Logo que estou saindo da biblioteca, com a sorte ao meu lado, pois encontrei fácil o material com o dado que pretendia explorar no meu artigo da aula do professor Sanches, eis que meu celular vibra no bolso. Quando o levo às vistas, o nome de Filipe pisca à tela. Estranho essa ligação repentina.

– Alô?

– Oi, Milena. Hãaa... Estou interrompendo algo?

– Não, não, tô no intervalo da aula. Precisa de alguma coisa?

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– Errrr... é só que... Eu não sei.

Já estava um pouco acostumada com uns comportamentos estranhos de meu chefe quando ele ficava sem o que dizer, mas preciso destacar que ali ele estava mais que o normal. Parecia... nervoso? Ansioso? Não sei.

– É sobre a Iara. Você, por acaso, s-soube de algo dela após o expediente?

Fico parada em frente à biblioteca mais por tentar ouvi-lo ante o barulho dos alunos no pátio. Quando ele dá uma pequena gaguejada, esta não passa batido por mim, noto que está preocupado. Um suspiro final dele entrega isso.

– Não. Por quê?

– Pode ser nada demais... eu não sei.

– Filipe, explica isso direito. O que houve?

– Ela... A Iara sumiu. Quer dizer...

Enquanto ouço, aceno para o Gui, no pátio, aproximar-se, e pela minha expressão, imagino que ele capte que havia algo errado.

– Eu cheguei aqui no apê faz um tempinho e a encontrei chateada com algo. Alguma correspondência? Não sei dizer realmente, ela não quis me mostrar, mas ela tinha algo nas mãos. Como não quis conversar, eu me retirei um minuto para ir no meu quarto. Aí quando retornei à sala, ela... evaporou. E não atende o celular. Eu não sei o que pensar, Milena.

– Isso foi há quanto tempo?

– Pouco mais de meia hora. Eu não sei se espero, se insisto mais em ligar e... Milena, por favor, se sabe de algo, pode me contar, eu só quero saber se ela está bem.

– Não, não, também não sei, o senhor me pegou aqui. Ela não é disso, então não sei também se é pra se preocupar. Vou ligar, tentar ver se ela me atende. Capaz de ser nada sério, não é?

Eu tentava era tranquilizar o homem quando na verdade minha cabeça começava a buscar respostas para aquilo. Iara estava tão bem hoje, o que teria acontecido para ela... sumir? O que a faria sumir, na verdade? Para onde iria?

– Espero que sim. Nem vou na casa de meu pai hoje, não quero que se preocupe por algo que não tenho certeza e prefiro esperar ela voltar. Verifiquei, ela não está lá.

Onde estaria? Por onde eu começaria a procurá-la, se não me atendesse? Olho de rabo de olho para Gui me observando cauteloso e ouvindo pedaços da conversa. Era melhor encerrar logo a ligação.

– Se tiver notícias, me liga, ok? Vou passar a ligar para ela, qualquer coisa te aviso.

– Não vai atrapalhar nas suas aulas?

– Não, o professor faltou.

Mordo o lábio pela pequena mentirinha e Gui, na minha frente, tenta decifrar o que quero dizer com isso, entrecerrando os olhos como se eu tivesse fazendo algo de mal. Inspiro e fico ansiosa pelo que vou ter que explicar. É claro que ele vai se preocupar, eles são muito ligados, Iara é quase... quase uma irmã pra ele. Aguinaldo realmente a adotou. É mais irmão dela que o Vini até.

– Deve ser nada, né, Milena? Devo estar me preocupando por nada, não é? A Iara não faria...? Certo?

Amasso um lábio no outro, querendo poder afirmar tal coisa a Filipe, que tentava se convencer que a situação não era tão ruim assim. Como Iara não é de sumir assim, embora às vezes se isole, ela não é drástica, logo não dá pra se desesperar tanto. Isso só exige um pouco de calma.

Certo?

– Não vamos nos precipitar, Filipe, ok? Vamos encontrá-la.

