Milagre De Ano Novo

En souvenir, Une inspiration.


Como todo bom escritor, Francis precisa de uma inspiração. E naquele momento, ele não tinha nenhuma. A página do Word, completamente branca, parecia o cegar com sua luz, as coisas não fluíam. Precisava daquele capitulo pronto até segunda-feira de manhã. Era sábado e ele não tinha nenhuma idéia de como começar. O segundo capitulo do seu mais novo livro não saia. Francis nada sabia sobre aqueles personagens ainda. No primeiro capitulo, só disse que a historia se passava em um futuro distante. Nele, a humanidade já não existia mais e qualquer um podia sair para desbravar o espaço, como se simplesmente andasse pela rua. A descrição daquela galáxia estava perfeita, mas a informação sobre a história e sobre os personagens ainda era muito pouca e rala, sem nenhuma profundidade. O primeiro capítulo tinha acabado quando eles chegaram a um planeta destruído.

Seu editor não estava nada feliz com isso.

Resolveu sair do computador. Sua inspiração não viria do nada. Pensou em sair para dar uma volta, quem sabe junto com o Arthur, mas olhar pela janela e ver a neve caindo tirou-lhe toda a vontade de sair de perto do seu aquecedor. Resolveu fazer melhor.

Pegou uma caixa empoeirada e subiu até o topo do seu “foguete”. A ponta do foguete, equivalente ao sótão da casa, era só um cômodo vazio, com uma espécie de cúpula de vidro. O chão é macio e confortável, como se fosse feito para se deitar nele.

Francis adorava aquele lugar. Dava para ver grande parte da cidade pelas paredes de vidro era lindo

“E inspirador” pensava o francês ao olhar a cidade coberta de neve.

Abriu a caixa. Nem ele mesmo se lembrava de do que tinha lá dentro, nem de quando tinha colocado tal coisa. Só via que tinha sido a muito tempo, pelo grau de poeira da caixa. Dentro dela tinha varias fotos e brinquedos antigos. Ele se lembrava daquilo agora. Ele guardou aquilo quando era criança, junto com o Arthur.

Pegou a primeira foto. Francis e Arthur brincando no balanço de uma praça qualquer. O Inglês tinha 3 anos e o francês 5. Ele riu. Lembrava-se bem daquele dia. Assim como sabia o que veria na segunda foto.

Arthur chorava no chão sujo de areia. Francis continuava balançando feliz com um sorriso gigante no rosto. Alguém mais adivinhou que ele tinha empurrado seu amiginho do balanço?

Na terceira foto, os dois no hospital, possivelmente depois de uma briga. Doce infância...

Quarta, quinta, sexta... Todas as fotos ele estava com Arthur. Francis e Arthur brincando, Francis e Arthur brigando, Francis e Arthur dormindo.

Para ai, dormindo? Os dois deveriam ter 14 e 16 anos e estavam deitados dormindo de uma maneira... Digamos... “suspeita”. Se alguém visse eles deitados abraçados daquele jeito com certeza pensaria besteiras. Muitas besteiras. Ainda mais se fosse considerar que ambos estavam corados e suados e só de cueca.

Francis sabia que não tinha acontecido nada de mais naquele dia. Eles tinham ido a praia e Arthur tinha se acabado. O garoto, em todos seus 14 anos de vida, nunca tinha saído de Londres, ou seja, nunca tinha ido à praia. Triste não? Bem, naquele dia Arthur correu até não dar mais, e Francis teve que correr atrás dele para garantir que o garoto não fizesse nenhuma besteira. Coisa que ele tentou fazer muitas vezes.

Quando eles voltavam para casa estavam exaustos. Francis nunca tinha corrido tanto na vida. Então a primeira coisa que ambos fizeram foram se tacar na cama. No caso, na mesma cama. Mas as pessoas não sabiam disso... Quem tiraria uma foto tão comprometedora assim?

Madeline. Claro. A irmã mais nova do Francis tinha uma coleção de fotos comprometedoras do irmão. Adorava implicar com ele. E Arthur a adorava.

