Minha Gotinha de Amor

Duas verdades, vários "Ah, meu Deus!"


– Oi, você – Hanna sorriu docemente ao entrar sem cerimônias no quarto de Aria, que levantou os olhos de seu exemplar de Madame Bovary e recolocou o marca-páginas entre as folhas.

Aria estava prestes a sair do quarto de Mike, há poucos momentos atrás, quando ele adicionou a informação de que Hanna perguntara por ela na escola e que a mesma devia agora estar à caminho para ver como estava a amiga.

– Oi, invasora – disse Aria, fingindo estar entediada.

– E aí? – Hanna sentou-se na cama da amiga – Ainda está com febre emocional?

– Eu não... – Aria balançou a cabeça – por que todo mundo anda dizendo que eu estou com febre?

– Você entendeu. Por que não apareceu hoje? Ainda está frágil por causa do Ezra?

Aria suspirou, colando as costas à parede também. Era por isso que nem sempre era eficaz conversar com Hanna sobre sentimentos. A garota era muito direta e parecia levar a maioria das coisas na brincadeira. É claro que esse era um fator bom também. Às vezes Aria sentia que Hanna não se surpreendia com nada, afinal ela agia como se tudo fosse casual. Como a primeira vez que Aria a contara sobre Ezra. Hanna sorrira de um jeito malicioso e perguntara “então, como é o beijo de um professor?”.

Não haviam sido muitas as vezes que Aria e Hanna abriram seus corações uma para a outra, mas mesmo sendo relativamente poucas, tais vezes eram de fato memoráveis. Como o dia em que Alison forçara Hanna a contar às meninas sobre seu primeiro beijo. Com o irmão de Aria.

Na época, há mais ou menos dois anos, Hanna ainda era gordinha, insegura e obrigada a aguentar as ofensas lançadas a ela de modo doce por Alison – para não parecerem mesmo ofensas. Certa noite, as cinco meninas estavam na casa de Aria curtindo uma das tão comuns festas do pijama que costumavam organizar de vez em quando. Alison então começara a encrencar com Hanna a respeito de comer demais. O discurso principiara-se como sendo apenas “conselhos de uma amiga” mas Alison passara dos limites e Hanna mostrara-se ofendida como nunca. Batera a porta do quarto de Aria e descera em direção à cozinha.

De acordo com Hanna ainda naquela mesma noite durante sua “confissão”, ela passara um considerável tempo afogando suas mágoas em um pacote dos mesmos biscoitos que Ali a proibira de comer. Mike, com treze anos na época, entrara desavisado na cozinha e se deparara com Hanna, que desabafara com ele enquanto tentava parar de chorar. Mike, então, consolara-a ingenuamente com as palavras “eu não acho que você seja nada disso que Alison disse” dando-a um beijo casto em seguida.

Ela apenas não sabia que Alison ouvira quase tudo e iria obrigá-la a cortar às meninas usando uma simples e venenosa justificativa: “Aria vai te odiar para sempre por isso. Eu sei.”. E enquanto Hanna tentava ganhar tempo implorando à Ali para que não a fizesse dizer nada, as três outras garotas desceram para ver o que estava tomando tanto o tempo das duas no andar de baixo.

– Eu não gosto dele desse jeito – dissera Hanna definhando-se em lágrimas de uma vergonha desnecessária frente às meninas e apenas com Ali ao seu lado, como num interrogatório – E sei que ele também não. Mike só quis fazer com que eu me sentisse melhor – ela passara as mãos pelos olhos, parecendo inspirar uma dose de coragem – e eu me senti. Só não quero que você me odeie – ela lavantara o olhar para Aria, que estava tão pasma em ver o quanto aquela menina parecia sofrer quanto o resto do grupo, mas uma vez que dera um passo na direção de Hanna, a abraçara sem exitar.

– Eu não odeio você – garantira numa voz macia – Nunca a odiaria por uma coisa assim – e foi então que Aria cuspira as palavras mais cheias de indignação que já pronunciara na vida, fitando Alison, que permanecia de braços cruzados e com um milímetro de um sorriso pretensioso nos lábios – Isso foi nojento, Ali!

– Ei, eu só estava tentando ajudar! – a loira defendera-se.

