Imitando o resmungão do Bruno, “não sou paga pra essas coisas não”. Quer dizer, nem havia tempo pra resmungar, eu já tava de cara com a porta e meu chefinho fazia a maior cara de cachorro chutado pra eu tentar aliviar o lado dele. O lado supostamente cafajeste dele. Ai, Senhor, onde fu... Onde foi que inventaram de me meter?

Era como estar num filme de comédia romântica, daqueles que sempre envolvem na trama um casamento que falta não sair. Só que eu não era a noiva, nem próxima dela ou da família. Tava mais para uma garçonete de festa, assistente de buffet, a confeiteira, a florista, qualquer pessoa aleatória que presencia a crise da noiva e dá uns conselhos. Era o que meu chefe queria.

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– Vai lá, Milena, fala com ela.

Na verdade, ele me empurrava delicadamente. Me caçou em outro departamento até, fui lá ver se conseguia algum bolo de aniversário, na cara de pau. Mas Thiago tava tão tão agoniado que me ofereceu logo foi a cantina toda se eu fosse entrar lá no banheiro feminino e conversasse com sua irmã. Pela expressão, ele tinha feito uma burrada grande e tava bem desesperado. A merda que ele fez, no entanto, não deu tempo de perguntar.

Tinha eu que ser tão mole do coração pra não se aguentar de ver ninguém chorando? Foi o meu pensamento quando enfim adentrei o espaço do banheiro. Não havia ninguém lá, aparentemente. Só havia uma porta do reservado fechada. Só podia ser ela, embora os pés dela não ficassem à mostra. Devia estar encolhida.

Devia estar com muita raiva pra ignorar até as bactérias.

– Olá?

Minha voz ressoa pelo espaço. Nada, nada de resposta. Nem um fungado.

Suspiro. Caminho até a pia, abro a torneira, lavo as mãos e espero. Recosto-me na pia e espero quase assobiando. Mando sms para Iara guardar um pedaço de bolo para mim e outra para Gui, avisando que eu poderia demorar, ele poderia seguir caminho se tivesse pressa. Meu celular apitou uma resposta dele, melhor, um lembrete.

“E tu não ia lá no Center procurar teu carregador, BONITINHA?”.

Verdade, já ia me esquecendo disso. Que belo dia meu carregador do notebook tirou ontem para queimar e eu ser obrigada a mendigar o cartão de crédito do Murilo porque não tinha condição de eu comprar um novo assim na boa. Na realidade, foi ele quem queimou o carregador, ele quem pegou o meu porque esqueceu o dele no trabalho e foi enfiar numa tomada que passava muitos volts acima do permitido e quase que o notebook dele não queimou junto.

Mas ele me contou isso primeiro? Nãaaao. Ele preferiu colocar tudo no lugar, me fazer achar que o bicho tinha pifado sozinho e do nada, e eu ter que ir lá, bater no quarto dele e não só pedir dinheiro, como explicar o motivo de estar sem dinheiro. Sim, confessei o caso lá do hacker e aí que ele teve a compaixão de confessar o crime dele também. A graça foi que eu fui lá toda sem jeito, chamando-o de “Muzinho” e ele devolveu, me chamando de “Mizinha”, quando resolveu contar a verdade. Um bobo.

Murilo não brigou comigo. Pelo contrário, ficou tocado por eu ter chegado àquele ponto de ter que apelar de contratar um hacker para protegê-lo. Noutros tempos, ele teria gritado tanto comigo que ficaria rouco e eu junto, discutindo feio com a figura. Acho que já ultrapassamos essa fase, pois meu mano só agradeceu e me deu seu cartão, afirmando que não só me reembolsaria, como permitia que eu gastasse o quanto quisesse. Definitivamente isso é outra fase de vida, pois meu irmão não é desses de ceder cartão fácil e muito menos pra mulher, diria ele. Ou o velho Murilo.

Evitei de pousar a mão na testa dele pra não dizer que eu tava implicando. Vai que ele tomava o cartão?

Sob o argumento de que se eu desisti das minhas preciosas economias – palavras dele, nada minhas – para fazer o possível e o impossível para livrar a cara dele, não seria de todo mal ele me entregar o cartão para qualquer uso que eu precisasse. Contanto que fosse com juízo, claro. Como eu não queria abusar da bondade da criatura, por enquanto só usaria para comprar o carregador, porque era necessidade. Provavelmente iria ter que usar pra comprar um vestido pro casamento do enfermeiro bonito, então era mais sensato não exagerar daqui pra lá, até porque se ele confiou em mim para fazer bom uso do seu precioso dinheirinho, não era bem visto eu sair torrando em qualquer coisa.

