Mirror

Paraíso sombrio


Escutem o bater dos martelos, escutem a batida nos pregos!
— Biblioteca de Almas,
Ransom Riggs

Após uma viagem estonteante e perturbadora com Pierre nos guiando, chegamos no Recanto em 3 segundos, literalmente. O lugar era moribundo, trilhas repletas de dejetos se estendiam próximas a um rio negro. Meus pulmões ardiam devido ao cheiro de enxofre, srta. Peregrine sugeriu que cobríssemos o nariz. Para disfarçar o medo, algumas das crianças andaram de mãos dadas ou abraçadas. Richard cobriu Marie com o único casaco que ele levava. Quando Enoch os viu, emitiu um gemido e franziu os lábios, seguindo em frente. Resolvi me unir a ele.

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— Então... - tentei encontrar a melhor forma de começar uma conversa com alguém que estaria mais do que satisfeito se morasse num cemitério - O que aconteceu com você?

— O que quer dizer?

— Você disse que sente um vazio no peito. Quem era a garota e o que ela te fez? - Enoch deu um sorriso de soslaio, mas por dentro, seu coração deveria estar desgastado e dolorido.

— Eleonor não era como Marie. - disse ele, espiando a garota com um olhar perdido - Ela era um amor de pessoa, descobri que gostava de mim na pior circunstância possível. Ela morreu nos meus braços, assassinada por um normal que estudava na mesma escola que a gente. Ele não gostava de mim e tinha um amor doentio por Eleonor.

— Sinto muito. - sussurrei, como tentativa de melhorar a situação, apesar de eu não ter tantas esperanças.

— Mas e você? - ele quebrou o silêncio - Parece que Cassie é mais importante pra você do que eu imaginava.

— Sim, e é. Mas não é só por causa dela. Meu irmão me decepcionou por completo, nunca o vi tão ambicioso daquele jeito. Ele nem deu a mínima para mim. - falei - Jason já me trancou num porão e fingiu a minha morte só para me proteger do mundo. Acho que sua concepção de tutela é tão peculiar quanto ele.

O garoto sorriu com mais sinceridade, deixando-me confuso.

— Você fala de um jeito estranho. - explicou - Não é tão diferente de um professor. - antes que pudesse dizer mais uma coisa, eu parei repentinamente. Enoch, obviamente, notou e me lançou um olhar preocupado, pelo menos o que parecia ser. Aquele era meu sonho. Um sonho que nunca se concretizaria - Você está bem?

— S-Sim. Só preciso respirar.

— Hmfp! Prefero morrer sufocado a dar um suspiro no que as pessoas chamam de ar por aqui. - seguimos em frente, passando por gente estranha. Figuras pálidas, magricelas, corcundas e assustadoras passaram por nós enquanto caminhamos. Já teria perdido a conta de quantas vezes eu olhei para longe daquele vislumbre apavorante.

Srta. Peregrine parecia saber exatamente onde queria nos levar, era uma sensação estranha. Apesar do rio de fumaça que tornava a respiração algo terrível, ainda pude pronunciar algumas palavras.

— Senhorita, desculpe-me a indelicadeza, mas tem certeza que sabe o que está fazendo? - Emma, ao ouvir a pergunta, puxou-me para perto, pressionando o dedo indicador contra os meus lábios. Nossa mentora não havia prestado atenção.

— Nunca duvide de uma ymbryne, Millard. - falou tão baixo que quase não ouvi - Muito menos de uma tão competente quanto a srta. Peregrine. Você não sabe o quão difícil deve ser para ela estar no mesmo lugar que Caul.

— Na verdade, não visitaremos Caul. - srta. Peregrine afirmou, deixando mais que notável o fato de ela ter escutado tudo. Estremeci por dentro e por fora. Emma fez o mesmo, tenho certeza - Pelo menos, não prontamente.

Ela atirou mais dúvidas contra minha cabeça, mas não tínhamos uma opção melhor senão seguí-la. Mesmo que quiséssemos nos aventurar na Rua da Depravação, nas tubulações do Recanto ou até Beco dos Canibais, Alma não nos permitiria. Emma estava certa ao relevar a competência de nossa mentora. Era o dever de uma ymbryne manter suas crianças a salvo, assim como um pássaro faria aos seus filhotes. Alma tinha essa habiliadade peculiar de transmitir paz.

Srta. Peregrine, por fim, nos guiou até um estabelecimento velho e abandonado que possuía mais do que três andares. Não me passou uma gota sequer de segurança. De qualquer forma, nada desse lugar me deixava confiante. Na parte superior da fachada do prédio tinha um nome escrito; algumas vogais e consoantes estavam desbotadas, mas consegui ler.

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A pergunta que não abandonava minha cabeça era "por que precisaríamos de um advogado por aqui? No Recanto deve ser raro encontrar uma atividade ilícita, muito menos alguma razão para terem um escritório desses neste lugar."

— É aqui que encontraremos Cassie? - Alex questionou, cético, evitando o máximo mover as asas. Cada vez que o fazia, o barulho era ampliado em pelo menos 3 vezes. Não queríamos chamar mais atenção - O que um lugar como esse pode ajudar?

— Venham. - foi tudo o que a ave nos falou. Copiamos cada passo, respirando com menos dificuldade cada vez que prosseguíamos. O ambiente parecia mudar de figura, tornando-se mais aconchegante e fictício. Tapetes persas rubros se estendiam pelo chão empoeirado, era como se estivéssemos num museu. Várias imagens de mulheres, homens e animais peculiares, como urxinins emolduravam as paredes brânquidas e cheias de mofo.

Não vai deixá-lo aqui, vai?— ouvimos alguém dizer. Pelo fato de a voz estar abafada, presumi que seu dono deveria estar em um cômodo - Ele é perigoso, senhor. Não podemos confiar nele!

Nim, controle-se, por gentileza.— mais uma voz se originou, como resposta à primeira. Quando Alma a ouviu ficou abismada. Seus olhos se arregalaram e se encheram de lágrimas (se eram de emoção ou de medo eu nunca soube) - Sharon é um necessitado. Devemos dar nosso total ap-

Crack!

Um estrondo de vidro se estilhaçando no chão. Ao olharmos para trás, notamos que Claire fora a responsável. Praguejei silenciosamente e mordi o lábio inferior. Estávamos perdidos. Uma porta, à nossa lateral, fora aberta, revelando duas pessoas. Uma delas eu já reconhecia de algum lugar. Sim! O homem da fotografia que srta. Peregrine certa vez me mostrou. Ele não estava diferente em sequer um ponto. O segundo era um homem pequeno e de aspecto curioso. Ele me transmitia um nervosismo tão grande que decidi não encará-lo.

— Alma? - o mais velho questionou, tão focado na imagem de nossa mentora, que nem deve ter notado as crianças que a acompanhavam. Era o homem que estava falando até ser interrompido pelo barulho.

— Olá, Myron. - respondeu com certa frieza - Há quanto tempo.