– Queria nada! Queria era envergonhá-la! E quer saber? Não conseguiu. Porque ao contrário de você, nós todas aqui somos boas amigas.

Aria cruzara um braço pelas costas de Hanna e a guiava de voltar para o quarto, seguida por Emily e Spencer, quando virara-se para fitar Alison por uma última vez.

– Se você não aparecer lá em cima em cinco minutos com um pedido de desculpas na ponta da língua, pode ir começando a procurar por outro grupo de amigas.

Enquanto as quatro subiam as escadas após terem deixado Alison para trás na cozinha, Hanna murmurara um “obrigada” em tom aliviado para Aria.

– Eu tiro meu chapéu para você, Aria – dissera Spencer – Isso foi lindo.

Ninguém respondera por um tempo. Hanna voltara a chorar encolhendo-se no sofá de dois lugares que Aria tinha em seu quarto.

– Daqui a pouco ela vai vir aqui se desculpar – dissera Emily numa voz calma, sentando-se à frente da loira – Você vai ver.

Hanna levantara o olhar devagar.

– Como pode gostar dela? – perguntara baixinho – Ela também faz isso com você. Faz com que seus segredos se tornem ameaças nas mãos dela para te machucarem depois.

Emily também não respondera de imediato. No ano anterior àquele, com então apenas catorze anos, ela havia se assumido como lésbica para o grupo. Tal fato nem de longe alterara algo na amizade das cinco, ainda que Alison sempre aparentasse saber muito antes de Emily confessar. A loira sempre fizera piadinhas a respeito da sexualidade de Emily e a frequência de tais parecera aumentar uma vez que não havia mais segredos. Porem, mesmo Emily nunca tendo dito com todas as letras “eu estou apaixonada pela pessoa que pisa em mim diariamente a respeito disso”, sempre fora bastante óbvio. Afinal, a morena saía constantemente em defesa de Ali, fosse a respeito do que fosse. Sempre acreditara no lado doce dela, mesmo que às vezes tal parecesse não existir.

Ainda atualmente, já tendo namorado várias garotas e desenvolvido algum tipo de sentimento especial por cada uma, seu instinto protetor em relação à Ali não a havia abandonado, embora não houvesse mais paixão ali.

Demorara um pouco mais do que apenas cinco minutos, mas Alison finalmente subira ao quarto de Aria ainda naquela noite com um pedido de desculpas na ponta da língua, gesto que, de certa forma, deixara todas de queixo caído. Era possível enxergar um tom avermelhado em torno das irís azuis da garota, indicando que ela havia chorado também, talvez de raiva por saber que tinha que fazer aquilo, considerando-se que ela era Alison DiLaurentis e nunca se curvava a ninguém. Mas algo em sua expressão cabisbaixa denunciava real tristeza, como se ela estivesse genuinamente com medo de perder a amizade daquele grupo.

E desde aquela noite, a Abelha Rainha Má de Rosewood High passara a ser simplesmente a Abelha Rainha que aprendera a elogiar estranhos de vez quando e que com certeza não maltratava mais ninguém.

Obrigando-se a voltar à realidade, Aria percebia que tal vitória – que de tão grande chegava a assustar alguns às vezes – havia escapado de sua mente assim como a cena da “ação lésbica” entre Natalie Portman e Mila Kunis em Cisne Negro. Mike havia mostrado ser capaz de ser uma boa pessoa antes daquela tarde – muito antes, aliás – e Hanna era de fato extremamente sensível, ela apenas cansara de sofrer por causa disso e deixara o sarcásmo servir como escudo. Aria sentiu-se extremamente egocêntrica por nunca ter percebido tais coisas mais cedo.

– No que está pensando? – a voz naturalmente alegre de Hanna fez Aria tremer.

– Não em Ezra – ela respondeu, um tanto evasiva e pela primeira vez não se sentindo culpada em admitir a verdade.

– É mesmo? – a loira riu levemente – E o que você tomou para esquecer dele tão rápido? Álcool, pílulas ou algo mais drástico? Algo que possa ter te deixado mentalmente incapaz de ir à escola hoje?

Aria riu também e retribuiu uma cotovelada carinhosa de Hanna, recostando a cabeça no ombro dela.

– Perguntaram muito por mim hoje?