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Ele me reafirmou isso sobre seu cartão de crédito quando me deu carona pro trabalho hoje, só pra garantir.

Respondo a Gui que me esperasse então, que eu ia dar um jeito de não demorar. Tava dando uma ajeitada no ninho de passarinho que estava meu cabelo quando ouvi finalmente um fungar. Respirei fundo e parti para iniciar alguma conversa.

– Moça, não chora não...

Mais uma vez ela não disse coisa alguma. Vendo pelo lado dela, era compreensível. Quem quer conversar e abrir a vida para uma estranha dentro de um banheiro? Ela não taria tão desesperada quanto as noivas em pânico nos filmes.

Aí pensei no meu chefe e em todo seu esforço para me escoltar até aqui e pedir encarecidamente que lhe ajudasse. Acho que não aguentaria ter que encarar a carinha de derrotado dele, por isso eu tentaria novamente. Até porque Gui estaria me esperando.

E o bolo também.

– Olha, moça, o Thiago é uma pessoa dura de conviver. Eu trabalho pro cara e a senhora é irmã dele, deve saber bem melhor do que eu. Mas devia saber também que ele tem um coração. Bem escondido, mas tem.

Não era mentira.

– É verdade que não conheço ele fora daqui, mas o que eu conheço, moça, já me dá uma ideia. Se ele fez uma tamanha burrada, deixe que ele reconheça pelo menos.

Eu me sentia na pele do Armando me pedindo pra dar uma chance pro Murilo, isso na vez que a gente viajou no Natal para visitar nossos pais e o Armando pegou uma carona com a gente na estrada. Só que diferente do Armando, que fizera aquilo de livre e espontânea vontade ao ver o estado do meu mano, eu tinha que dar notícias pro meu chefe. Queria fazer direito, então ia lutar para lhe dar boas notícias.

Por isso continuei falando “sozinha”.

– Ele não tem jeito mesmo com umas coisas. Mas eu também não tenho, moça, e nem por isso force a barra. Ele tá tentando do jeito dele. Thiago vai me matar por isso, mas ele veio pedir conselhos até pra mim, mera estagiária. E sabe, eu considero muito meu supervisor. Porque quando eu precisei, ele me ajudou. Foi bastante vergonhoso, pode até perguntar pra ele. O que mais tem é rumor sobre o que rolou aqui na empresa e ele... de certa forma, cuidou de mim. Realmente, o cara não tem jeito pra isso, e ainda assim ele ofereceu apoio.

Bem à maneira dele, mas deu. Sempre me respeitou também, assim como às minhas escolhas. Como não espalhar para ninguém que eu namorava o filho do chefão, que ele só descobriu por puro acaso, quando estivemos conversando no hospital, após Filipe ter sofrido aquele atentado de assalto.

Mais uma vez, falo para as paredes:

– Eu mesma tenho uma peste de irmão que vivia me danando a vida e, olha, quando a gente finalmente se aceitou e baixou a guarda, vimos que valia mais a pena. Não tô dizendo que é esse o caso ou que a senhora deve me ouvir. Só... considere, ok? Pense um pouco.

E aí me lembro da vez que defendi o Bruno e ele tinha feito a maior cafajestagem da vida. Assim acrescento:

– Mas se ele foi cretino, grita mesmo com ele. Faça-o ver qual é o problema, porque ele pode até não saber bem. De qualquer forma, moça, dê a ele uma chance. Uma pra se explicar e uma pra se redimir. Se ele estivesse nem aí, ele nem pararia o serviço dele. E olha, ele tá é roendo unha na porta do banheiro. Ele não vai sossegar até a senhora sair...

Acho que ela não tava mesmo para papo. O jeito era deixar como estava e encarar que eu não levaria boas notícias pro meu chefe.

– Eu tenho que ir. Espero que fique bem, moça.

Foi só dar um passo para me virar, que pés alcançaram o chão e ela gritou lá do reservado:

– Espera!

O trinco do reservado é forçado e... Acho que havia alguma esperança então.

~;~

– Quê que eu te falei sobre a minha política, dona Milena Lins?

Gui joga essa pra mim logo que entramos na avenida principal, que até estava andando num ritmo bom para o horário, sem muito engarrafamento. Talvez fosse a época de férias para a maioria das pessoas. Uma pena não ser assim sempre.

