Minguante

An Endless Rain Fills My Heart


— Isso não é justo, Pyeha.

— Tem certeza que começar um debate sobre o que é justo e o que não é, Huanghu? — So fala num tom de voz baixo, comparado ao tom que sua esposa estava usando desde que invadiu a sala do trono para reclamar de mais alguma coisa que a deixou insatisfeita. Mas ele ainda carrega uma ameaça e uma intimidação para fazê-la parar e respirar fundo antes de continuar.

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— Você nem deu uma chance para Ju-yah provar seu valor.

Ah é, ela estava falando do filho dela, So se lembra. Ultimamente ele tinha desenvolvido a habilidade de ignorar tudo o que ela fala para poder focar em coisas mais importantes e urgentes, mas já que ela resumiu seu discurso e olha para ele com uma expressão de expectativa, ele não tem escolha a não ser respondê-la.

— Eu deixei você responsável por ele, mas o garoto não demonstrou progresso, — ele a lembra, insensível aos seus olhos lacrimejantes, — Se isso não é um sinal, eu não sei o que é.

— Ele é uma criança doente. Você não pode esperar que ele esteja no mesmo nível...

Ele é o próximo rei, — So finalmente ergue a voz ao interromper o argumento choroso de Yeon Hwa, mas então volta para sua postura indiferente ao voltar a ler seu pergaminho, — Ele precisa estar acima da média se você quer que ele suba ao trono. Não era esse o seu desejo? Por que está reclamando agora?

— Você nem o vê como seu filho, não é?

— Se eu não o visse como meu filho, eu o nomearia meu herdeiro e arranjaria boas esposas para ele?

— E quanto as irmãs dele?

— Elas estão vivendo bem, não?

— A cada dia que passa você se parece mais e mais com o falecido rei Taejo.

A comparação dela o faz parar tudo o que está fazendo e a encarar direto nos olhos. Yeon Hwa se encolhe sob seu olhar aguçado e tem o bom senso de olhar para o chão, mas So continua insatisfeito.

Ele está cansado dela o atormentando todos os dias, cansado das manipulações, cansado das encenações e dos grandes teatros quando ela tenta prendê-lo num jogo de culpa, acusando-o em público e vitimizando seu filho. Ele está cansado de suas falas chorosas, de seus olhos chorosos e de sua voz em tom súplica, quando ele sabe muito bem que é tudo fingimento, tudo parte de um plano para conseguir o que ela quer. Ele está cansado dela fazendo ele ser o vilão, fazendo ele parecer mais como um tirano e um rei sanguinário, transformando-o num homem que despreza seus próprios filhos e que não hesitaria antes de matá-los.

Enquanto isso, Daemok vai ser a vítima. Ela vai ser uma pobre mulher que se casou com um monstro e lutou para criar seu filho para ser um homem bom e sábio, que não fosse tão frio e vingativo como o Rei antes dele.

So não sabe como isso vai ajudá-la depois que ele morrer, mas esse é o plano que ela vem seguindo desde que ele emancipou os escravos e tirou o poder que os clãs tinham sobre ele.

A verdade é que ele não liga como o mundo o vê agora nem como o mundo o verá daqui a mil anos. As pessoas que realmente importam sabem quem ele realmente é, e como a máscara de Yeon Hwa é perfeitamente manipulada. Os outros são os outros, e ele não deve nada a eles.

Desde que ele enterrou o presente para sua mãe, So decidiu não buscar aprovação de pessoas que só buscam satisfazer suas próprias necessidades.

Um pouco de silêncio, no entanto, seria apreciado. E já que Yeon Hwa já alcançou um de seus objetivos, ele não tinha motivos para deixá-la continuar na Sala do Trono.