– O usual quando alguma de nós resolve não aparecer. Algo do tipo “ela deve estar vomitando em casa ou com diarreia”.

Aria não riu desta vez. Com muito esforço conseguiu escutar, afinal seu coração palpitava de ansiedade para fazer a pergunta seguinte.

– E Spencer?

– Por que o interesse especial? – Hanna baixou o olhar para Aria, sorrindo de um jeito curioso para ela.

– Não sei – Aria esquivou-se – Acho que é porque ela passou a tarde comigo ontem e nós... bem, ela fez com que minha “ressaca pós-término” me deixasse quase que totalmente.

Aria fechou os olhos ao finalizar a frase e esperou que Hanna estranhasse o fato de Spencer ter escolhido passar a tarde apenas com uma integrante do grupo. Não que fosse algum tipo de lei que nenhuma delas pudesse optar por fazer planos separadamente, mas ainda assim era inusual.

– Spencer estava meio esquisita hoje – Hanna informou depois de um tempo, como se realmente não entendesse.

– Defina “meio esquisita”.

A loira suspirou.

– Quando eu penso em Spencer, “extrovertida” não é a primeira palavra que me vem à cabeça. Sabemos que a timidez faz parte da personalidade nerd dela. Mas hoje foi um pouco demais. Quase não ouvimos a voz dela o dia inteiro e as olheiras indicaram que provavelmente ela passou a noite em claro.

– É sério? – Aria não sabia se ficava feliz ou triste ao ouvir aquilo.

– Sim. Quer dizer, até aí tudo bem. Não há ninguém que vire uma noite estudando tanto quanto ela. Mas a parte ruim é que... ela não me viu, mas eu a vi pegando do armário um frasco daqueles comprimidos minúsculos que ela costumava tomar para não dormir. Depois ela colocou um na boca como se fosse tão natural quanto chupar um halls.

Aria desencostou a cabeça do ombro de Hanna.

– Quer dizer anfetaminas?

A loira confirmou, desconfortável, e Aria murmurou um “de novo não”.

Spencer já havia tido um passado quase trágico envolvendo anfetaminas. Há mais ou menos um ano, ela passara a tomar dois comprimidos ao dia, periodicamente, o que a fizera perder o apetite e, consequentemente, emagrecer. Tudo para não dormir e não ter que sonhar com o momento em que vira o namorado Alex sendo empurrado para dentro de um carro de polícia, com os braços atrás das costas e os pulsos algemados.

A garota passara dias apenas devorando cada livro que possuía em seu quarto, alguns até por repetidas vezes. Mas felizmente Spencer soubera a hora de dizer chega e recomeçar a viver. Seria simplesmente um caso extremo de egocentrismo se Aria começasse a pensar que Spencer não estava querendo dormir por medo de sonhar como o momento em que fora “rejeitada” por ela. Era ridículo.

– Foi a única vez que você a viu fazendo isso? – Aria esforçou-se para não gaguejar.

– Foi. E talvez não seja como da última vez. Talvez ela só esteja querendo se concentrar em algum teste importante.

– É, provavelmente – Aria permitiu-se sorrir e aliviar-se ao ouvir Hanna supondo tal coisa. Depois de sua mãe, Spencer era a pessoa mais sensata do mundo. Ela não iria andar na mesma trilha sabendo que poderia acontecer algo errado.

– Então – Hanna animou-se –, qual foi a aventura de vocês duas ontem?

Aria suspirou novamente. Não queria ter que explicar o fiasco com o nome de Kristen Cullen. Mas queria falar com alguém a respeito do que havia acontecido entre ela e Spencer e a mente aberta de Hanna era um fato convidativo. Aria então respondeu à loira com outra pergunta.

– Se eu te contar uma coisa... promete que não vai pirar?

Hanna arqueou uma sobrancelha.

– Lembra que Emily nos perguntou a mesma coisa antes de se assumir?

– Lembro – Aria replicou, sem graça, querendo na verdade dizer ao nas linhas de “quanta ironia, não?”.

– Alguma de nós pirou?

– Não. Mas todas nós sabíamos que algum dia isso ia acabar acontecendo. E se o que eu tivesse para contar fosse algo... inesperado?

