-É pra já! Levem ele para a enfermaria AGORA!

Não... não dava pra descrever a dor que eu estava sentindo no momento.

Eu já havia desconfiado daquele fogo negro na adaga desde que o vi pela primeira vez... mas digamos que não tive muito tempo para pensar no caso! Aquilo tinha sido mais difícil do que eu pensava que seria!

Tudo bem... todos ali sabiam que nem o mais experiente de nós seria páreo contra o Maurí... o tal do Zack... muito menos eu. Confesso que até a morte esperei.

Mas... parecia que o Destino adorava brincar comigo.

-Em que posso ajuda... meu Deus!

-Prepare uma maca! É urgente!

Eles me levaram até a enfermaria, através de uma maca “móvel”, segurada por dois outros Assassinos... Brancos, claro. Nem reparei tanto na coisa... a dor era insuportável!

-Afastem-se todos! Vou tentar uma cirurgia!

-Espera! Quero tentar uma coisa...

-Não é hora para tentar coisas, Heloísa! Se Kevin continuar sangrando assim ele vai morrer!

-Até você enfiar uma agulha na pele do garoto, ele já vai estar por um fio! Deixe-me tentar fazer em 2 minutos o que você levaria 2 horas e...

-Seja lá o que forem usar... dá pra pararem e fazerem isso logo?!

Não prestei atenção na hora, mas acho que todos lançaram um olhar sobre mim. Eu não tinha culpa! Não ia ficar ali esperando tranquilamente enquanto eles discutiam algo desnecessário!

-Mas Kevin... a Heloísa quer...

-Deixa ela...

-Mas...

-Eu conheço ela... ela sabe o que está fazendo... agora vai logo!

Eles não esperaram mais. Logo eles abriram espaço para que Heloísa pudesse fazer o seu trabalho. Eu estava deitado, de barriga para cima, em uma maca... na hora eu não sabia onde eu estava, exatamente. Ainda estava vestindo meu uniforme, bem borrado de sangue na frente. Heloísa rapidamente rasga e retira o manto acima do meu abdômen... o que não melhorou em nada a dor. Muito menos a quantia de sangue que saía.

-Pode doer um pouco...

-Mais do que já está...? Boa sorte.

Eu não esperava algo especifico... estamos falando da Heloísa, afinal. Você não sabe o que esperar dela. Nem mesmo quando se trata de concertar um buraco ardente acima de seu umbigo.

Por incrível que pareça, ela colocou a mão direita, bem acima do ferimento. Logo depois, ouço um pronunciar leve da boca dela:

-Cure... Cure!

No começo... eu não vi nem senti nada fora do que eu já estava vendo e sentindo. Até que... algo começou a rolar. Vi que pequenas línguas de plasma azul surgiam e serpenteavam na palma de Heloísa. Poucos instantes depois, elas começam a serpentear para dentro e fora do ferimento. Muito lentamente... e dolorosamente... o ferimento começara a se fechar! Primeiro o sangramento para... depois os músculos rasgados começam a se unir... juntamente com a pele! Doía um pouco... mas parecia que Heloísa estava sofrendo mais. Fazia uma expressão de extrema força no rosto.

Demorou cerca de dois minutos o processo... Até que finalmente as línguas de fogo sumiram... e o ferimento também! Mal pude acreditar quando vi aquilo... parecia que absolutamente nada havia passado por ali, e nem dor mais eu sentia!

-Heloísa... como você...?

Mas, antes mesmo dela responder, quase cai de tontura. Mas segurou-se nas bordas da maca e, dando um sorriso forçado, enfim respondeu.

-Eu dei uma lida nos livros... enquanto vocês garotos viviam treinando!

Eu passei a mão por, onde antes, havia um ferimento grave. Nem estava acreditando! Heloísa havia lido e treinado isso em apenas dois dias... na hora eu mal acreditei!

-Melhor irmos... – ouvi alguém dizer – Kevin, você precisa descansar.

-Não, eu estou...

-Kevin... apenas deite aí e descanse. Teremos uma longa conversa depois.

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Depois de uma batalha enorme e passar perto da morte... nunca me agradeci tanto por dormir.

Só me lembro de ter deitado a cabeça naquele travesseiro... e tudo já se apagou. Foi um sono rápido, parece... daqueles que você não sabe quando dormiu, e simplesmente acorda, sem sonho nem nada. Parecia que eu tinha dormido uns 15 minutos.

