– E foi isso. – Suspirei ao acabar de contar.

Eu estava sentada sobre a cerca de madeira que separava o espaço das vacas, e Apolo estava em pé perto de mim. Seus cotovelos repousavam sobre a madeira velha enquanto seus lábios se franziam.

– E ele não desistiu? – Perguntou mais para si do que para mim – Ora, mas que droga. Achei que isso bastasse para tirá-lo daqui.

– Eu não quero tirá-lo daqui. – Respondi negando com a cabeça e olhando para Apolo. Ele mostrou uma expressão de confusão.

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– O que? Não quer tirá-lo daqui? – Repetiu chocado – Mas como assim?

– Eu... Quero dizer, ele é muito chato, sabe? E ele me infernizou, mas...

– Tem um “mas”? Eu pensei que seu plano desde o começo era tirá-lo daqui. – Cortou-me ao ver que eu estava enrolando demais para formar frases.

– Olha, não é bem assim. Meu plano inicial era não vir para cá. – Neguei. Apolo apontou seu dedo indicador para o meu nariz.

– Mentira. Isso é mentira. Tanto que você fez aquela aposta para ele acabar tendo que ir embora. Esqueceu? – Rebateu.

– Não, eu não esqueci. – Murmurei depois de um suspiro pesado.

– Se ele ganhar, aí sim vai ser um inferno. Toda vez que Ares ganha de você é um inferno, ou também esqueceu? – Continuou.

– Não, eu não esqueci, Apolo! – Respondi com uma pontada de irritação.

– Mas é o que parece! Se não esqueceu, ao menos parece que... – Ele franziu o cenho. Eu franzi o meu também.

– Parece que o quê?

– Parece que você mudou. – Completou a frase. Eu ri mesmo não achando tanta graça e neguei com a cabeça.

– Eu mudei? Como assim eu mudei? – Perguntei cruzando os braços – Isso é ridículo, sabia? Eu continuo a mesma pessoa e com os mesmos pensamentos.

– Ah, sério? Então o que vai ser? – Perguntou ele não acreditando. Engoli em seco. Detestava quando me pressionavam por respostas – Perguntei o que vai ser. O que você quer? Quer que ele fique?

– Não! Eu... Eu não quero que ele fique, acho. – Respondi sentindo insegurança no final da frase.

Acha. – Repetiu um tanto irritado – Então quer que ele vá embora? Quer que o Ares vá embora agora mesmo?

– Eu... Também não tanto, eu...

– Alice, o que você quer? – Desviei o olhar e apertei a barra da minha camisa, mostrando um sinal sutil de nervosismo – Perguntei o que você quer. O que você quer, Alice? Hein? O que você quer? Ahm? Responde!

– Eu não sei o que quero...! – Ele me interrompeu.

Quem você quer? – Perguntou.

– Eu não sei! – Exclamei em resposta e ele parou de me fazer perguntas. Suspirei pesadamente e passei as mãos pelo rosto, como se fosse possível limpar todas as dúvidas da minha pele – Eu não sei. Eu não sei mesmo.

– Não ia ficar em dúvida de não sentisse nada por ele. – Comentou Apolo desviando o rosto – Ia dizer “Sim, quero que ele vá embora”.

– Apolo, é claro que eu sinto algo por ele. Por mais imbecil que ele seja, ele... – Eu encolhi os ombros e em minha mente passaram as cenas do nosso encontro – Ele consegue ser legal quando realmente quer, e isso mexe comigo.

– Ah, então ele foi legal com você. É por isso que está em dúvida agora? – Riu ele olhando para mim – Deixa o seu Deus aqui adivinhar: ele saiu com você para um encontro e foi todo cheio de gentilezas, aí o seu coração se derreteu pra valer. O cara mau sendo bom. Foi isso?

– Para. – Falei irritada.

– E isso durou até o fim da noite, não foi? – Continuou ignorando-me – Eu só estou curioso para saber se você entende onde isso ia acabar.

– Eu falei para parar. – Repeti.

– Até quando exatamente, Alice, você acha que ele ia ser assim tão legal e gentil? – Perguntou tentando prender um sorriso de triunfo. Eu desci da cerca e dei um empurrão nele. Apolo recuou só um passo e depois segurou os meus pulsos. Não perdi minha irritação.

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– Se você não entendeu, eu te explico. Quando eu disse para parar era o mesmo que te mandar calar a boca. – Falei com raiva.

– Ficou com raiva de repente? – Perguntou chegando mais perto do meu rosto para me provocar – Você por acaso viu a gentileza dele sumir depois de passarem a noite juntos?

– E você ficou com ciúmes porque queria ter estado no lugar dele? – Rebati em um tom de deboche e foi quando percebi que tinha pegado pesado demais. Apolo soltou meus pulsos com força. Seu rosto mostrava o quanto estava magoado e ao mesmo tempo ardendo de raiva de mim – Não.