– Quo políteca?

Questiono eu, a boca cheia de bolo.

– A minha política de não poder comer dentro do carro.

– Ah, nem vem. Iara me disse que tu pegou meus docinhos e eu não falei nada.

E eu tava com fome.

– Vocês e essa mania de contar tudo umas pras outras. Hunf.

– Como se tu não fizesse isso, bonitinho!

Pelo menos não com tanta frequência, porque até outro dia eu descobri que ele não tinha mesmo mencionado uma abordagem sua sobre mim para a namorada e Flávia devia ter cobrado o coitado depois do furo que dei de contar, já achando que ela sabia. Mas a quem eu queria enganar, não dá pra comparar brigadeiro com um caso um tanto polêmico.

– Tu ainda tá comendo bolo dentro do meu carro, Milena.

– Mas tô tomando cuidado de não sujar. Tô com saco plástico e guardanapo.

Eu tava era fazendo uma mistureba, ora comia um pedaço de bolo, de trigo e recheio de doce de leite – huuum – e ora mordia os bolinhos de tapioca. Esses eu não deixei ninguém roubar. Iara viu que eu tava doidinha por eles até meu chefe me sequestrar.

– Sei. E o que foi aquela ceninha com nossos supervisores?

– Bom, pra encurtar história... agora o teu acha que sou uma mulher da vida e tenho dois amantes. Sendo um deles meu chefe. A vida é tão bela...

– O qu...? Que porra é essa?

O Gui às vezes é tão educado.

– Tô brincando, coisa. Quer dizer, ele ainda acha que vivo me comportando mal. Mas dessa vez foi culpa do Thiago.

Assim que deixei para trás o caso do banheiro, topei com Gui na lanchonete e avisei que só encontraria Iara, pegaria minhas coisas e sairia com ele, aí ele me pediu para encontrá-lo já no estacionamento. Tudo bem, peguei minha lembrancinha especial pós-aniversário, conversei brevemente com Iara, catei meu material e me encaminhei pra saída. Estava já no estacionamento procurando pelo carro do Gui quando de repente alguém se jogou em mim. Tipo, se jogou mesmo, me abraçando como se dependesse a vida. Era Thiago. Me pegou tão de surpresa que meu bolo quase voou. Quase.

Eu ia matar o cidadão se tivesse caído no chão.

Ele me abraçava apertado e por trás, e como sou menor, ficava pequenina nos braços dele, enquanto o próprio expressava demasiadamente seus agradecimentos. Era um abraço um pouco constrangedor ante as circunstâncias. E ficou pior. Porque o supervisor do Gui só sabe aparecer nas horas mais apropriadas, para não dizer o contrário.

Como ele já havia feito comigo e com o Gui, nos interrompeu com um pigarreio. Thiago se desvencilhou de mim, desconcertado, e cumprimentou o companheiro de profissão, que só o observava com olhos de repreensão.

– Eu... hum... só estava agradecendo à senhorita Milena por um... serviço.

– Sei. Esse tipo de serviço, sei.

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Descontraído, Thiago quis quebrar o gelo. Já o supervisor do Gui continuou se fazendo de linha dura, embora estivesse tirando time de campo.

– Ah, qualé, Jorge, também não me olha com essa cara.

– Eu não sei do que você está falando, afinal, estamos fora da empresa já. Lá dentro, só espero que vocês respeitem os outros funcionários.

Eu? Eu fiquei calada. Porque era possível que quanto mais eu tentasse arrumar a besteira, pior ficasse. Era tão a minha cara de acontecer!

Ficou um climinha constrangedor de novo quando o cara me deixou a sós com Thiago, que ainda demonstrava felicidade, mas tentava dessa vez se controlar. Para diminuir esse desconforto, embromei:

– Não tem jeito, agora mesmo que ele pensa que ando desvirtuando os homens dessa empresa. Imagina se o Filipe me abraçasse... Esse aí tem uma política muito forte com condutas.

Esse aí só me pega em situações complicadas de explicar, isso sim.

Gargalhei. Me aliviava um pouco que a bagaça não era só comigo, pelo jeito o cara tinha predileção por apanhar pessoas em momentos de supostos comportamentos inadequados. E olha que meu chefe sempre frisava sobre condutas comigo, mas era por casos de brigas, socos e tapas que eu andava me metendo - falando desse jeito, pareço apenas a pior funcionária, aposto.