— Se eu sou mesmo como meu pai, — So aceita a acusação dele e ela treme de leve, — Então você deve saber que eu não vou ser tão tolerante da próxima vez que alguém como você entrar aqui e exigir justiça de mim, — ele se assegura de que ela entendeu sua ameaça, e que ele não está nem um pouco convencido com sua péssima atuação, — Agora vá, Huanghu. Pense bem no seu próximo ataque, e volte quando tiver uma ideia melhor. Eu quero ver quanto tempo você vai precisar para se livrar de mim.

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— A dor vai embora algum dia, Baek Ah? — So não pode deixar de perguntar em voz alta depois de um dia longo e cansativo enquanto eles caminham pelos corredores vazios e frios. Ao lado dele, seu irmão parece se incomodar com a pergunta. Ele fica em silêncio por alguns momentos e So consegue ver que ele também está tentando encontrar uma resposta.

Os olhos de Baek Ah ficam sem foco por um tempo, e ele sabe que ele está preso em alguma memória profunda e distante, então ele pisca e olha para o chão, refletindo sobre seus pensamentos e seu estado mental, até que consegue chegar a uma conclusão.

— Às vezes parece que ela foi, — ele finalmente responde, olhando para So com um olhar tristonho, — Mas então você percebe que não, ela não foi. Você só ficou mais forte para suportá-la um pouco mais.

So tinha chorado naquela manhã. Ele tinha acordado de um sonho bom e agradável e não tinha conseguido segurar as lágrimas ao abrir os olhos e ver que ela tinha sumido com o nascer do sol. Já fazia anos desde que ele sentiu o calor dela, e seu peito ainda doía como se fosse uma ferida aberta.

Ele definitivamente não está ficando mais forte e sabe que nunca vai.

— Então acho que vou ficar assim pra sempre.

— Hae Soo não iria querer que você passasse o restante dos seus dias sozinho, — seu irmão sugere, apesar de hesitar, pausando entre as palavras, falando lentamente ao oferecer uma outra solução, — Você poderia, talvez, achar outra pessoa.

So não responde, já que ele sabe que Baek Ah está plenamente ciente de que isso não é uma possibilidade para ele.

Na verdade, talvez não haja uma possibilidade dele se recuperar.

— Soo uma vez me disse que a solidão é o preço a ser pago para se sentar no trono, — ele explica sua situação para Baek Ah com sua mente novamente tomada por coisas que ela disse ou fez antes de deixá-lo, — O preço que paguei para ter minha filha foi perder a mulher que deveria ter sido minha esposa. O preço que pagarei para mudar a nação será o de nunca ser amado novamente.

Eles ficam em silêncio por um momento depois que ele acaba sua fala, e apesar de saber que é por causa do que ele disse, ele não consegue retirar suas palavras. E quando o silêncio tenso é seguido por um silêncio sem graça, ele sabe que é porque Baek Ah não encontrou um jeito de refutar sua lógica.

— Ainda assim, — seu irmão murmura depois de um tempo, um pouco sem jeito, — Nós não queremos que você sofra.

— E eu não quero que você seja um nômade pelo resto da sua vida, então me prometa uma coisa.

— O quê? — O pedido repentino parece assustar Baek Ah, que se encolhe em defesa, se preparando para escapar e fugir, e So não pode deixar de sorrir com a reação dele.

— Não é nada que você já não esteja fazendo, — ele tranquiliza o jovem, que mesmo depois de viajar pelo país por anos, ainda quer continuar a explorar, — O Príncipe Herdeiro tem uma saúde frágil. Ele pode não viver muito num lugar como esse se os nobres decidirem destroná-lo. A aliança com os Hwangbo não garante nada. Se o menino perder sua posição, Jung-ah e minha filha estarão em perigo.

So não precisa especificar que isso será quando ele tiver partido e seu filho finalmente ascender ao trono.

— Por que está se preocupando com isso agora? — Baek Ah pergunta em tom de bronca, e ele sabe que é porque puxou esse assunto de novo, — Você ainda tem muito tempo pela frente.

Ele não sabe disso. Ninguém sabe disso.