Quando menciono o nome de meu sogro, as sobrancelhas de Gui se levantam e tão logo vincam em sua testa, sem entender bulhufas do que acontecia. Contudo, nota que é algo sério e que envolve Iara. Com Filipe mais sob controle, encerro de vez a ligação e espero que Gui tenha uma ideia melhor, pois eu, mesmo conhecendo Iara, não tinha noção por onde começar naquela busca.

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Não sabia também se deveria me preparar para algo.

– Obrigado, Milena. E-eu... Ok.

– Ok. Até depois.

Desligo e encaro meu amigo, sem saber bem como começar a falar.

– O que tá acontecendo?

– A Iara... Ela, hã... Meio que sumiu.

~;~

Chama, chama, chama. Caixa postal.

Chama, chama, chama. Caixa postal.

Chama, chama, chama. Caixa postal.

Isso já estava me dando um negócio de nervoso!

Iara, onde você estaria metida, menina? Atende, atende, atende, por favor.

E o Gui que demorava a voltar com a chave do carro? Eu já tava ficando pilhada.

Todos os alunos se dirigiam para suas salas, era o fim do intervalo. Como eu estava na saída de trás da faculdade, do lado de dentro, só observava de longe. Estava tão distraída caçando possibilidades no cérebro que nem vi quando Renato chegou perto de mim e me cumprimentou. Eu com o celular pendurado no ouvido e mordendo uma unha. Isso porque, ao cogitar motivos pelos quais influenciariam Iara a ter esse comportamento, uma coisa em específico me vem à mente. O ponto fraco de Iara sempre esteve relacionado com sua antiga família. E ela andava remexendo em coisas do passado faz um tempo... O que teria acontecido? O que teria encontrado dessa vez?

– Alô, Milena? Tá nesse mundo?

– Oi? Oi!

– Você já não devia estar na sala de aula?

– Ah, sim. É que preciso resolver um... pepino e... depois pego a matéria com a Flávia.

– Está esperando alguém?

– Só o Gui.

– Ah, porque a Iara já está aí, né?

Paro no mesmo segundo de morder minha unha e a mão que segurava o celular quase despenca com tudo pra baixo. Eu ouvi o que acho que ouvi?

Oi? Iara? Aqui?

Renato tá sabendo de algo??

Cadê o sentido?

– A... A Iara?

– Sim, vi ainda agora ela aí no estacionamento de trás. Bom, vê se não mata aula, mocinha. Eu não vou te cobrir, não. Na minha mão tu não relaxa, viu.

Rio um pouco nervosa, pra disfarçar, e desnorteada pelas tamanhas interrogações que surgem de repente sem aviso. Mas Iara aqui? Olho de esguelha para o portão de saída e fico duvidosa. Será que não vira de relance? O que...? Por quê? Eu não conseguia entender. Mas precisava disfarçar melhor. Tento então soar mais prática.

– Sei. Sem problema, não precisa se preocupar. Só vou resolver e pronto.

GUI, CADÊ VOCÊ, CARA?

– Tá, então vou seguir meu caminho. Hoje quero levar um papo sério com Fabiano.

Quando acho que não pode piorar...

– Fabiano?

– Acho que o Vini deve ter mencionado, não? Que Djane... Bom, você sabe.

Seguro o fôlego mais por isso do que sobre ter que correr para o estacionamento e checar a Iara – isso se for realmente ela. Renato estava mesmo investigando aquela história com Djane. Eu bem que tenho as respostas e não posso dizê-las se prometi guardar segredo. Era bem simples na verdade, e esperava que Fabiano também cumprisse sua promessa. Esperava também que Renato não ficasse chateado pela tomada de posição do diretor. Não queria que brigassem.

Apenas aceno em confirmação para o professor, melhor era evitar dizer o que não deveria. Se tentasse o convencer de deixar pra lá poderia era o convencer que havia algo pra se fuçar. Tinha comigo umas poucas esperanças sobre Djane por si decidisse revelar seus motivos de verdade.

Avisto Gui vindo em nossa direção e encerro essa conversa antes que deixe mais coisas na cara.

– Acho que sim. Então... vou indo.