Meus olhos se abriram devagar... e ainda fiquei ofuscado pela luminosidade. Luzes... elas adoram ficar na nossa cara quando acordamos. Mas, depois de alguns segundos, pude finalmente enxergar melhor o lugar.

Para uma enfermaria de batalha... até que era bem completa. Uma enorme tenda branca havia sido armada atrás das linhas de batalha... na verdade, várias haviam sido armadas lá, e muito bem equipadas, pelo que podia se analisar logo de cara. Um total de 10 macas estavam posicionadas e alinhadas sob um tipo de lona negra no chão. A tenda era retangular, e a entrada aberta desta ficava em um dos lados menores do retângulo. E do outro lado havia diversas bancadas, cheias de tubos, medicinas e equipamentos de cirurgia. Aquilo ali não precisava parecer um Hospital... só o necessário para não impedir alguém de morrer depois de uma facada na barriga... por exemplo.

Eu me sentei lentamente na maca. Logo estranhei o lugar... não tinha ninguém além de mim lá. Pedestais com grandes lâmpadas iluminavam toda a tenda branca... mesmo assim não via nenhum sinal de vida. Olhei de relance a maca do meu lado... havia pequenas gotas de sangue nela. Será que haviam usado ela enquanto eu dormia? E, se for verdade, quanto tempo eu havia dormido?

Não sabia que logo a resposta iria vir.

Assim que ouvi passos no chão de lona preta, me virei na direção da entrada. E adivinhem só quem era?

-Dormiu bem?

-Sim, Marco... até que sim – respondi com indiferença – quanto tempo dormi?

-Três horas – Heloísa respondeu, e até chegou a me assustar um pouco. Nem parecia que foi tanto! – deu tempo para tratarmos mais feridos... ao mesmo tempo que deu para você descansar.

Percebi que Heloísa estava melhor do que da última vez. A cor voltara a seu rosto, e os olhos não estavam mais querendo desesperadamente uma cama. Ela ainda vestia o uniforme, mas dessa vez o capuz estava para baixo, e os cabelos castanhos soltos.

-Bem... deixando essas coisas de lado... podemos conversar, Kevin?

Marco e Aveline seguiam Heloísa. Ambos vestiam aquela nova versão do Uniforme... até que Heloísa estava certa... não ficou lá muito bom na gente, tanto para lutar quanto para andar por aí... mas bem... não era esse o assunto que se ia discutir.

Alias, eu já sabia bem qual ia ser.

Me sentei e me endireitei na cama. Na hora eu vi que eu estava vestindo aquelas roupas brancas hospitalares... será que eu tinha dormido tão profundamente a ponto de nem perceber pessoas trocando minha roupa? Bem... mas não era esse o ponto. Assim que me ajustei, eles ficaram mais próximos de mim.

-Kevin... você reconheceu o líder?

Sim... a pergunta era simples, mas me fez pensar muito. Eu ainda não estava acreditando no que meus olhos viram... não conseguia captar a mensagem que Maurício era igual à Zack. Eram duas pessoas completamente diferentes! Como um cara que parecia afeminado, tropeçava nos próprios pés e não faria mal nem a uma mosca... poderia ser um Mestre Negro cruel e sanguinário...?

-Sim... eu reconheci.

-E quem era? – Marco perguntava, e Aveline anotava em um bloquinho.

-Um garoto da escola... dizia ele se chamar Maurício. Mas... o cara não era nada parecido com o líder com quem eu lutei! Era meio burro e fraco... e tinha uma mentalidade tosca e feliz, inocente. Mas o líder não... ele era cruel, sádico e sanguinário.

-Tem certeza que era ele? Como tinha certeza?

-Eu vi... com meus próprios olhos... a aparência era igual, a voz era igual... essa voz estava martelando na minha cabeça desde que eu lutei com esse Mestre Negro pela primeira vez.

Ah... o que mais eu poderia ter dito naquela hora? Eu ainda estava encarando um ponto qualquer na cama... não acreditando na coisa. Não parecia, não poderia ser... mas eu, de alguma forma, sabia. Eu sabia que Maurício era Zack... não antes, claro. Mas quando eu lutei com ele... eu sabia que era o Maurício... ou Zack...

-Até eu vi – Felipe interrompe o silêncio repentino, que se formara depois da última frase – era ele sim...