A diferença entre os dois mais novos era de dois anos. Eles eram bem próximos, apesar de nenhuma ligação a não ser o “Ela é a irmãzinha do meu rival”. A proximidade se devia ao fato de terem um passatempo em comum: pregar peças em Francis Bonnefoy.

Bem, Francis resolveu parar de pensar na irmãzinha. Ele ficaria triste se pensasse muito nela, lembraria que agora ela está no outro lado do canal da mancha e que só veria ela no natal. E ainda falta um mês pro natal.

Depois de um momento “sinto falta da minha casa” Francis voltou a olhar aquela foto. Ele deveria destroçá-la, fazê-la em mil pedacinhos. Mas... A foto estava bem bonita... A cara do Arthur...

- Francis Bonnefoy!! O que você está pensando!! Não... isso foi só... só... só um ataque de carência! Isso, foi isso. Você só achou o Arthur bonito e gostoso por que estava sentindo falta de casa e de carinho, só por isso. Você não acha aquele inglês nojento e irritante bonito, muito menos gostoso. Você odeia ele. Odeia. Entendeu?!

Você sabe quando uma pessoa não está bem quando ela começa a falar sozinha e a brigar com ela mesma. Tudo por causa de uma foto de quase 10 anos atrás. Perturbador, não? Bem, mas se Francis não fosse nem um pouquinho maluco seus livros não fariam sucesso.

Quando resolveu parar de brigar consigo mesmo, Francis voltou a olhar as fotos. Separou “aquela” em um canto para decidir o que fazer depois. Ainda buscava sua inspiração.

O mesmo pensamento voltou à cabeça dele. Por que em quase todas as fotos ele estava com Arthur? As únicas que o inglês não aparecia eram as de família e as que Francis estava beijando alguém. Francis não entendia por que tiravam fotos quando ele estava beijando alguém. Era desagradável!

Se fosse parar para pensar isso seria estranho, mas Francis não pensou nisso. Ele resolveu olhar as outras coisas que tinham naquela caixa empoeirada.

Espadas de madeira, chapéus de piratas, bonequinhos de soldados e de cavaleiros medievais. Francis pegou uma roupa. Era um casaco infantil bege com orelhas de coelho e um rabinho. Ele se lembrava daquilo, foi um presente que sua mãe deu para Arthur. Foi o primeiro presente de verdade que o garoto ganhou, ele adorava aquele casaco...

- Isso é do Arthur. O que essas coisas fazem aqui? É tudo dele... Os brinquedos também foram presentes da mama pra ele.

Francis pegou a espada, o chapéu e o casaco. Quase podia ver uma versão criança do Arthur correndo com eles. O casaco era macio e quentinho, feito de pelo artificial para realmente parecer um coelhinho. E ele parecia. Francis sabia que tinha fotos dele com aquela roupa.

Depois de uns cinco minutos procurando ele achou uma das fotos. Arthur deveria ter 2 ou 3 anos nessa. Ele usava o casaco e por cima uma espécie de capa verde-escura, realmente parecia uma mistura de coelho com humano. As orelhas eram caídas e na cabeça estava o chapéu de pirata. Ele também vestia uma calça marrom e botas. A espada de madeira estava na mão dele e ele sorria. Francis riu.

- Não é todo dia que vemos um coelho pirata.

Pegou outra foto. Nessa foto ele estava sem a “fantasia de pirata”, só com o casaco de coelho e a capa verde. Estava deitado no chão de barriga para baixo, uma calça de pijama branca e pantufas completavam o figurino. Os olhos dele estavam entreabertos como se ele estivesse prestes a cair no sono. Parecia um coelhinho, com o rabinho pra cima e tudo mais.

- Fofo... Não sabia que o Arthur podia ser tão fofo. Comme c'est mignon!

Quando escureceu Francis resolveu descer e voltar para seu computador. E ele ainda tinha um capitulo para escrever. Colocou as coisas na caixa novamente na caixa, totalmente organizadas e agora limpas. Fechou-a e começou a triar a poeira. Quando terminou de limpar viu que nela tinham vários desenhos de coelhinhos.