Quando puxo meu amigo pelo braço e escolto-o para a saída, ele ainda pergunta:

– O que foi, hein?

– Nada. Só continua. A Iara ta aí.

– Aí onde?

– No estacionamento.

– Mas...?

– Eu sei. Quer dizer, não sei. Só anda, ok?

– Isso não tá me cheirando bem.

E quando nos deparamos com certa cena em uma penumbra do estacionamento, para Gui aquilo não cheira mesmo bem. Se avistamos a Iara? Sim, avistamos. Se avistamos ela com outra pessoa e uma que o Gui odeia, sim, avistamos. E o Gui surta.

~;~

Após um mínimo momento de paralisação e choque, tanto meu quanto de Aguinaldo, primeiro Gui imagina que é algum tipo de brincadeira, meneia a cabeça, não quer acreditar no que acontecia ali. Desprezando a cena, ele bufa, já colocando as mãos na cintura, e repetindo nãos e nãos para si mesmo. Ele não me ouve quando o chamo – ou faz que não ouve, porque sabe que eu iria o repreender. Aí sim ele surta.

Quer dizer, quase surta e quase chama atenção para nós. Tive que intervir.

– Ah, não. Não, não, não. Não.

– Para com isso, tá? Ela... Ela ao menos tá bem.

Nem eu tinha palavras para aquela cena em específico, presumo buscando um pouco de ar. Iara parecia bem... eu acho. Não dava muito para ver e não dava também para nos aproximarmos assim, de supetão, como Gui planejava fazer. Vai que a assusta? E se ela sumir de novo? Ela não é como eu, mas... nunca se sabe, certo?

Inspiro, constatando que teria que fazer meu amigo engolir essa picuinha toda.

– Ah, sim, tô vendo ela bem. Super bem. De todas as pessoas do mundo, ela tinha que escolher ele? Tinha ela que beijar ele? Logo ele? Eu vou acabar com essa graça é já, já.

Me meto na frente de Gui assim que ele guarda as chaves do carro no bolso de sua calça e ameaça interromper o casal em questão. Também fui pega surpresa, poxa, mas nem por isso eu ia sair por aí gritando só porque achava aquilo... enfim, Aguinaldo queria arrumar briga. Dali já se via que ele não tava mais ligando para a Iara, pelo menos não por seu bem-estar momentâneo. Enquanto devia estar me ajudando e avisar Filipe que havíamos encontrado sua filha, ele quer é passar por cima de mim, bufante. Isso me chateia de um jeito que mal noto o que em mim desperta. Proteção? Empurro meu amigo de volta para a área da portaria e chamo sua atenção.

– Hey! Isso seria muito idiota da sua parte, sabia? Grosseiro e baixo!

E nem falo bem por planejar uma interrupção abrupta daquele jeito.

– Baixo, Mi? Tem certeza?

– Olha, é muito pra processar, tô vendo, mas isso... você aí nervosinho demais... não dá certo.

Se Iara estava mal como penso que está, por seja lá que motivo que a fez sair batido de casa, eu não ia deixar que o Gui a abordasse desse jeito. Não com ele sendo esse... mesquinho. Aquele olhar duro dele não me botava medo algum. Eu o peitava e peitaria o quanto fosse necessário.

Vincando sua expressão para o que eu tentava lhe dizer, Gui quase levanta a voz, aí se apercebe de onde estamos, embora não tenha ninguém por ali. O segurança devia estar do outro lado da saída. Agora tão perto de meu amigo, posso ver o quão vermelho seu rosto já estava por toda essa zanga que o acomete.

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– O que não dá certo é a imagem desse... beijo!

Gui declara com tanto nojo que temo ele entender errado minha atitude. Se bem que eu mal compreendia o que fazia, se também estava chocada com a informação nova. Só que aí eu pensava em Filipe, em Iara e nessa história de sumiço e isso sim me dava algum foco.

– Cara, pensa primeiro. Você vai magoá-la!

– Eu? Tá de sacanagem comigo, Lena? Porque parece que você não tá sacando bem essa situação.

– Só estou dizendo que não vale ir desse jeito, ok? E... isso é decisão dela.