Ele virou as costas e começou a andar para longe. Eu o segui.

– Não! Desculpa, Apolo! Eu não devia ter falado isso! – Exclamei enquanto tentava alcançar seu passo.

Ele não se deu ao trabalho de responder.

– Eu perdi a cabeça, me desculpa! – Pedi novamente. Ele estava cada vez mais rápido, mas eu consegui alcançar sua mão com grande esforço. Segurei-a firmemente o que o fez olhar para trás diretamente nos meus olhos – Não vai. Por favor.

Aos poucos a raiva foi sumindo de seu rosto e deixando só a frustração e o desapontamento. Suspirei pesadamente pensando em algo para dizer, mas Apolo quebrou o silêncio primeiro.

– Cadê o cara tão gente boa para passar o tempo com você agora? – Perguntou em um resmungo. Revirei os olhos.

– A gente não fez nada. – Comentei olhando para o chão.

– Ah, sério? – Falou sem muita crença em mim, mas depois mostrou um pouco mais de esperança – Sério?

– Sério. Você está errado. – Falei encolhendo os ombros – Ele foi legal por ser legal. Não sei se... Se quero que ele vá embora.

– Esse é exatamente o problema. Você não sabe escolher, e eu não sei dividir atenção com ninguém. – Falou suspirando e um tanto inquieto – Mas mesmo assim eu venho correndo atrás quando você me chama. Com se eu fosse seu cão de estimação.

– Não é a... – Ele ergueu uma sobrancelha para mim, e eu me impedi de mentir. Encolhi os ombros, sem jeito – Ah, mas você é um lindo Labrador.

Apolo franziu o nariz, e eu ri de leve.

– Devo ser mesmo, porque ainda está segurando a minha mão. – Comentou sorrindo malicioso. Eu corei e soltei a mão do Deus do Sol.

– Se não gosta de vir atrás de mim, porque vem então? – Parte de mim não queria que ele deixasse de ficar comigo, por isso meu coração se apertou e só relaxou quando ouviu a resposta.

– Porque eu realmente adoro você, e eu meio que ainda tenho esperanças que você me escolha. – Respondeu em um murmuro, como se tivesse vergonha que eu o ouvisse falando aquilo. E eu achei a coisa mais linda do mundo – Na verdade, eu amo você. Adorar não é tão preciso assim.

Por ainda estar boba pelo que ele disse, gaguejei um pouco antes de falar algo com sentido.

– Eu gosto de ter você comigo. – Foi o que consegui falar, mas pelos os olhos de Apolo percebi que fora o suficiente pelo momento. Resolvi quebrar aquele momento um tanto constrangedor. Estendi a mão e afaguei seu cabelo – Bom menino, bom menino.

Apolo fingiu rosnar para mim e depois ameaçou morder minha mão com um som tipicamente canino. Recuei assustada e ele começou a rir.

– Morder é feio. Feio! – Apontei para ele prendendo o riso – Vai ficar de castigo, Labrador mau.

– Não sou um Labrador. – Reclamou negando com a cabeça – Sou um Golden Terrier de linhagem pura com pedigree.

– Nazista. – Respondi.

– Vou te morder todinha. – Disse correndo atrás de mim. Depois de correr bastante, Apolo me alcançou derrubando-me no chão. Eu estava rindo enquanto tentava me soltar dele, e ele ria me segurando – Onde eu mordo primeiro?

– Você não vai me morder...! Ai! Você me mordeu?! – Exclamei chocada, mas ainda rindo ao ver que ele tinha mordido meu braço – Isso doeu!

– Doeu nada. Aqui tem bastante gordurinha, dá nem para sentir a mordida. – Respondeu ainda rindo.

– Como é que é?! – Exclamei tentando dar socos nele, mas Apolo segurava as minhas mãos tranquilamente. Ele esticou o rosto para o meu ombro e deu outra mordida – Ai! Para de me morder! Ficou louco?

– Me chama de nazista agora, chama? – Desafiou rindo. Eu tinha me jogado na grama e ele estava em cima de mim – Vai, me chama de nazista, Alice.

– Na-zis-ta! – Repeti mostrando a língua – Chucrute seguir de Hitler!

– Agora você me obriga a tomar medidas drásticas. – E ele pressionou os lábios contra os meus antes que eu pudesse pensar em reagir. Deixei-me levar por aquele beijo. Perdi a noção do tempo, por isso não sei se passamos segundos ou minutos ali nos beijando, até que ficamos se ar.

Apolo afastou um pouco o rosto e respirou. Eu abri os olhos devagar, e deixei escapar um sorriso bobo. Neguei com a cabeça quando minha consciência voltou.