– Então o senhor também? Nossa senhora, ele acha que eu tenho um caso com o Aguinaldo! Imagina só!

Com jeito de quem não tava numa situação pior e que entendia bem meu lado, meu chefe confessa um flagra seu também. Faz isso de uma forma tão fofa que aos poucos nosso constrangimento começa a se dissipar.

– Precisava ver a cara dele quando me pegou com minha sobrinha e Iara.

– Olha, taí, acho que eu queria ter visto...

E depois de uns três segundos de silêncio de nós dois embaraçados:

– Eu... eu realmente agradeço, Milena. Se eu puder fazer qualquer coisa...

– Nada, não foi nada.

– Não, eu posso ser um jumento com minha irmã, mas se é pra agradecer algo, eu não sossego. Que tal te pagar lanche por um mês? Pode pedir qualquer coisa na lanchonete no meu nome e...

– É sério, Thiago, não é necessário. Fiz de bom coração. A próxima eu cobro. Mas vamos torcer para não haver próxima.

– Tem certeza, Milena? Deve ter algo que você queira, tenho certeza.

Era tentador, muito tentador. Principalmente em vista do dimdim que me faltava, mas em breve Murilo me pagaria, e se eu não queria extorquir nem meu mano, imagina meu chefe em toda sua gentileza pra cobrir minhas burrices. Que tipo de pessoa eu seria?

– Eu só quero retribuir, ok?

Ele estava sendo sincero. Meu chefe não é desses que se abre fácil, porém, depois desses últimos casos, ele tem sido mais gentil e às vezes até companheiro. Tem lá suas crises, tem dia que falta sair fogo das orelhas, eu fico doida, compro até cookie pra improvisar uma defesa, como antes fazia como o diretor lá da faculdade, e já até fugi pra não levar bronca.

Mas isso era quando ainda tava fazendo estágio supervisionado e umas porcentagens dos ataques dele envolvia umas besteiras de André. Foi só o sacana sair que Thiago normalizou mais. Era mais fácil apontar que ele devia estar numa fase ruim, no entanto, eu prefiro acusar que era André que deixava toda a aura carregada. Era difícil respirar o mesmo ar que aquele infeliz.

– Tá, ok. Tem uma coisa que eu quero...

– Ótimo, só pedir.

– Que tal quando fazermos consultorias... hum... o senhor aumentar a temperatura do termostato da sala?

Thiago foi pego de surpresa com essa.

– Quer que eu ajeite a temperatura da sala? Só isso?

– Aham. Só isso... É que eu sempre saio só o picolé de lá.

Ele pareceu ponderar um pouco e enfim assentiu, abrindo um daqueles sorrisos de acordo fechado que costuma oferecer aos clientes. Depois ele simplesmente tem um ataque de energia e me tasca um beijo na testa. Ruborizei, claro. E fico brava pelo que ele termina por declarar.

– Seu pedido é uma ordem, minha estagiária favorita.

Ele já ia dar no pé quando reclamei:

– Epa, nada de predileção. O senhor sabe que eu odeio essas coisas.

– Eu sei, por isso mesmo você merece. Humildade também abre portas, sabia?

Meu chefe parecia um menino, isso sim. Um menino crescido. Tava tão engraçado que ainda entrei no carro do Gui rindo, este que tava se derretendo todo conversando com a Flávia no celular. E me denunciando como motivo de demora! Não posso mais salvar o mundo que já vem jornal me estampar como a pessoa mais errada.

Eu entendia bem o Clark Kent.

Ele bem que podia me ligar, só pra compartilharmos nossa frustração.

Depois de relatar mais uma repreensão por conduta profissional que levei do chefinho de meu amigo, Gui determina que temos porque temos que abrir o jogo com o cara e rápido. Me amava tanto, mas não queria ser vista comigo. Eu ia só dar na cara dele se não fosse o argumento de que o tal supervisor não batia bem da cabeça. Mas ainda assim, fingi coração ferido. E coração zangado tão logo ele me veio com aquela de novo de “ser gostoso” e “ter dona”, como se eu não conhecesse BEM essa dona.

– Gui, eu só não te mato por duas razões.

– Porque me ama e porque a Flávia te mataria.

– Não, porque o Murilo me mataria e a Flávia terminaria de me matar. Melhor a gente deixar quieto que isso me parece mais daqueles casos em que se a gente tenta arrumar, mais complicado fica, e de complicado eu já tenho uma lista monstra pra riscar. Dá pra ser ou tá difícil?