– Mas o Sávio, Milena? O SÁVIO? Não faz dois meses que esse cara tava se aproveitando de VOCÊ! Não faz duas horas que a gente tava tentando adivinhar o raio da porcaria da dívida dele com o ANDRÉ! Com o André, pelamor! É esse o tipo de cara que você quer com a sua amiga? Vai dizer que confia nele? Porra, Milena!

Ok, um pouco de sensatez nesse momento podia ser suspeito, porém necessário. Se era o Sávio ou não ali com a Iara, isso não devia ser o importante no momento. Mas como trazer meu amigo de volta ao lado bom da força, se ele se mostra tão resistente em ao menos me ouvir?

– Porra digo eu, Gui! Tu tá nervoso e a Iara precisa da gente, caramba. Independente de ser o Sávio ali ou não, o caso agora é ela.

– Mas...!

– Mas nada, ok? Ou engole essa tua fúria bem aí ou... Ou eu dou meu jeito de te afastar.

Não tenho sequer a mínima ideia do que poderia fazer quando afirmo isso a meu amigo; de qualquer maneira, soo tão convicta que isso faz com que Gui hesite. Ele para por um segundo para me avaliar e logo expira pelo nariz, ainda com muita fúria querendo explodir dele.

– Você não... certo? Você...

– Acho melhor você não experimentar.

Aguinaldo sustenta o olhar duro no meu e então desvia, muito impaciente para meu gosto. Odeio vê-lo assim, e odeio discutir com ele dessa forma, porém, não me restava alternativa senão barrá-lo. Só de imaginar o que faria se fosse nesse estado para o estacionamento, me dava um sério aperto. De verdade. Ele tem essa coisa no olhar e no porte de si que muito me preocupa. Não chega perto do bicho que Murilo virava quando surtava, claro, só que é tão ruim quanto.

Gui dá uma pequena urrada para si, leva uma mão ao cabelo, teimoso, e se vira, saindo um pouco de perto. Firme na minha, assisto ele dar seu jeito de engolir toda essa bagunça como eu havia exigido.

Quando estala os dedos das mãos e respira fundo, ele se vira de volta.

– Só digo que não tô gostando nadinha disso, viu.

– Não importa se gosta ou não. Acalmou agora?

Gui bufa, a mandíbula ainda trincada.

– Não. Mas acho bom irmos logo checá-la.

– Corrigindo: melhor você não fazer besteira.

E só assim eu abro passagem para ele.

~;~

Eu sei que Iara sentiu certa rigidez por parte de Aguinaldo, mas nada falou quando ele se propôs a acompanhá-la até em casa. Acho que a única hora mesmo que ele baixou a guarda foi quando se viu livre da presença do outro. Vez e outra eu o pegava espiando pelo retrovisor para ver como Iara estava reagindo, calada no carro, e como eu estava ao lado dela, trocava uns lasers via o espelho com ele. Era como se eu exclamasse com os olhos “para com isso!” ao passo que ele replicava com um vinco de “eu não tô fazendo nada”, quando ele bem sabia o que estava fazendo.

Assim que chamei por ela lá no estacionamento, que Gui surgiu logo em seguida, Iara se desprendeu de imediato de Sávio. Ficou claro que eles foram vistos – pegos – porém, por respeito, ninguém mencionou nada, a não ser perguntar se ela estava bem. Aí esclareci que Filipe havia me ligado e... bem, não digo que Iara tenha desmoronado, mas certamente algo mexia com ela ainda e estava tão à superfície que isso a pôs a chorar de novo. Digo de novo porque em sua face já havia uma marca de passagem. Gui se meteu na minha frente e a abraçou. Melhor dizendo, a afastou de Sávio.

Essa foi a hora que pude agradecer, pelo menos numa troca de olhar rápida, a Sávio por estar ali e ter cuidado de Iara como ela merecia. Também por meu olhar dei a confirmação que havíamos visto a cena deles anterior, uma que envolvia certo beijo. Eu tinha mais perguntas que nunca, contudo, pelo bem de minha amiga, ali não valeria a pena questionar o que fosse. Só repreendi novamente Gui por ter sangue nos olhos ao encarar Sávio.