-Mas... até eu duvidei, quando me falaram – argumenta Heloísa – o Maurício era o candidato mais distante possível de ser o líder! Ele... simplesmente... não poderia ser.

-Mas é.... – disse eu – e esse candidato distante quase me tira a vida.

Nos olhamos depois disso... tensos. Não havia mais o que dizer... nem o que pensar. Era isso... a mais pura, gelada e dolorosa verdade. E não dava mais para fingir que não existia... já que isso quase me custou minha vida.

Isso me fez pensar... e me dá arrepios até agora. Saber que você poderia ter morrido ali... e está vivo e muito bem aqui... não sei... me fez parecer e pensar que a vida é mais preciosa do que eu achava que era... acompanhada de um clássico arrepio na coluna.

Se instalou um silêncio lá, onde todos olhavam todos. Tá... eu sabia que tinha ali a tensão e tudo mais... mas já estava começando a ficar repetitivo. Não era isso que ia nos ajudar a partir daquele momento.

-Bom... e qual seria o próximo passo agora?

A pergunta parecia ter pegado eles de surpresa... já que deveriam estar afundados em próprios pensamentos. Aveline foi quem respondeu, depois de engasgar um pouco.

-Temos que arrumar isso... tivemos muitas baixas... – disse ela, séria.

-Quantas, mais ou menos?

-Em torno de 100... tínhamos uns 200...

Fiquei chocado, e novamente o silêncio se estabelece. Sabíamos desde o começo que isso iria causar mortes... mas nem um número menor nos deixaria mais felizes. Essas pessoas treinaram e nasceram dentre os Brancos... e deram suas vidas para que as nossas ainda estivessem acessas. Saber que tudo poderia ser diferente nos assola... e saber que um número cada vez maior está pela frente nos assola ainda mais...

-Acha que vai dar para aguentarmos até o fim disso? – pergunta Heloísa à Aveline.

-Não sabemos nem se vamos chegar na metade disso inteiros... a “Batalha pela Califórnia” é importante... porque é a chave para desmantelarmos tudo e todos. Se perdemos aqui... as chances e as vantagens começam a mudar de lado na mesa...

-Então... o que vamos fazer até lá?

Isso fez Aveline pensar um pouco. Mas logo volta algumas folhas em seu bloquinho... não achava que tinha um texto ali... só várias anotações e cálculos... Mas não importava.

-Recebemos uma mensagem deles... que “A guerra apenas começou”, via mensagem de celular de uma de nossas Assassinas, sem origem nem nome. Por isso... esperamos mais e mais ataques.

-Por isso, estamos mobilizando nossas equipes – diz Marco – para que, onde quer que seja, possamos enviar um número necessário de combatentes, na hora e na velocidade certas.

-E... estamos incluídos nisso? – pergunta Felipe.

Aveline toma o rumo da conversa.

-Na verdade, não. Precisamos de vocês três em uma outra coisa...

Nos entreolhamos. Até ali achávamos que batalhas como aquela seriam onde nos encaixariam... mas o que mais poderia ser?

-Tudo isso nos deixa expostos... – continua Marco – e não nos dá liberdade para descobrir mais sobre o inimigo. Precisamos que vocês, juntamente com mais uma pequena equipe que estamos montando... possam descobrir o “Quartel General” desses Negros.

Confesso que fiquei impressionado na hora. Aquilo nem havia passado pela minha cabeça... mas fazia todo sentido. Não importaria quantos Negros pudéssemos derrubar... enquanto a base deles estiver lá, reforços podem ser chamados! Os dois pensaram bem em formar esse grupo... se bem que ninguém suspeitava que nós iríamos ser inseridos nele!

-Certeza disso, Marco? – perguntei – não somos lá “Gênios da Investigação”.

-Podem não ser... mas são os melhores para o trabalho.

-Como assim? – pergunta Felipe.

-Felipe... você, Kevin, Heloísa e Luca estão aqui há mais tempo que nós, estão envolvidos nisso há mais tempo. Então, mesmo que possamos ter pessoas com um intelectual investigativo mais desenvolvido e apurado... não há ninguém melhor para estar no grupo do que vocês quatro.