Perder tantas pessoas tão cedo na vida fez So perceber que ninguém nunca sabe quanto tempo eles realmente têm. O futuro é sempre incerto, não importa quantos planos você faça. E por isso, ao invés de planejar como ser um rei melhor, ele precisa garantir que as pessoas que ele ama estão seguras e protegidas.

Talvez seu pedido também seja semelhante a algo que Hae Soo tenha lhe pedido antes de falecer.

Talvez seja por isso que Baek Ah está olhando para ele com um rosto apreensivo.

E porque as suas preocupações não deveriam ser as preocupações do seu irmão, So sente a necessidade de tranquilizá-lo, coloca uma mão no seu ombro e bate de leve, como se sua morte não fosse um pensamento frequente na sua mente.

— Só pra eu poder ficar te lembrando sempre que te ver, — ele sorri, o provocando para fazê-lo relaxar e não passar o resto do dia se preocupando com coisas que ainda não são um problema, — Você não precisa se envolver. Só fique de olho nas coisas. Assim vou me sentir melhor quando eu partir.

— Você não vai a lugar algum tão cedo, — Baek Ah aponta firmemente, embora também esteja sorrindo, — Mas eu prometo.

— Trouxe algum relatório? — So pergunta a Jung antes que este se curve para cumprimentá-lo, já disfarçando mal a sua inquietação, e seu irmão sorri ao perceber.

— Da fronteira? Nenhum, — ele responde devagar e bem à vontade, claramente tentando provocar So ainda mais, — O que me trouxe hoje foram assuntos de família.

E já que dois podem entrar nesse jogo, So continua a conversa com o mesmo tanto de paciência e calma que ele.

— Sua esposa ainda não está à vontade por ser sogra do futuro rei?

O sorriso de Jung desaparece quando ele toca num assunto delicado para ele e sua esposa. Aparentemente, o casamento do filho de So com uma das filhas de Jung causou uma desavença entre ele e a esposa, já que a mulher não achava que fosse seguro para Seol. Mas quando ele decidiu prosseguir com o matrimônio assim mesmo, apesar da insatisfação dela, uma briga sem precedentes se iniciou, e demorou um longo tempo para o casal parar de viver como se estivessem em guerra.

Jung odeia brigar com a esposa.

— Não, não é isso, — ele responde entredentes.

— Você precisa parar de mimá-la desse jeito, — So o repreende, e ele não precisa dizer que dessa vez se refere a Seol, — Ou vai locomover todos os guardas e servos do palácio toda vez que ela disser que quer vir aqui?

— Bem, ela vai vir quer eu faça isso ou não.

— Chama muita atenção.

— Só se ela chegar sozinha, — ele argumenta, cansado dessa discussão repetitiva sempre que ele traz Seol, — Você precisa parar de se preocupar sempre que ela visita. Essa sua cara ansiosa e superprotetora é ainda mais assustadora.

— Alguma notícia dos anciãos Yoo?

Sim, pode se dizer que ele está se esquivando do assunto e o mudando para uma coisa completamente diferente. Mas a verdade é que sempre que ele pensa em Seol sozinha lá, ele pensa em todos os possíveis esquemas que os clãs possam estar elaborando e se ela vai ser pega no fogo cruzado.

Que nem a mãe dela.

Ninguém além dos que se envolveram diretamente sabem que ela é filha dele e de Soo – exceto talvez por Ji Mong, mas ninguém nunca sabe ao certo nada sobre o Astrônomo – então ele não teme pela vida dela. A única preocupação é, caso ele caia, a posição de Jung seja ameaçada ou ele seja forçado a tomar o trono dos Hwangbo, e assim, colocar Seol em perigo.

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Os medos dele, no entanto, não são os mesmos que o seu décimo-quarto irmão.

— Eu já falei. Eles estão de mãos atadas. Não só eles, todos os outros clãs perderam influência depois do que você fez anos atrás, — ele responde e suspira, como se estivesse cansado de repetir a mesma coisa de novo e de novo, o que bem pode ser o caso, — Não há perigo iminente. Agora relaxe e se assegure de viver bem.