Como Iara não quis entrar na nossa instituição e nem ir para casa ainda, ficamos lá por um bom tempo. Ela permitiu que eu ligasse para Filipe, pelo menos para dar um descanso ao homem e assim sentamos todos num banquinho perto. Claro que Gui numa ponta e Sávio na outra. Gui virou o rosto quando o outro pegou na mão de Iara e eu quase pude sentir ele estremecer, já que estava bem grudado a mim no curto banco.

Ao ver a cena de alunos ali do nada quando devíamos estar em aula, o segurança se aproximou de nós, notou nossas expressões e perguntou se algo grave havia acontecido. Para ele, algo grave seria como ser assaltado ou ter sofrido algum abuso. Então só embromamos dizendo que Iara não estava se sentindo bem, estávamos só nos mantendo perto. Depois dessa, Gui saiu de perto para buscar uma água. Em meu íntimo, me questionava se ele realmente saíra para pegar a água ou se ele não conseguia suportar aquilo a ponto de ter que se retirar.

Amparei Iara pelo tempo que ela precisou, e em nenhum momento ela quis esclarecer o que havia acontecido. Pelo menos não por completo. Dizia-se cansada e falar sobre aquilo seria um novo desgaste, então mais uma vez respeitamos. Ela só chegou a confirmar que sim, tratava-se de algo sobre a família da mãe. Que Filipe não gostava que ela ficasse remexendo em coisas do passado e era justamente isso que queria evitar, que viesse uma tristeza sobre o que ela pudesse encontrar.

Quando se sentiu pronta, mandei uma mensagem para Flávia, já quase no fim da aula, para que descesse com meu material, assim como com o de Gui e de Sávio. Foi uma surpresa pra minha amiga também o pedido, que ficou perdidinha, sem saber por onde começar a perguntar. Gui, sem ânimo, só disse que tínhamos que resolver uma coisa e que era capaz de ele demorar, assim era melhor ela seguir de carona com alguém pra casa.

Por todo o caminho, Iara nos pediu desculpas por sua fuga, não era pra ninguém saber e ela imaginou que Filipe não iria comunicar a alguém. Na verdade, ela não pensou muito sobre o que estava fazendo, quando se viu, já estava fora de casa, já estava longe. Ela também não imaginou que alguém iria se importar por seu feito.

De tudo que ela havia feito, eu a compreendia e entendia até demais, menos quanto a essa última. Claro que nos importávamos com ela! Claro que... Droga, eu tinha brigado com Gui mais cedo justamente por ele se importar até demais! Só não pude mencionar isso, isso da briga, já que estar mal ela já estava e piorar não era nosso intento. De qualquer forma, Iara sentiu o climão.

Fomos a deixar na porta do apartamento, onde Filipe nos esperava, ansioso. Me doeu um pouco no coração ela pensar que era assim insignificante para as pessoas, mas me encontrava tranquila por estar bem e em casa com o pai. Ouvi-la chamar Filipe de pai e ver a cena de reencontro deles foi o que me reconfortou mais, contudo, logo que meu sogro nos ofereceu para ficar e jantar com eles, lembrei que Gui ainda estava ali ao meu lado e eu teria que voltar com ele. Ademais, não iria separar pai e filha, que precisavam de seu momento. Agradecemos e logo saímos.

No corredor, Iara nos interceptou e pediu um segundo, me puxando para um canto. Estava muito agradecida pelo que fiz, e mais ainda por eu não ter dito nada sobre Sávio. Para minha surpresa, ela afirmou que sabia... sabia tudo. Sem ação, não cheguei a perguntar o que ela queria dizer, pois logo meu celular vibrou e dessa vez denunciou meu toque. Jimmy Eat World tomou o corredor e atendi o Vini rapidamente. Dali peguei o elevador.

Gui não disse uma palavra, nem no elevador, nem no carro, nem na porta de minha casa. Eu também não.