– Dá pra tomar cuidado com esse saco ou tá difícil? Se sujar, tu vai limpar.

Eu tava equilibrando a boca do saco plástico entre minhas pernas, ainda aberto, pois eu surrupiava os bolinhos devagar, e fazia isso ajeitando a bolsa do lado pra pegar o celular, que senti vibrar. Não bastando isso para me fazer quase de estátua naquele banco, mantinha a mochila do notebook aos pés pra não ficar se debatendo no tapete quando Gui resolvia dar uma de suas manobras pra costurar pelo trânsito.

– Às vezes tu é tão cavalheiro, cara, que eu devia dar razão pro teu chefe e te dar um beijo na boca. Mas como eu sou bem fiel ao Vini e não tenho porque arranjar um qualquer, eu vou só te ignorar.

E vejo uma sms do Vini, confirmando que logo sairia do trabalho e poderia me pegar no Center. Pelo menos dessa vez eu veria meu namorado sem muita pressão. Já Gui começa o drama. Infelizmente, ele tinha aprendido comigo.

Um qualquer, Milena, um qualquer? Eu aqui te cedendo carona, te esperei, te deixei comer no carro, tô te oferecendo soluções e...

Viu, é só mexer com o ego dos meninos que eles esquecem qualquer outra besteira que se tenha mencionado. Como o fato de eu ter ironizado ou descrito que poderia beijá-lo.

– Epa, epa, epa. Tu roubou meus docinhos!

Mas esse... esse foi o argumento mais fuleiro que eu pude arranjar ao que parece.

– E isso te isenta de tudo, bonitinha?

– Isenta. Nunca roube doces de uma mulher, Gui. Se ela não avança, você devia ficar mais que agradecido. Tu convive com Flávia, já devia saber.

Porque a Flávia virava bicho se alguém roubasse o mínimo que fosse dela. Era tão calminha, tão boazinha... Mas pega ela em TPM pra ver como a banda toca.

– Eu ouvi e vou contar.

Amarro o saco ao colo e reviro os olhos no processo. Esse também era um “recurso” bem conhecido meu e Gui usava contra mim. Tinha eu que ensinar todos?

– Fofoqueiro.

– Fofoqueira... Agora me dá meu beijo de despedida.

Sinceramente? Acho que a gente brigava só para passar o tempo. Sério. O que mais fazíamos juntos ultimamente era ficarmos presos em engarrafamentos e de geral, discutindo quaisquer besteiras e banalidades, para depois, no final, a gente se despedir com beijos, abraços e boas noites. Era como ignorar todo o drama ou fingir que nem tinha acontecido. Gui tinha adotado esse comportamento de pedir beijo recentemente, no entanto. Depois do último período, ele diz ter se sentido ameaçado pela concorrência com minha amizade, assim só ele poderia requerer e ganhar beijo no rosto, só pra fazer inveja pros outros. Tinha vez que Bruno pedia só pra atazanar ele.

E mais! Dizia que Vini ficava em outra jurisdição.

Eu sei, onde mesmo fui arrumar de amarrar meu burro com esses palhaços?

Não reclamo mais. Tal como Gui, mudo minha expressão por completo, agradeço, dou enfim o beijo no local demarcado em sua bochecha, passo minha bolsa pelo braço, pego a mochila do notebook, desço do carro, com a promessa de que tomaria cuidado e sim, Vinícius já tinha marcado comigo de me encontrar lá e tomo meu rumo.

A loja ficou por mim conhecida por causa de Vini, que era cliente e garantiu que lá tinha uns preços bacanas. Havia trazido meu notebook pra todo caso, era melhor para identificar bem o pluggin certo do carregador com a máquina. Pensava em nisso e em como logo veria o Vini e fazia planos sobre como aproveitar bem o pouco descanso que ele tinha quando adentrei a loja. Na porta havia aqueles sininhos, então o atendente logo me viu e veio me cumprimentar.

Eu explicava o caso ao carinha gentil e puxava meu notebook da mochila quando o sininho alertou novamente entrada de cliente e ouvi duas pessoas conversando. Meu atendente afirmou aos outros que só chamaria o seu colega e assim me confirmou que voltaria com os carregadores do depósito para testar.

Então eu fico lá, meio vagando em pensamento, meio mexendo no zíper de minha mochila no balcão da loja quando de repente...

– Milena?

Paraliso quando, de imediato, reconheço aquela voz.