— E os Hwangbo?

— Seu espião é Baek Ah-hyungnim, não? Eu já falei, não tem nada. Eles não são estúpidos, e o seu filho é a melhor chance deles conseguirem o trono.

As palavras fazem total sentido, mas desde que o complô para tirá-lo do poder foi descoberto e mais da metade de sua corte foi condenada à morte, ele tinha ficado meio paranoico.

— Ultimamente eu sinto que estou ficando louco.

Ele respira fundo, tentando se acalmar, e olha para as árvores distantes que cercam os salões de Cheondeokjeon. As folhas brilham sob o sol da tarde, e contrastam vivamente com o azul do céu.

Ele fecha e abre os olhos e está preso num sonho. Ele fecha e abre os olhos e está de volta à dura realidade.

Ao lado dele, Jung parece entender para onde sua mente foi, e em vez de falar no tom imperativo e argumentativo de general, ele se aproxima e fala com uma voz baixa e mais gentil.

— O aniversário da morte dela está chegando, não é?

— Ainda parece que foi ontem. — Os olhos de So não se afastam das árvores, mesmo que agora elas causem mais dor do que um alívio temporário por uma memória.

— Se Soo estivesse aqui agora, — seu irmão diz com um leve sorriso, — Ela diria para você pegar leve. Não só por você, mas por Seol também. Ela já tem pouco contato com você.

So concorda em silêncio, finalmente olhando para Jung antes de dispensá-lo rapidamente.

— Mande meus cumprimentos à sua esposa. Eu já vou

Ele finalmente a encontra no jardim, mas ela não está admirando as flores nem dando um passeio nesse clima agradável.

So a observa do mirante e tenta entender o que ela está tramando dessa vez, até que sua curiosidade o faz desistir de tentar adivinhar e ele pergunta em voz alta.

— O que você está fazendo?

Seol levanta o olhar quando ele a chama, mas parece estar mais satisfeita do que surpresa pela chegada dele. O rosto dela se ilumina e ela sorri com os olhos brilhando, estendendo as mãos acima da cabeça e acenando para ele ver o que ela está segurando.

— Pra construir a torre de oração perfeita, eu preciso encontrar o material perfeito, — ela explica por quê estava de joelhos na terra e então carrega seu saco de pedras e se aproxima dele. Sem dizer uma palavra ele estende a mão e toma o fardo pesado, e então os dois seguem para as torres de oração, — Agora que estou sendo preparada pra casar um dia, não sei quando vou poder vir visitar, então essa tem que ser especial.

— Você já não construiu o bastante? — O tom dele é de bronca, mas ele sorri, ele não consegue deixar de sorrir carinhosa e sinceramente sempre que está à sós com ela, e ela ri para ele, sem se importar com a provocação.

— Falta uma ainda.

So não reclama mais e apenas a acompanha para o local de sua mais nova criação, ouvindo atentamente enquanto ela passa as notícias de casa e dos lugares que ela visitou com Jung. Ele está tão imerso e absorto na voz e nas palavras dela, que o caminho até as pedras parece mais curto do que realmente é. E ele na verdade se irrita um pouco por causa disso, uma vez que, ao chegar, ela pára de falar e pega as pedras selecionadas da mão dele.

— Está pedindo pelo quê dessa vez?

Seol dá uma pausa antes de colocar o saco no chão, e então sorri ao se endireitar e finalmente respondê-lo.

— Por você e minha mãe.

Ele sente um arrepio subir e descer seu corpo inteiro sempre que ela se refere a ele como seu pai. Mesmo depois de anos que ela soube de tudo, a história de sua mãe, ele não consegue acalmar o coração acelerado sempre que ela não fala com ele como se ele fosse um tio ou um rei.

Ainda assim, sua nova missão o deixa um pouco intrigado.

— Mas você já construiu torres para nós.