– Confie em mim – Hanna deu uma leve risada – Nada pode ser tão inesperado quanto seu primeiro beijo com Ezra em um bar depois de apenas quarenta e cinco minutos de conversa.

Aria tentou rir também. Sim, iniciar uma sessão de amassos com um cara nove anos mais velho e, até então, estranho, não era mesmo típico dela. Ainda mais se for considerado que tais amassos os leveram direto ao banheiro masculino – felizmente vazio na hora. Mas o que estava para vir era, de certa forma, bem mais inesperado.

– Eu meio que... comecei a sentir coisas por alguém – Aria disparou em um modo lento, novamente apertando o botãozinho de foda-se em sua mente – Coisas que eu nunca havia sentido antes por ninguém a não ser por Ezra.

O rosto de Hanna se iluminou e ela abriu um sorriso.

– Srta. Montgomery é tão rápida no gatilho! Quando tudo isso começou?

Surpresa pela pergunta imediata de Hanna não ser “quem?!”, Aria apenas deixou uma única palavra escapar de seus lábios, esperando por mais perguntas.

– Ontem.

Dois segundos de silêncio se seguiram e Aria, mesmo olhando para as mãos, teve certeza de que Hanna juntava as sobrancelhas numa expressão adoravelmente confusa.

– Mas... você acabou de dizer que passou a tarde de ontem com Spencer.

A morena olhou para a amiga finalmente e deu timidamente de ombros, mordendo de modo sutil o lábio inferior. Assim que os olhos azuis de Hanna arregalaram-se de um jeito gritante, Aria soube que ela havia juntado dois mais dois.

– Ah, meu Deus! – exclamou de um jeito cômico, como se estivesse em uma sitcom dos anos noventa. – Ah, meu deus! – repetiu, num tom de voz mais alto.

Aria ainda não via nenhum vestígio de sorriso naquela nova expressão, apenas espanto, e começou a se preocupar.

– Hanna, você prometeu.

– Como você não quer que eu pire? – Hanna agitou os braços no ar, levantando-se – Isso é... isso é... mesmo inesperado.

– Por favor – a morena suplicou, baixinho – Apenas finja que eu sou... uma segunda Emily. Por favor, eu realmente quero conversar com você sobre isso.

Em um piscar de olhos, Hanna deixou os braços caírem junto ao corpo em rendição. Suspirou e voltou a sentar de frente para Aria.

– Spencer? – ela agora falava suavemente, olhando nos olhos da morena – Tem certeza?

– Eu estou tentando entender, Han. Juro que estou. Só que não está sendo fácil.

– Mas... como assim? Em vinte e quatro horas você se tornou lésbica?

– Você sabe que não é desse jeito que as coisas funcionam – Aria murmurou como se falasse com uma criança.

– Eu sei. Desculpe – ela passou os dedos pelos olhos – Isso é assustador. Mais assustador que a verdade sobre Emily.

– Certo, não vamos julgar. Garanto que quando ela resolveu se assumir estava com tanto medo quanto eu.

Hanna baixou o olhar por um segundo, querendo dizer “desculpe” outra vez.

– Quando surgiu isso exatamente?

Aria pensou por um momento e respondeu com mais uma pergunta.

– Lembra da noite em que Mike beijou você?

A loira abriu um pequeno e doce sorriso.

– Lembro.

– Bem, você disse que Mike estava querendo fazer você se sentir melhor. E eu sinto que era isso que Spencer estava querendo fazer quando veio me ver no domingo.

– Sim, mas isso é diferente. Quer dizer, eu não me arrependo do momento que tive com Mike, mas você sabe que eu não sinto nada assim por ele, não é?

– Essa é a questão. Eu sei. – Aria sorriu para si mesma – Eu estava vulnerável e provavelmente foi a chuva e o clima para abraços confortáveis que mexeu comigo. Eu sou uma escritora amadora, você sabe que eu sou fraca para essas coisas.

Hanna sorriu mais uma vez.

– Certo, mas com isso você está descrevendo que foi como se tudo tivesse sido apenas algo de momento também. Só que você disse que está começando a sentir... coisas por ela – a loira fitou-a com mais cuidado – Como assim?

Aria suspirou novamente.

