraqueza, imagino que já estivesse deixando de ser um anjo. Mas, espera, em algum momento eu fui um anjo?

Quem sou eu?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.