— Eu construí uma pela sua saúde e outra pela memória dela, — Seol as indica e então usa os pés para nivelar o espaço que ela vai construir a nova, — Essa é para que vocês possam encontrar felicidade juntos, em outra vida.

Ela fala naturalmente e sem nenhum esforço. Como se ela estivesse certa que o reencontro deles é algo que definitivamente vai acontecer um dia, e que é responsabilidade dela interceder aos Ceús para que eles tenham mais tempo e mais memórias felizes na próxima chance deles.

Sempre que alguém menciona Hae Soo o coração dele dói, mas dessa vez ele também sorri e pensa na possibilidade de vê-la mais uma vez.

Como alguém consegue viajar entre mundos? Ele se pergunta, não pela primeira vez nem pela última.

— Você vai sujar suas roupas, — ele avisa sua filha, apontando para seu hanbok claro e limpo.

Ela dá de ombros, como ele esperava, e põe um fim a qualquer tipo de protesto com determinação.

— É por uma boa causa.

Uma atitude muito corajosa da parte dela, considerando que a esposa de Jung tende a fazer alarde sobre como ela não mantém boas maneiras e etiqueta em público, e de como vai ser difícil encontrar uma boa família disposta a aceitá-la em casamento. A imagem da sua filha adotiva coberta de terra e com os cabelos assanhados a faria causar uma cena, e ela reclamaria com ele e com Jung, dizendo que eles não deveriam mimá-la ou tolerar o comportamento dela.

So, por outro lado, ama vê-la selvagem e passional desse jeito. Vê-la inocente e alegre, e não fria e distante como ela sempre fica com estranhos; seus lábios se curvando num sorriso sincero e verdadeiro, ao contrário daquele outro frio e educado de quando ela não confia nos que estão em volta dela. Vê-la livre e contente, que nem a criança que ela um dia foi.

Faz com que ele se lembre da mãe dela.

No entanto, antes que ela se ajoelhe e comece a trabalhar na base de sua nova torre, So fala e a interrompe antes que ela se mova.

— Você não deveria estar lá também?

— Hm? — A pergunta dele a pega de surpresa e ela se vira para olhar para ele, seus olhos levemente arregalados e piscando rapidamente em confusão.

— Se você quer que eu e sua mãe nos encontremos de novo, — ele elabora, seu sorriso cresce ainda mais quando suas palavras trazem uma imagem à sua mente, — Você não deveria estar lá também?

Isso não é um assunto costumeiro para eles. Geralmente eles conversam sobre o presente e sobre o passado. Eles falam sobre o que fazem no dia-a-dia, sobre poesia, livros, armas, guerras, receitas de chá e de maquiagem. Ele ouve as dúvidas dela, e suas reclamações sobre sua família e sobre o mundo, e ela o ajuda a aliviar as frustrações de tentar mudar velhos senis de hábitos destrutivos. Ela pede que ele lhe conte histórias sobre Hae Soo e seu Príncipe, e ele conta aquela dos irmãos que não conseguiam entender o que era uma família.

Eles nunca falam sobre outras possibilidades para eles. Eles nunca falam sobre como seria se So e Soo se casassem e vivessem felizes para sempre, eles nunca falam sobre como seria se Seol crescesse com eles ao invés de ser criada pelo tio.

Eles nunca falam muito sobre como seria ser uma família completa.

— Você acha que ela iria me querer lá? — Ela pergunta olhando para o chão, uma rara expressão de insegurança da garota sempre alegre e confiante, — Ela iria me aceitar?

So não pode culpá-la por ficar ansiosa. Afinal, não importa quantas histórias ele, Jung e Baek Ah contem, não importa quantas vezes eles digam que a mãe dela ficaria orgulhosa, isso não muda o fato de que, para Wang Seol, Hae Soo é uma estranha, uma pessoa que ela nunca conheceu e nunca conhecerá – e também é quem lhe deu a vida e estava pronta a sacrificar tudo para salvá-la.