– Não devia ter feito isso. É errado. – Falei em um murmuro.

– É. – Assentiu ele antes de nos beijarmos de novo.

Depois de mais alguns minutos, Apolo deitou-se do meu lado na grama e nós ficamos olhando para cima. As folhas estavam lindas com o brilho do Sol e um céu azul no fundo.

– Não devia ter feito isso. – Repeti.

– É errado? – Repetiu Apolo.

– É. – Confirmei e ficamos em silêncio por mais um tempo.

– Alice. – Falou e eu respondi com um “uhm?” – E se eu não estiver sempre aqui? Digo... Se eu desistir de correr atrás de você. O que você faria?

Demorei alguns minutos pensando, me virei, e beijei a bochecha dele.

– Não quero pensar nisso. – Respondi e ele sorriu bobo para mim.

– É, foi uma boa resposta. – Comentou voltando a olhar o céu.

Passamos praticamente a tarde toda no jardim olhando para o céu. Não tinha muito que ser feito sobre o Ares. Achei que passando a tarde longe, ele acalmaria a cabeça e nós poderíamos conversar mais tarde.

Só que quando voltei para casa, não foram bem assim que as coisas aconteceram. Ares estava arrumado e esperando na sala. Achei que estivesse me esperando, por isso me aproximei devagar e sentei do lado dele no sofá.

– Nós podemos conversar agora? – Perguntei devagar e cautelosa. Ele olhou para mim e fingiu parar para pensar um pouco.

– Você prefere falar sobre o que primeiro? O quanto você é uma raposa asquerosa e trapaceira, ou sobre todos os motivos que me levam a te odiar em ordem alfabética? – Perguntou sorrindo.

– Ares, eu só quero... – Ele estendeu a mão e cobriu minha boca com força.

– Você não entendeu meu sarcasmo? Tudo bem, eu explico. Eu quis dizer que não quero ouvir a sua voz. Entendeu agora, benzinho? Meus ouvidos não querem escutar nenhum pio seu. – Falou trincando os dentes – Agora cala a boca.

Ele me soltou e eu me irritei.

– Eu só estou tentando agir como uma adulta, Ares! Eu só quero...!

Quer?! Ah, essa é ótima! E desde quando você sabe o que quer, Kelly?! – Rebateu levantando-se do sofá. Eu estava pronta para falar mais, quando Will desceu as escadas.

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– Pronto? – Falou Will olhando para Harry. Ele sorriu para o meu padrasto como se nada tivesse acontecido.

– Estava só esperando você. – E depois se virou para mim sorrindo – Tente ficar quietinha no quarto, meu bem. Nós já voltamos.

– Vai me deixar aqui? – Perguntei sem entender.

– Não quero que você faça esforço. Eu sei que você teve uma daquelas crises respiratórias. É melhor ir para o quarto dormir. – Falou acariciando meu rosto – Afinal, nós vamos e voltamos bem rápido. Meus pais vão ser breves, garanto.

– Mas...!

– Ah, o caçador de comunistas deu uma saída também. O resto da sua família inteira está no centro da cidade. Só tem você aqui. Vai ser ótimo para descansar. – Cortou-me. Will passou pela porta.

– Eu vou ligando o carro enquanto vocês se despedem. – Falou brincando com as chaves nas mãos – Alice, quero que você descanse, ok?

Assim que ele fechou a porta, Ares largou meu rosto.

– Todo mundo foi embora, se é isso que você quer saber. Seus pais saíram de fininho e devem estar se pegando por aí, seu tio não confia em um nazista em casa e levou Apolo junto, e o resto está no centro. – Falou ajeitando a roupa – E isso é tudo que eu tenho para dizer a você.

Eu. Sozinha. Naquela casa enorme. No meio do nada.

Lembrei-me, mesmo sem querer lembrar, do homem que eu e Joe encontramos na floresta. Engoli em seco e olhei para Ares.

– Ares, eu... Eu vou ficar aqui sozinha. – Falei. Ele deu de ombros.

– E daí?

– Eu... – Encolhi os ombros e tentei convencê-lo a ficar – Você bem que podia, sabe... Ficar aqui comigo. Para fazer companhia.

Ele sorriu maldoso e por alguns instantes, pensei que tinha convencido o Deus da guerra. Ares inclinou-se para ficar com o rosto bem perto de mim. Sua mão segurou meu queixo, e ergueu-o.

– Então quer que eu fique aqui do seu ladinho? – Perguntou em seu sussurro malicioso usual. Assenti devagar.

– Quero. – Sussurrei de volta. Preparei-me para um beijo, mas Ares simplesmente lançou-me para trás no sofá.

– Que pena. – Respondeu pouco depois de bater a porta atrás de si.