– Não estou dizendo que teria me apaixonado por qualquer uma de vocês se tivessem resolvido aparecer aqui no domingo para me consolar. Foi algo nela que me pegou, um brilho diferente no olhar ou algo assim – Aria escondeu o rosto entre as mãos por um segundo – Eu não sei, mas me pareceu que tudo nela foi dobrado a partir daquele dia. Ou até triplicado. O carinho, a doçura, a preocupação, a atenção aos detalhes... ela me fez biscoitos, acredita?

Hanna deu risada.

– Parece que você está numa grande enrascada.

– Eu sei – Aria grunhiu – Quer dizer, não sei. Literalmente não sei o que fazer.

A loira pôs a mão no ombro esquerdo de Aria.

– Acho que o que você tem a fazer agora é se perguntar se ela sente o mesmo por você, seja lá o que isso for. Porque se você sentiu que houve algo diferente, foi porque ela quis que você sentisse que algo estava diferente.

Aria permitiu-se sorrir para si outra vez. Queria olhar a amiga nos olhos e dar-lhe os parabéns, pois havia sido a coisa mais inteligente que ela já havia dito. Em seguida desistiu. Poderia soar ofensivo. Deitou a cabeça dengosamente em seu colo em vez disso.

– Então? – Hanna instigou suavemente, acariciando os cabelos da morena – Acha que ela sente? Porque eu, honestamente, depois de hoje não sei mais quem são vocês duas.

– Não seja dramática – Aria revirou os olhos – A verdade é que... eu não sei se tomei sorvete demais e fiquei empolgada por causa do açúcar...

– Opa! – Hanna interrompeu – Digo, ela te levou para tomar sorvete?

Aria aconchegou-se ao colo da amiga.

– Tecnicamente, ela me levou para jantar. Mas o que nós jantamos foi isso.

– Certo, eu estou oficialmente com inveja – a loira ironizou.

– Enfim – Aria fechou os olhos e visualizou pela enésima vez a cena da fatídica despedida. O açúcar não havia afetado seu sistema de percepção. Ela podia lembrar com extrema clareza de Spencer se aproximando lentamente e fechando seus próprios olhos, como se estivesse “sentindo o terreno”, para certificar-se de que estava tudo bem prosseguir. Aria não estava enganada. –, nós estamos no carro dela – disse, como se estivesse hipnotizada –, é noite. Um silêncio confortável e ao mesmo tempo não confortável nos envolve. Ela tenta me beijar. Eu recuo. Digo que não tenho certeza. E saio do carro.

Aria voltou a abrir os olhos e apreciou a sensação de alívio que era finalmente poder dizer aquelas palavras em voz alta e, se tal alívio não fosse tão bom, o silêncio que Hanna fez a preocuparia bastante.

– Ah, meu Deus – a loira repetiu outra vez. Agora um espaçamento de dois segundos separava cada palavra.

– Hanna, por favor, não recomece – pediu Aria fracamente – Eu preciso que você me leve a sério.

Mais um momento de silêncio.

– Se eu te contasse uma coisa inesperada, você acreditaria que estou te levando a sério?

Aria olhou para cima, nos olhos de Hanna. O tom de voz dela havia mudado. Parecia séria, quase desapontada. Ela não gostava de ser tratada como “a que faz pouco caso de todo mundo”, Aria sabia disso. E mais uma vez se sentiu mal por várias vezes ter pensado isso dela.

– Isso depende de o que você tem para me contar.

A loira olhou para a janela do quarto por um instante, durante o qual passou enrolando uma mecha do cabelo de Aria em um indicador. Parecia ponderar sobre se contava aquilo ou não. Continuava séria, e a seriedade de Hanna era algo que assustava.

– Lembra da Mona?