— Conhecer você deixaria sua mãe extremamente feliz. Ver a pessoa que você é agora seria a maior alegria dela, — ele fala com saudades e com certeza, desejando mais uma vez que Soo pudesse estar lá com eles, ou que o tempo tivesse sido mais misericordioso e deixado Seol pelo menos ter algumas memórias da mãe, — Ela amava você. Sua felicidade e bem-estar era a maior preocupação dela antes de morrer.

— A sua não?

— Eu sei cuidar de mim mesmo, — ele ri, tentando manter o semblante indiferente apesar de estar com um sorriso bobo.

Seol ri, e toda a tensão e incerteza parece desaparecer dela com as palavras tranquilizantes de seu pai.

— Eu gostaria muito de conhecê-la. Ela parece ter sido uma mulher formidável, — ela respira fundo e sorri, tentando imaginar como Soo era, — Eu também gostaria de ser sua filha direito, sem ter que ser escondida do público.

— Eu também gostaria, — So deseja junto dela, sua voz pensativa e nostálgica, e o sorriso animado de Seol se torna saudoso quando ela se abaixa para pegar mais pedras.

— Bem, — ela diz com um suspiro e um sorriso fraco, seus olhos aparentemente perdidos nas milhares de possibilidades diante deles, e ela coloca a primeira pedra no chão, — Quem sabe em outra vida.

Depois que ela acaba sua nova torre de oração, Seol tem cinco no total.

Soo construiu seis antes de falecer.

O local que elas escolheram para dedicar seus pedidos já está um pouco cheio, apesar das pilhas não serem muito altas nem as pedras muito grandes. Mas So proibiu que qualquer um as tirasse de lá. Ele gosta de ir até lá, perto do lago Dongji, onde ele espalhou as cinzas dela, e cuidar dos desejos de sua amada e de sua filha.

Desejos feitos pela família desconstruída deles, que foi separada antes mesmo de ser completa.

Ele pensou em construir uma também, mas quanto mais ele pensa em qual desejo fazer, mais pedidos ele cria no seu coração, mais preocupações ele acumula, mais coisas ele nota que precisa proteger.

Foi assim que ela se sentiu quando descobriu que estava doente?

Quando ela acaba sua nova torre de oração, Seol fica um tempo em meditação silenciosa ao lado dele. Quando o céu se tinge de laranja, ela pede licença e retorna para o seu quarto, onde ela tem certeza que vai levar outra bronca por se atrasar para o jantar. Quando as estrelas aparecem no horizonte, ele começa a jornada árdua de volta para seu quarto vazio e frio.

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No dia que ela se foi, metade de seu coração morreu também.

Ele se separou dela com um sorriso e um beijo na sua cabeça.

Ele a carregou de volta para o Damiwon com passos pesados e um coração pesado.

Ele entrou em colapso e desabou em lágrimas e soluços quando chegou no seu quarto. Cerrando os punhos e se enrolando em volta de si mesmo, tentando encontrar alguma forma de conforto, algum sentido para se levantar e continuar vivendo. Ele chorou e chorou até que seus olhos ficaram inchados e sua garganta rouca. A mente dele se afundou na escuridão vertiginosa que não tinha calor, não tinha som. E ele não fez qualquer esforço para se manter à tona, porque sua realidade não era muito melhor que aquele ambiente de loucura.

Apesar de já estar ciente há tanto tempo, e até de ter se preparado, ele não estava pronto para viver num mundo sem Hae Soo.

Ele nunca conseguiria viver sem Hae Soo.

Depois que o colapso se acalmou ele se viu sozinho, vazio e frio por dentro. Seu quarto e sua aparência tão desordenados quanto sua mente, coração e alma. Ele não tinha forças, não tinha vontade de se erguer do chão. Ele só tinha lágrimas e o som de sua voz rouca sussurrando, chamando o nome dela.

Depois que a tempestade passou, ele estava completamente sozinho.