Pra falar a verdade, eu não tinha... não tinha ideia se minha posição tinha sido a certa, se deveria manter minha opinião, se deveria me meter. Não diria que a imagem de Iara com Sávio me parecia absurda, se eles não eram desconhecidos para tanto, mas, no mínimo era estranho. Digo, o que Iara quis dizer com “eu sei tudo”? O que seria esse tudo? Saberia mesmo? O que era aquela correspondência, afinal? O que teria ali para ter resultado nessa fuga?

E Gui? Ele tinha melhorado tanto no quesito Sávio... Após aquela monitoria ele havia acalmado tanto. Essa raiva dele me incomodara muito. Custava ele esquecer esse mero detalhe e se centrar na questão principal? Custava ser um pouco mais educado?

Piso na minha sala e essa confusão me toma a cabeça.

Quem o Gui achava que era para tomar as decisões?­

– Mi?

O que ele achava que ia fazer? Separar bruscamente os dois só porque...

– Mi!

Salto no meio da sala, o que faz minha pasta de documentos quase voar. Alguns papéis ainda se deslocam, caindo ao chão. Murilo ao menos se propõe a juntar tudo. Eu só inspiro e expiro. Ao que parece, alto demais.

– O que é hein, já brigou com o outro?

Pego as folhas já lembrando que havia uma merda de ensaio para começar a digitar e eu tava super no clima pra não dizer o contrário. Teria também que me atualizar da aula que perdi. Minha vontade mesmo era tomar um banho, jantar e cair no sofá até dar a hora de dormir e me arrastar para a cama. Estava desacostumada a aguentar essa rotina corrida de estágio e faculdade ao mesmo tempo, ela pode ser bem desgastante. O Vini nem poderia vir, também cansado e com trabalho pra fazer.

– Defina o outro.

Murilo me segue conforme vou para meu quarto.

– Vish, foi sério assim?

– Não. Não sei. Quer dizer...

Inspiro e expiro mais uma vez, quando ponho meu material sobre a mesinha de meu quarto. Sento na cama e pela primeira vez, gostaria que Murilo só entrasse no meu cérebro, lesse os últimos registros, pra me poupar de abrir a boca. Era assim que o cansaço me pegava.

– Briguei com o Gui.

– Ah, mas de novo? E foi pelo quê? Por ter perdido uma piada?

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– Foi sério, mano. Tô aqui revendo se... se fui rígida, se fui justa... Mas não consigo me convencer de que a atitude dele foi melhor. Quer dizer, eu esperava mais dele. Acho que estou um pouco decepcionada.

Assim que meu mano senta ao meu lado, deito minha cabeça em seu ombro, novamente pensativa. Sinto seu carinho e não quero nem pensar na droga de ensaio para a aula.

– Quer me explicar melhor isso?

– Não sei se você ficaria do meu lado.

– Sempre vou ficar do seu lado, sua boba.

Eu sei, eu sei, do meu lado mesmo, ele ficaria, mas quando soubesse da cagada toda, era capaz de ele tomar o partido do Gui. Mesmo não sendo mais o violento que costumava ser, ou de se propor a não ser mais esse violento, quando souber que Sávio me beijou na viagem, não vai ser uma cena muito boa. No entanto, algo em meu íntimo me diz para ser sincera e abrir o jogo.

– Hoje eu e Gui descobrimos com quem a Iara está saindo. É alguém que o Gui não gosta. Pelo menos não mais.

– Quem?

– O Sávio.

– Aquele da turma de vocês? Ele me parece legal. O Vini que tem ciúmes dele, que eu sei. Infundado, não?

Lá vai.

– Não tão infundado, mano.

– O que quer dizer?

– Mu, eu não vou esconder isso de você, tá? Mas tem muita história pra você entender melhor o episódio de hoje.

– E você... vai contar?

Levanto a cabeça e me forço a chutar o cansaço pra longe. Ou pelo menos esquecer um pouco de minhas responsabilidades. Não estava mais nem aí se Murilo me reprovaria ou pelo quê me reprovaria, tirar esse trambolho de coisas do meu sistema era o que eu queria. E faria.

– Sim, mano, eu vou.