Novamente caímos no pensamento, nos entreolhando a cada momento. Era um trabalho arriscado e perigoso... principalmente no meio de uma Guerra. Precisaríamos de precisão, qualidade e velocidade... e tudo sem fazer o inimigo suspeitar. Isso iria nos dar muito trabalho... mas só um olhar bastou para nos entendermos: Não importava quanto suássemos... a vida de muitas pessoas estavam em jogo. E nisso não podíamos fraquejar.

Finalmente, encaramos Marco de novo.

-Quando podemos começar?

Eu confesso que esperava um sorriso... e ele veio. Mas foi pequeno e fraco... como se Marco nem se importasse tanto... como se isso fosse apenas uma pequena fração de tudo que preocupava sua cabeça.

-Assim que estiver em condições, Kevin.

-Mas eu estou em condições. Nem sei porque eu ainda estou aqui...

-Ótimo... – ele suspira. Parecia cansado – começam em dois dias... preciso arrumar muitas coisas até lá... Base Principal, sala 29

-Aquela vazia? – pergunta Felipe.

-Aham... eram para ocasiões especiais... como essa. Vão até lá em dois dias... estará tudo em suas ordens.

-Uma dúvida... – Felipe pergunta uma coisa que todos ali queriam saber – até que ponto temos liberdade pra ir a fundo nisso?

Marco entendeu a pergunta muito bem, e era verdade. Se fossemos investigar a base do inimigo... não iria adiantar muita coisa ficar preso em uma salinha. Somos práticos... e não só gostávamos, como “tínhamos”, que ir além daquela salinha. Teríamos que procurar na cidade toda... e não é só isso... poderia estar em qualquer lugar da Califórnia!

-Pensamos nisso... e estão liberados. Mas... já conhecem as regras: Não chamem mais atenção do que devem... e não saiam de nossa vista.

Sorrimos, apesar de tudo. Sinceramente... depois de quase perder a vida em uma batalha dessas... preferia voltar às boas e velhas investigações, no Estilo Assassino.

-Ah... e outra coisa importante... – Aveline disse – se acha que já está bom, Kevin... por favor, se arrume e venha nos ajudar a desmontar isso, e levar os corpos e feridos para a base.

-Tem muitos ainda? – perguntou Heloísa, séria.

-Uhum... tivemos que cuidar dos feridos primeiro... Vamos indo. Kevin, já sabe onde vamos estar.

-Sim... podem ir.

Assim que saíram, eu saltei da cama, e fui logo procurar minhas roupas. Um longo trabalho estava me aguardando depois...

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Um dia depois

Para Giovanna, o dia estava muito tedioso.

As aulas a pouco haviam começado... e já estavam enchendo os alunos de matéria e provas. Coisa que Giovanna não gostava muito. Apesar de gostar de estudar... e ser uma das mais inteligentes da escola... não gostava que provas e lições de matemática devorassem seu tempo de leitura.

Não podia fraquejar agora! A mais nova edição daquela série estava deixando Giovanna cada vez mais com vontade de ler. Quais as intrigas e mistérios que poderão estar aguardando seu olhar na próxima página? Giovanna não podia esperar para descobrir!

Deitada na cama de seu quarto, no dormitório da escola... a vida parecia calma e tranquila. Raios de sol da bela tarde californiana penetravam pela janela, iluminando o pequeno quarto de Giovanna, juntamente com uma brisa de leve, que faziam as cortinas rosas tremularem de leve. Conforto, clima e paisagem... isso sem falarmos de um bom livro, vencedor de prêmios, até. Tudo parecia perfeito para uma boa leitura... para uma mente tranquila e feliz. Mas a de Giovanna, apesar de tudo, estava longe disso.

Kevin era o problema. Giovanna não parava de pensar nele todos os dias! Ele não a ligava faz tempo... e havia sumido! Fazia dias que Giovanna não via ou falava com seu namorado... e isso a incomodava muito. Afinal... ela o amava.

Giovanna até se acostumou com isso... Kevin sempre saía e sumia por motivos meio estranhos... Giovanna ainda desconfiava da vez em que ele sumiu por semanas... por causa de uma viagem à Nova York. Até Kevin seria inteligente o suficiente para saber disso antes... e Giovanna achava que o processo que ele tinha feito para encontrar a mãe dele deveria ter saído muito mais caro do que ela simplesmente ter vindo até São Francisco...

Era tudo muito estranho para ela. Kevin era um doce de pessoa, na opinião de Giovanna... mas ela acha que, se ele continuasse dando essas sumidas de repente... algo deveria ser feito! Não se poderia tolerar muito isso de um namorado.