So não se lembrava de ter dispensado os servos, mas eles não estavam mais lá – eles nem vieram trazer seu jantar – e ele foi deixado à sós com seu luto.

Baek Ah teve que entrar para forçá-lo a comer algo que tinha gosto de mato e descia como terra pela sua garganta, mas a audácia e a força física de Jung foram necessárias para fazê-lo se vestir e sair do quarto. Porque depois que sua tempestade passou, tudo o que restou foi um rastro de destruição que ele só podia observar incrédulo e constatar que o caos não seria mais um estado mental transitório, e sim uma cicatriz permanente, uma devastação que, não importa o quanto ele tentasse reparar, nunca mais voltaria a ser o que era.

Metade de seu coração morreu com Hae Soo, a outra metade teve que continuar batendo por Seol.

Então, depois que suas lágrimas se secaram e o amor de sua vida virou uma urna cheia de cinzas, ele tentou seguir em frente. Ele colocou a máscara do cão lobo e do rei impiedoso para que ninguém visse seu coração. Ele decidiu ser mais forte do que nunca, para que o destino de Soo não se repetisse e tocasse sua filha. Ele jurou nunca chorar na frente de suas pessoas, para que elas não se preocupassem com ele e vivessem suas vidas em paz.

Ele visitava e abraçava Seol nas manhãs. Ele jantava com seus irmãos às noites. Ele colocava a filha deles pra dormir quando a ama não estava por perto, e cantava a música dela – a música de Soo – até os dois ficarem com os olhos pesados.

Então ele voltava para seu quarto e tentava não chorar muito alto.

Um passo pesado depois de outro.

E ainda assim, até hoje, sempre que a data da morte dela se aproxima, ele segue o mesmo caminho de novo e de novo, do lago até o Damiwon e então de volta para seu quarto, onde ele entra num estado catatonico de luto e tristeza.

Ele pára nos portões por um instante, olhando diretamente à sua frente e deixando suas memórias se encherem de um dia que choveu intensamente. So fica parado lá, no mesmo lugar que ele ficou quando era mais novo e não se importava se a chuva fosse limpar a maquiagem e expor sua cicatriz. Naquele dia, ele só se concentrou em ficar ao lado dela e protegê-la do vento frio e da chuva forte.

Hoje, ele se concentra em manter a memória dela o mais viva o possível.

Ele se concentra na sensação de tê-la ao seu lado mais uma vez, só o bastante para continuar são.

E quando ele olha para o palácio engolido pela escuridão, por um breve segundo, ele está tão absorto na memória que consegue ouvir a voz dela. Ele consegue ouvi-la chamando seu nome.

Wang So-nim, a voz diz atrás dele, e mesmo que ele saiba que ela não está lá, ele se vira mesmo assim.

Ele se vira pensando – esperando – que isso vá quebrar a ilusão na qual ele está preso, e ele vai voltar para a dura realidade de abutres mascarados que o cercam. Porque não importa o quão feliz ele fique ao ouvir a voz dela, seu coração sempre se parte quando ela se silencia.

Mas assim que ele se vira, a voz o chama de novo, suave e delicada, já desaparecendo no ar.

Venha pra mim, ela fala, e é tão doce e tão pungente que ele pára de respirar por um segundo, Eu estou esperando.

Não importa o quão desolado ele tenha ficado depois da morte de Soo, ele iria proteger e amar a sua filha por eles dois. Não importa quanto tempo ele esteja condenado a viver daquele jeito, ele nunca se esqueceria da promessa que eles fizeram um ao outro.

Sua mão cobre sua cicatriz escondida, limpa a maquiagem de Soo e a deixa nua e descoberta enquanto encara o lugar que ele uma vez pensou ser seu lar. So limpa suas inseguranças e seus medos, sentindo seu coração firme e convicto depois de anos de saudade e angústia.

Não importa o quanto tempo passe, ele vai encontrá-la novamente.

Eu vou te encontrar.

Minha Soo.