- Ele realmente gostava de coelhos quando era criança... – Ri – Tão fofo... Pena que cresceu e virou essa coisa ai – ele apontou para a casa da frente, como se fosse o próprio inglês.

Levantou carregando o recém descoberto objeto de diversão. Ele iria mostrar tudo aquilo para o Arthur amanhã. Enquanto descia falava em como o menor ficaria envergonhado com as fotos dele criança e ria sozinho.

Como alguém que conversa sozinho pode reclamar de alguém que vê fadas? Acho que a loucura já é algo quase normal. Afinal, quem nunca falou sozinho na vida?

Colocando a caixa do lado do computador, Francis voltou a olhar para a tela onde deveria estar seu capitulo. O computador tinha ficado ligado o dia inteiro e na tela ainda estava a pagina em branco, desafiando-o a escrever e cegando-o com seu maldito brilho. Mas agora as coisas eram diferentes. Francis conseguiu sua inspiração. Ele não sabia ainda, mas ela vinha da figura quase adormecida que habitava a mais nova foto que enfeitava sua sala.

“A viagem àquele planeta tinha sido muito estranha. Só encontramos um ser estranho lá. Ele parecia um menino humano, o que achamos impossível, já que os humanos não existem a milênios, só que tinha orelhas grandes em cima da cabeça e um rabo felpudo. Nós resolvemos que a raça que habitava aquele planeta antes dos ataques era uma espécie de hibrido entre coelhos e humanos, como percebemos nessa criança. Pelo que parece, eles ainda mantinham varias características desses dois seres.

O garoto dormia profundamente. Seus cabelos, ou pelos, que seja, eram de um loiro meio bege e sua pele branquinha, com alguns pelos da mesma cor clara. As orelhas eram macias e bem sensíveis. Ele tremia de frio. Eu realmente fiquei com pena dele. Ser o ultimo sobrevivente de um ataque da M.I deve ser horrível. Coloquei-o na minha cama e fui buscar algo para cobri-lo.

Quantos anos aquela criança deveria ter? 5? Enquanto eu atravessava o convés pensava sobre como as coisas tinham mudado. A Marinha Intergaláctica deveria existir para proteger as pessoas e nós, os piratas, com nosso histórico papel de anti-heróis, deveríamos estar atacando e pilhando por ai. Quando foi que os papeis se trocaram?

Desde quando a M.I destrói planetas e tortura pessoas inocentes e nós nos importamos com isso, e mais, tentamos proteger tais inocentes? Desde quando os piratas são os heróis do povo e a Marinha seu pesadelo?

Com essas perguntas na cabeça voltei para o quarto e vi dois olhos verdes, entreabertos e assustados, como se seu dono estivesse dividido entre o medo de estar em um lugar completamente estranho e a vontade de fechar os olhos e voltar a dormir.

- Garotinho? Está tudo bem?- Sentei-me ao lado dele e ele se afastou, exatamente como um coelhinho assustado faria. Não pude deixar de achar adorável – Calma criança! Eu não vou te machucar. Vem aqui. – Estendi minha mão, convidando-o a um carinho – Vamos, não tenha medo.

Ele se aproximou lentamente. Algum tempo depois estava aconchegado nas cobertas que eu trouxe para ele, com a cabeça na minha perna enquanto eu fazia carinho em suas orelhas. Um poucos segundos antes dele fechar novamente seus olhos eu perguntei

- Coelhinho? Qual é o seu nome, garoto coelho?

A voz que me respondeu era tão doce e inocente que eu me surpreendi. Podia ouvi-la o dia inteiro. Era viciante e doce, como uma das tortas de chocolate com baunilha e algo que sua mãe chamava de doce de leite que ele comia em seu planeta natal. Até o cheiro e a pele branquinha do garoto lembravam baunilha. Doce era a única palavra que podia descrever completamente aquela criança.

- Meu nome é ”

Francis sorriu. Só um nome passava pela sua cabeça.

- Seria muito estranho chamá-lo de Arthur?