-Alias... ele já deu uma sumida... quando eu ver ele... eu vou ter uma... conversinha... – dizia ela, em murmúrio, para si mesma.

-Nossa... que nervosismo...

A voz quase fez Giovanna pular da cama, tamanho o susto que levou. Ela imediatamente olha para a porta... mas nada vê lá...

-Estou aqui.

O susto foi ainda maior quando ela olhou para a janela.

Kevin estava de cócoras, na base da janela, encarando com um sorriso o rosto assustado de Giovanna. Ele parecia tranquilo... nem notando que estava à mais de 2 metros do solo. Lentamente, ele se senta na base, com uma naturalidade anormal para Giovanna. Vestia uma bermuda preta, acompanhada por um tênis branco, e camiseta vermelho, com um desenho de fogo em prata na frente. Os cabelos lisos se moviam levemente na brisa... a pele branca brilhava com a luz, e os olhos encaravam Giovanna com um brilho de humor e amor no olhar.

Já ela, ainda estava assustada.

-Kevin! Você... saia já daí!

-Porque? Tá tão gostoso...

Kevin finge que vai cair dali... mas logo volta à sua posição, rindo ainda mais da cara de desespero de Giovanna.

-Sério... venha aqui agora! Está me deixando nervosa!

Ainda rindo, Kevin salta para o interior do quarto. Imediatamente, Giovanna corre aos braços dele, abraçando-o.

-Eu já não te falei pra parar com essas suas maluquices?!

-Sobre subir na janela até seu quarto você não falou nada...

Ela o encara. Giovanna vestia um short azul claro, que ficava muito bom com sandálias de couro marrom claro, juntamente com uma camiseta rosa claro, com pequenos detalhes em rosa escuro. Seus cabelos encaracolados cor de mel estavam soltos, caindo até o meio de suas costas. A pele rosada deixava seu rosto vermelho quando ficava com sentimentos fortes... o que sempre acontecia quando pensava em Kevin. Muito mais quando ele estava ali na sua frente.

-E como foi que o senhor chegou até aqui?

Kevin dá de ombros, ainda aos risos.

-Braços... pernas... mais algo que eu tenha deixado passar?

Ela dá um pequeno sorriso, juntamente com um rápido beijo na boca do amado. Mas não estava satisfeita.

-Eu tenho pernas... braços... mas não sei fazer isso!

-Anos de prática subindo no meu quarto do prédio e descendo dele escondido da mamãe...

-Ah... meu escalador safadinho!

E se desfecharam em um beijo. Um beijo quente... amoroso... cheio de energia... durou tanto que foi possível o ponteiro dos segundos de um relógio dar meia volta completa. No final, os lábios se separaram lentamente... enquanto os dois se sentavam na mesma velocidade na cama de Giovanna.

-Você é uma graça... sabia? – dizia ela, graciosamente.

-E você é uma fofa... – responde ele, do mesmo modo.

A testa dos dois se encostam, no mesmo momento que os braços de cada um foram enrolando no corpo do companheiro. Não demorou muito para ficarem coladinhos, como dois ímãs, se unindo pela força do amor.

Mas também demorou para Giovanna afastar um pouco sua cabeça. Queria esclarecer umas coisas com seu amado.

-Você anda sumido demais...

Kevin rapidamente notou a pergunta, e se afastou um pouco. Mas ainda permaneciam abraçados.

-Uhum...

-É sério, Kevin. Eu te amo muito... e quero ficar com você! Já namoramos à meses! Mas... você anda sempre sumido e sempre por motivos estranhos e repentinos!

-Eu já te disse... aquela agência é doida... eles gostam de avisar tudo de última hora... como se fosse simples para nós fazermos isso de boas...

Giovanna suspira.

-Eu quero ficar com você... quero te ver mais... mas o que tanto você faz lá, para sumir e ficar tão ausente?

-Atividades de recreação e convívio social... pura frescura...

Giovanna dá uma risadinha... mas logo fica séria novamente.

-Por quanto tempo mais vai ficar fazendo isso...?