Aria piscou. Ouvir aquele nome naquela conversa era de fato inesperado. Mona Vanderwaal fora uma das pessoas para quem Alison tivera que pedir desculpas depois de sua “redenção” na noite da tão memorável festa do pijama. Alison costumava ferir a autoestima de Mona assim como fazia com Hanna, só que de modo ainda mais violento. Mona costumava se sentir impotente o suficiente para nunca revidar, exatamente como Hanna. Tais fatos possibilitaram que uma amizade crescesse entre as duas renegadas, algo que passou a existir desde que as duas tinham treze anos mas que não pôde vir à público até dois anos atrás. Alison nunca permitiria. Mas felizmente as garotas se mentiveram firme à promeça que fizeram à ela no dia da festa do pijama: ou Alison tratava de crescer, ou poderia esquecer daquela amizade. E a abelha-rainha do grupo resolvera então passar para “o lado branco da força”, deixando de vez de enfernizar vidas inocentes, como a de Mona. Porém, embora Alison tenha de fato ajudado Hanna e Mona a deixarem de ser renegadas – basicamente renovando o guarda-roupa das duas e colocando Hanna em um spa –, a amizade das duas ainda era algo meio exclusivo. Mona nunca estava nas “reuniões de grupo” e tinha seus próprios amigos – ou pessoas que a seguiam por todo lado, como pupílos. Era como se Hanna quisesse manter a garota longe de Alison para evitar um confronto, já que as ex-inimigas ainda não eram exatamente amigas.

– Claro que lembro – Aria respondeu, ainda sem achar sentido para aquela mudança de assunto – Por quê?

– Bem, a amizade dela é muito importante para mim, tanto quanto a de vocês, mas de um jeito diferente.

– Eu sei – Aria sorriu – Acho que mesmo que sejamos suas melhores amigas, nunca entenderemos você tão bem quanto Mona.

Por mais que Alison tenha bagunçado com a mente de todas em algum momento, ela nunca havia pejorado-as a respeito de suas aparências, ou se sim, nunca tanto quanto fizera com Hanna e Mona. Era entendível o porquê de as duas terem criado um laço como aquele. O restante das meninas não era de longe tão íntimo de Mona quanto Hanna era, e talvez isso fosse entendível também.

– Talvez não – Hanna replicou evasiva – E talvez nem mesmo ela me entenda totalmente.

– Como assim?

A loira suspirou. Havia muito daquilo por ali ultimamente.

– Eu me lembro de uma vez há pouco tempo... – ela começou, como se achasse certa graça da situação – quando Mona chegou à escola com os olhos vermelhos. Eu perguntei o que estava acontecendo e ela se recusou a me contar até que eu a arrastei até o banheiro feminino. Lá ela me abraçou e desabafou sobre Eric Kahn, o irmão do meio de Noel, ter rompido com ela.

Ah, sempre um do clã dos Kahn partindo corações!

– “Você olha naqueles olhos e acredita que eles te dizem a verdade”, ela disse, parecendo estar tão... quebrada – Hanna prosseguiu, e ainda que Aria não olhasse diretamente para a amiga, pôde distinguir sua voz embargada – Deus, me matava saber que ela sofria por alguém que desmerecia completamente qualquer lágrima. Eu queria que ele pagasse por tê-la feito sofrer daquele jeito.

E tal frase foi como um sonoro clique na mente de Aria. Ah, meu Deus!, ela sussurrou em sua mente. Onde ela já havia ouvido aquela exata frase antes? Ah, sim. Spencer.

– Mas mais forte do que qualquer vontade de vingança, foi o que eu senti ao vê-la chorar daquele jeito. Eu queria apenas... abraçá-la e ajudá-la a catar todos os pedacinhos daquele coração momentaneamente quebrado. Apenas...

Hanna partiu a frase ao meio, dando a entender que segurava o próprio choro.

– O quê? – Aria instigou, mas estava tão abismada com a similaridade dos fatos que já sabia o que Hanna iria dizer em seguida.

– Fazê-la se sentir melhor.

Aria sentiu uma lágrima escorrer de seu olho esquerdo, pela dor que ela sabia que Hanna sentia e que Spencer provavelmente sentia também, com a única diferença de que Ezra felizmente não tinha a mentalidade de um Kahn. Mas era a mesma dor, o mesmo diagnóstico. Aquilo a matava por dentro. E por um instante ela se perguntou se Mona também estava sofrendo naquele exato minuto da mesma coisa. Perguntou-se se teria Hanna tentado beijá-la também e se Mona também recuara, tudo para se sufocar em arrependimentos depois. Mas simplesmente não importava se Aria havia se arrependido tarde demais ou não.

Você está apaixonada, minha amiga, ela queria dizer à Hanna, assim como eu.