Kevin demorou um pouco para responder. Parecia incomodado mentalmente... e estava. Também queria ficar com ela, mais do que tudo e todos. Mas... era muito difícil. Aquela visita para a Giovanna à tarde já havia lhe custado um enorme e raríssimo favor que Aveline concede à ele. Praticamente apenas por causa do dó que ela sentiu pelo casal... mas não ia durar para sempre. A própria Aveline já havia discutido isso com Kevin, já havia um tempo... e ela estava certa. Não dava para amar e ser Assassino ao mesmo tempo... não do jeito que Kevin estava tentando ser, pelo menos. Era um... ou outro.

-Amanhã eles querem fazer uma atividade... ou começar uma.

Giovanna suspirou, desanimada.

-O que é dessa vez?

-Eles não disseram, para variar... “surpresa”.

Mal sabia Giovanna, mas Kevin estava odiando isso mais do que ela. Quando finalmente estava se sentindo vivo... sua vida começava a fazer sentido... algo a cortava. Sua obrigação de nascença o chamava... ou sua própria abominação. Era um dos únicos momentos de sua vida que queria que a Irmandade nunca existisse... que ele nunca tivesse existido nela. Naquele momento... só queria estar lá com ela, queria fugir com ela, viver com ela. Mas... também sabia que a Irmandade precisava dele mais do que tudo... e não podia fraquejar.

Já fazia tempo que Kevin sentia que tudo isso... não ia durar muito. Como poderia amar alguém e querer se dedicar à ela... ao mesmo tempo em que se é um “Assassino Mago Branco” no meio de uma guerra com os recém-surgidos Negros? Como poderia ser feliz na vida... se ao mesmo tempo a extraía dos outros como o passatempo mais prazeroso que já vira?

Ele precisava contar... mas ele não queria. Uma simples frase poderia destruir tudo... toda a felicidade de Kevin no momento. Mas... se isso se arrastasse mais, iria ser pior. Ele tinha que contar...

-Kevin... quando isso vai acabar? Quanto tempo vamos ter até você voltar para a Europa?

Ela encosta a cabeça no ombro de Kevin... e este começa a acariciar levemente seus cabelos cacheados. Os dois estavam sentados na cama, com as costas encostadas na parede. Seria uma cena bela... se não houvesse a preocupação, dos dois lados da mesma moeda. Tinha se decidido... iria ser depois. Ou antes... antes de voltar à Dinamarca... deixaria uma carta à ela, explicando tudo. E acabaria com tudo... sim... isso acabaria com tudo. Não ia ser fácil... mas é necessário. Ela merece mais do que um Sanguinário.

-Logo... eu espero...

Ela se aperta mais em seu Namorado. Há tempos não fazia isso.

-Eu te amo... não quero que vá...

-Não posso ficar aqui para sempre... você sabe disso...

-Sei... infelizmente sei...

Kevin arregala um pouco os olhos, juntamente com um pequeno sorriso. Ainda junto de Giovanna, ele estende o braço até uma das gavetas, da mesinha ao lado da cama de Giovanna. Ao abri-la, retira de lá uma câmera fotográfica.

-Está carregada?

-Está sim... mas porque?

-Tive uma ideia... tosca, mas é uma ideia!

-Qual...?

Kevin explicou com um certo ânimo, enquanto ligava a câmera digital.

-A cada encontro desses, vamos tirar uma foto! Aí você vai guardando todas essas fotos com o tempo... e acho que vai te ajudar a passar a dor da ausência!

-Será que vai funcionar?

-Custa algo tentar?

Ela devolve o sorriso de Kevin, com outro um tanto tímido.

-Não! Bem... vamos tirar, então?

Kevin, com um sorriso revigorado no rosto, eleva a câmera ao alto, e logo aperta o botão. E no mesmo instante, uma bela foto dos dois estava na memória da câmera.

-Ficou muito bonita! – disse Giovanna, ao segurar a câmera.

-Principalmente porque você está nela.

-Awn... você é tão fofo!

E ataca Kevin novamente, com outro poderoso torpedo: O beijo. Mas um tão forte, belo e energético que força Kevin a se deitar na cama.

-E você... uma anjinha de Deus...

O beijo cessa, e os dois ficam ali, deitados e abraçados, de olhos fechados, apenas curtindo o delicioso momento juntos. Kevin, mais do que todos, aproveitou-o. Em 20 minutos iria ter que ir embora... a Irmandade o chama à Guerra. Por isso, desfrutou de cada segundo com o amor de sua vida. Afinal...

O tempo para fazer isso morreria junto com sua felicidade e seu amor. E as chamas da guerra irão consumir a alma do já sanguinário Assassino.